//CARLOS MOTTA// A balzaquiana periguete e a dama do cachorrinho



A balzaquiana vestida como periguete atravessa a rua, em direção ao Centro, e no outro lado da calçada grita:

- Ladrão!

E continua, num tom entre o indignado e o histérico:

- Vocês não têm vergonha? Ladrão, ladrão!

O ladrão, no caso, era o ex-presidente Lula, e o "vocês" éramos nós, meia dúzia de militantes que estávamos naquele fim de tarde na nossa "banquinha" perto da Rodoviária de Serra Negra, distribuindo material a quem passava, no esforço de eleger os únicos políticos que podem tirar o Brasil do buraco em que foi colocado pelos milicianos que tomaram de assalto o Palácio do Planalto. No caso, o "ladrão" Lula e o professor Fernando Haddad, que concorre ao governo do Estado.

A tarde seguia como nas outras em que havíamos nos instalados com uma mesinha e três banquinhos de plástico, bandeirinhas, panfletos, adesivos e a vontade de convencer os passantes a votar na esperança de um país melhor. 

Uma meia hora havia se passado desde que a balzaquiana periguete dera seu show de intolerância, quando uma companheira nos avisou:

- Olha ela lá, sentada no banco da rodoviária, esperando o ônibus...

Não sei quanto aos outros, mas imediatamente senti uma enorme compaixão por aquela mulher, uma pobre, material e espiritualmente, coitada. 

Ao mesmo tempo, refleti sobre o quanto a sociedade brasileira está doente, vitima de uma lavagem cerebral que vem sendo aplicada há pelo menos duas décadas.

Mas mal terminei de colocar meus pensamentos em ordem quando, a poucos metros de mim, uma mulher, bem vestida, septuagenária talvez, que passeava com seu cachorrinho, se virou e perguntou:

- Quanto vocês estão ganhando para fazer isso?

De imediato, respondi o que me veio à cabeça:

- Nada, apenas nossa consciência tranquila...

E voltei a agitar minha bandeirinha para os carros que passavam, até que outra mulher, roupa bem simples, parou e pediu um adesivo, para depois puxar conversa:

- Na minha família todos são Lula. Mas tem uma vizinha que não é e outro dia perguntou para mim por que eu ia votar num ladrão. Aí eu respondi: "E você sabe o que ele roubou?" A mulher ficou quieta, não sabia o que dizer É sempre assim, ficam repetindo essas coisas, não sabem nem o que estão falando.

Entre mortos e feridos, como se diz, salvaram-se todos. Ou melhor, a nossa banquinha cumpriu com louvor a sua missão: distribuímos praticamente todo o material dela para jovens, idosos, homens, mulheres, que passavam por nós a pé ou de carro e moto. 

Uma pena a balzaquiana periguete e a dama do cachorrinho não terem se reunido a esse grupo de pessoas que querem mudar o Brasil. Mas, sei lá, talvez elas estejam contentes com as coisas do jeito que estão. 

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Carlos Motta é jornalista profissional diplomado (ex-Estadão, Jornal da Tarde e Valor Econômico) e editor do Viva! Serra Negra




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