//OPINIÃO// Calçadas, um desafio diário para os serranos



Marcelo de Souza


Não é difícil perceber que caminhar pelas calçadas da cidade de Serra Negra, tanto das ruas centrais e, principalmente das ruas dos bairros, é algo difícil e perigoso.

Já havia comentado algo num artigo (clique aqui).

Afinal, quem nunca tropeçou numa calçada ou se viu obrigado a caminhar pela rua por causa da precariedade da calçada? Quando elas existem, é claro.

Quem nunca teve que, dirigindo seu veículo, invadir a mão contrária para desviar de pedestres que caminham pelo asfalto, porque não existe calçada adequada?

Quem nunca viu carros estacionados sobre as calçadas? Às vezes até as quatro rodas estão sobre a calçada, bloqueando totalmente a passagem de pedestres. 

Quem nunca precisou caminhar pelo leito carroçável, por exemplo, nas ruas Armando Argentini e/ou Norberto Quaglio, nas quais em vários trechos não existe calçada adequada de ambos os lados da via? E quando fazia essa caminhada não sentiu o deslocamento de ar provocado por automóveis que frequentemente abusam da velocidade e passam pertinho do pedestre? O traçado geométrico dessas duas ruas é sinuoso, seduzindo motoristas e motociclistas que tem pressa ou apenas gostam de acelerar. E essas ruas também são estreitas. Falta largura e sobram intersecções cujas geometrias são questionáveis.

Pois é...

Quando as calçadas existem, muitas são excessivamente estreitas e muitas apresentam:

- Piso irregular;

- Buracos;

- Desníveis decimétricos e, em alguns casos, métricos, normalmente devido a rampas de acesso a garagens de propriedades;

- Declividades transversais exageradas, também devido a ajustes para acesso a garagens;

- Interferências físicas, como postes e árvores colocados em posições equivocadas, mato, entulho, placas, materiais de construção estocados e carros estacionados. Às vezes calçadas são usadas até como canteiros de obras e no lugar do pedestre se vê betoneira ou estoque de materiais de construção;

- Até muros e rampas de acesso a garagens de moradias invadindo as calçadas, ou seja, o privado invadindo o espaço público. E a prefeitura e o Legislativo parecem não fazer nada para resolver essa situação ou, pelo menos para começar a resolver.

Nas calçadas serranas com frequência não observamos faixas livres contínuas para a circulação segura de pedestres e faixa de serviço adjacente ao meio-fio. A faixa de serviço junto ao meio-fio afasta a faixa de circulação do pedestre do asfalto, proporcionando maior segurança. O automóvel fica mais longe do pedestre.

A faixa de serviço serve também para instalação de utilidades públicas, como postes para placas de sinalização, rampas de acesso quando a guia é rebaixada, lixeiras e, de um lado da via, para os postes de distribuição de energia, telecom e para arborização urbana. 

É fácil observar rampas de acesso a garagens que foram construídas sem se preocupar com o pedestre e com o espaço público. Invadem a faixa de circulação que deveria ser livre, contínua, sem interferências, com baixa declividade transversal, sem obstáculos e sem degraus. E a prefeitura parece não enxergar.

Lixeira são instaladas e árvores são plantadas sem a preocupação de preservar a faixa de circulação de pedestres. Parece não haver orientação da prefeitura de forma a uniformizar e organizar o passeio público ou, parece não haver nenhuma fiscalização. 

Poderíamos mostrar uma infinidade de fotografias mostrando essas situações. Algumas foram mostradas quando da discussão da elaboração do Plano Municipal de Mobilidade e Acessibilidade Urbana nas audiências públicas realizadas em 2014 e 2015 coordenadas pelo professor Dimas Gonçalves. Mas esse trabalho, infelizmente, foi esquecido.

Podemos ver tudo isso na cidade e bairros, porém a prefeitura e a Câmara Municipal parecem despreocupados com essa desorganização e essa ausência de padronização. 

Afinal, qual é o padrão de calçada em Serra Negra?

Existe um padrão municipal para o passeio público, similar ao preconizado no Plano Municipal de Mobilidade Urbana ou nas normas técnicas brasileiras da ABNT? 

Pelo o que vemos na cidade, parece não existir um padrão adequado às boas práticas atuais e as normas técnicas brasileiras da ABNT, nem fiscalização para adequação das calçadas inadequadas. 

As normas são, por princípio, de uso voluntário, mas quase sempre usadas por representar o consenso sobre o estado da arte de determinado assunto, obtido entre especialistas das partes interessadas.

As normas asseguram as características desejáveis de produtos e serviços, como qualidade, segurança, confiabilidade, eficiência, intercambialidade, bem como respeito ambiental – e tudo isto a um custo econômico.

Parece que Executivo e Legislativo se omitem dessas questões de mobilidade e acessibilidade urbana nas vias e nos passeios públicos e, talvez seja por isso que muitos serranos são obrigados a caminhar pelo asfalto.


Calçadas em ruas de terra


Nas muitas ruas de terra ainda existentes no município, a situação piora e deixa o pedestre ainda mais exposto ao risco. 

Nessas ruas, de modo geral, algumas estreitas, às vezes com tráfego frequente de caminhões, às vezes com declividades excessivas, frequentemente com curvas e com diversos problemas de traçado geométrico que dificultam a visão dos usuários (pontos cegos), não existe a delimitação física do espaço do pedestre e do automóvel. Leito carroçável e passeio público se confundem. Ninguém sabe onde termina a rua e começa a calçada. 

Para piorar, veículos com frequência abusam da velocidade e esquecem das condições precárias da via de terra e do piso, que normalmente não apresenta boa aderência. Para piorar ainda mais, o serviço municipal de manutenção e conservação destas vias de terra não é o mais adequado, não emprega os materiais (solos) mais adequados, nem as técnicas mais adequadas, nem metodologias mais adequadas, como já comentado em rapidamente aqui.

E mesmo com o tema mobilidade e acessibilidade urbana transitando pela cidade nos últimos quase sete anos (desde 2014), parece que nem a Prefeitura de Serra Negra, nem o Legislativo serrano, nem o próprio serrano, até hoje, não consideram o tema acessibilidade nas calçadas muito importante. 

E não adianta falar que estão ou estavam esperando o Plano Municipal de Mobilidade e Acessibilidade Urbana, afinal, muitas melhorias e normatizações já poderiam ter sido implementadas no município nestes sete anos, como por exemplo, um padrão de calçada mais adequado ao pedestre ou, pelo menos fazer valer no município:

- O Artigo 11 da Lei 91, de 1919 (Código de Posturas);

- A Norma Brasileira “NBR-12.255, de 1990, Execução e utilização de passeios públicos” e;