//MARCELO DE SOUZA// A imobilidade serrana



A solução do problema do tráfego lento nas ruas centrais e da carência de vagas para estacionar passa obrigatoriamente por uma revolução no modo de olhar os deslocamentos na cidade e no modo de tratar questões públicas.

O tráfego em qualquer cidade é prejudicado quando o principal meio de deslocamento é o carro particular.

Em cidades que nasceram com ruas estreitas, vias íngremes e curvas agudas, o problema se agrava.

Soma-se o contínuo crescimento sem planejamento e a rejeição por bons e consagrados conhecimentos técnicos, materializados em normas, manuais, especificações e em bons exemplos de outras cidades.

A cidade continua crescendo sem as adequações e correções necessárias no viário e no modo de se deslocar. Também ignora os graves problemas de acessibilidade observados nos passeios públicos.

No viário, o resultado é o que se vê atualmente nos fins de semana, feriados e às vezes até em dias normais: de 20 a 30 minutos para se deslocar de carro num trecho de algo em torno de 700 metros.

Nos passeios públicos, o que se vê com frequência são pedestres e cadeirantes no asfalto devido à impossibilidade de usar as calçadas, dividindo espaço com veículos e, portanto, se expondo a riscos.

No meu entendimento, a decisão de revisar o Plano Diretor sem considerar questões de mobilidade urbana foi um dos erros. Erro aprovado por unanimidade.

No Plano Diretor, vias consideradas como arteriais não têm geometria nem para funcionar como coletoras e as vias denominadas de coletoras têm problemas até para ser consideradas como locais. O problema irá se agravar quando novos loteamentos começarem a ser implantados.

Parece importante:

- Reavaliar o mapa de uso e ocupação e leis de zoneamento levando-se em conta aspectos de mobilidade urbana;

- Avaliar e adequar a capacidade de fluxo de cada via;

- Se julgar necessário, planejar novas vias e somar outros modos de deslocamento;

- Criar um Conselho Municipal de Mobilidade Urbana independente e deliberativo;

- Criar um Conselho Municipal de Acessibilidade Urbana independente e deliberativo;

- Criar um Conselho de Planejamento Urbano independente e deliberativo;

- Criar um Conselho de Meio Ambiente independente e deliberativo;

- E principalmente repensar e incentivar novos modos de deslocamento, dando prioridade ao pedestre (caminhar), seguido do "pedalar" (bikes, patinetes etc) e do transporte coletivo eficiente (figura abaixo).



Caminhar? Mas como são os passeios públicos? Como são as calçadas em Serra Negra? Serra Negra leva a sério questões de acessibilidade urbana?

Pedalar? E como vão os projetos de ciclovias e as ciclofaixas na cidade?

Usar ônibus? O transporte público em Serra Negra é eficiente? Eficiente para quem? 

Prefeitura e Câmara Municipal já poderiam ter elaborado e entregue um plano de mobilidade e um plano de acessibilidade de forma a seduzir a população a naturalmente aderir “ao caminhar”, “ao pedalar” e a usar o transporte comum (coletivo), deixando o automóvel em casa ou em bolsões de estacionamento, preferencialmente locados nos quatro quadrantes da borda da zona central.

O Plano Diretor e o mapa de uso e ocupação do solo identificaram áreas potenciais para funcionar como bolsões de estacionamento? Parece que não e, portanto, no meu entendimento, essa é outra falta grave do plano aprovado por unanimidade.

O Plano de Mobilidade entregue à prefeitura em 2020 indicou áreas para bolsões de estacionamento? Também não. Falou que precisa, mas não apontou onde. 

Caminhar é legal

Há soluções técnicas para tudo, mas parece haver medo de enfrentar o problema, já que é necessário romper preconceitos, hábitos, derrubar velhos paradigmas e, o maior medo, o risco político de ganhar a antipatia de eleitores. Num primeiro momento qualquer intervenção no viário ou alteração no tráfego incomoda praticamente toda a população.

Em Serra Negra, pelo menos desde 2014 se fala em mobilidade e acessibilidade urbanas. E até o momento parece que nada foi feito de efetivo para melhorar a locomoção na cidade. Nem planos, nem estudos, nem projetos, nem conselhos municipais etc.

A velocidade média dos deslocamentos só tem diminuído, a extensão do tráfego lento só cresce, o risco de acidentes de trânsito também cresce e as vagas livres para estacionar parecem não existir.

Até em dias normais achar uma vaga para estacionar nas ruas centrais exige alguns minutos de paciência, uma boa parcela de sorte e a queima de alguns litros de combustível. Além de consumir tempo e dinheiro do usuário, se despeja mais CO2 na atmosfera - que serranos e turistas colocam para dentro dos pulmões. Isso não é nem verde e nem azul.

O tema mobilidade certamente estará no plano de governo de todos os candidatos a prefeito este ano. Questões de acessibilidade só os virtuosos irão enfrentar.

Existe um projeto de mobilidade e de acessibilidade para a cidade?

Por isso se questiona se existe um projeto de viário, por exemplo, no caso de um grande trecho da SP-360 ser municipalizada, ou de tantas outras intervenções e investimentos realizados na cidade sem estudos de impactos na vizinhança e implantação de respectivas medidas mitigatórias.

A municipalização desejada poderá abrir a porteira para vários acessos a empreendimentos que já estão sendo construídos às margens da rodovia e outros que certamente virão. Se não for muito bem planejada, poderá transformar uma rodovia minimamente segura numa avenida e o congestionamento que hoje não chega a um quilômetro na região central poderá se estender no médio prazo e piorar a condição de segurança para os usuários.

Rotas alternativas? Anéis viários? Atalhos? Travessias? Segurança no viário? Ciclovias? Ciclofaixas? Segurança nas calçadas? Normas técnicas? Padrões técnicos? Critérios técnicos? Avaliação de modais de deslocamentos?

Ou as soluções serão sempre lombadas, estacionamentos rotativos, semáforos, rotatórias e minirrotatórias. Sem estudos tudo isso pode atravancar ainda mais a fluidez das vias e prejudicar a segurança no ir e vir.

Fica a impressão de que as demandas são resolvidas meio que de improviso, de forma empírica, atendendo pedidos de uns ou resolvendo pontualmente um problema e deixando de lado a boa técnica e avaliações mais globais. 

Sem estudos a cidade vai crescendo e a velocidade dos deslocamentos diminuindo. E a segurança nos deslocamentos também diminuindo, com o número crescente de intersecções com geometrias no mínimo questionáveis ou com faixas de aceleração e desaceleração chamadas de razoáveis por alguns, mas possivelmente fora de padrões normalmente empregados ou à custa da diminuição forçada de velocidade (lombadas ou outros artifícios).

Quando se atende uma demanda ou se resolve um problema de forma pontual, pode-se estar criando problemas maiores para um futuro próximo.

Não seria importante estudar melhor e debater o assunto com a população?

Plano de mobilidade está parado 
no tráfego lento da prefeitura

Em https://pmmu.com.br/docs/PLANOS/PMMU_Serra_Negra.pdf  vereadores e qualquer pessoa pode conhecer o Plano de Mobilidade entregue ao prefeito Sidney Ferraresso em 7/12/2020.

Sim, faz mais de três anos e meio que foi concluído e entregue à Prefeitura. Não é perfeito e, para variar, não contou com a participação popular efetiva. E muitos aspectos não forem considerados ou detalhados.

O assunto é antigo. Vale relembrar:

https://www.vivaserranegra.com/2022/11/marcelo-de-souza-transito-grande-na.html

https://www.vivaserranegra.com/2022/05/marcelo-de-souza-o-plano-de-mobilidade.html

https://www.vivaserranegra.com/2021/06/opiniao-planospara-quem.html

Exemplos que podem ser úteis

Já se falou de parques esponjas, que têm a função não apenas de amortecer chuvas intensas, mas que servem também como espaços ao ar livre para o lazer a e cultura. A população agradece. (https://www.vivaserranegra.com/2024/06/marcelo-de-souza-o-que-curitiba-com.html)

Com relação ao tráfego em zonas centrais, há quase 50 anos a Companhia de Engenharia de Tráfego - CET, quando presidida pelo engenheiro Roberto Salvador Scaringella, ousou e transformou muitas ruas do centro histórico da cidade de São Paulo em vias exclusivamente para pedestres.

Pouco tempo depois das alterações nos modos de locomoção naquela região e entorno, a população se mostrou receptiva com as mudanças e com o novo olhar da cidade.

Muitas cidades tem áreas exclusivas para pedestres. Curitiba de novo saiu na frente quando transformou a secular Ruas das Flores exclusivamente para pedestres em 1972 (atualmente ela é denominada Rua XV de Novembro).

Quem sabe com uma reformulação do tráfego na área central, a Coronel poderia ser adequada para se transformar num calçadão pelo menos nos fins de semana e feriados.

O comércio seria beneficiado e os turistas desfrutariam melhor das coisas boas da zona central da cidade. E tem muita coisa boa nas ruas centrais que poderiam até ser mais bem aproveitadas se houvesse uma visão mais moderna do uso e ocupação do espaço público.

Poderia ter uma faixa para bicicletas e patinetes elétricos (locação). E como a cidade é bastante frequentada por idosos e pessoas com dificuldade de locomoção, poderiam ser disponibilizadas carrinhos elétricos (locação).

Mais exemplos

Ainda em São Paulo, nos dois primeiros anos da gestão de Fernando Haddad (PT) como prefeito, foram implantados mais de 350 quilômetros de corredores exclusivos para ônibus e o usuário economizou muito tempo nos deslocamentos.

Não se está falando que Serra Negra precisa de corredores exclusivos. Não precisa. Mas é um exemplo de política pública que prioriza o coletivo e é dessa priorização que precisamos.

Nessa mesma gestão de Haddad também se valorizou o deslocamento de bicicleta e quem vai à capital vê atualmente quilômetros de ciclovias e ciclofaixas que funcionam em toda a cidade.

Sim, ciclovias e ciclofaixas são viáveis até numa cidade com milhões de automóveis. Em São Paulo até em pontes e viadutos se vê ciclistas em ciclofaixas ultrapassando centenas de automóveis que quase sempre se deslocam a menos de 10 km/h entre primeira marcha e ponto morto.

Em Serra Negra existem diversas várzeas e outras tantas cristas com declividade admissível para bicicletas. Rotas de ciclovias e ciclofaixas poderiam ser estudadas e implantadas.

Parece não faltar exemplos e ideias. Parece faltar espaço para o bom debate.

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Marcelo de Souza é engenheiro civil



Comentários

  1. Gostaria de acrescentar que em muitos lugares as pessoas fazem jardim nas calçadas principalmente nos bairros

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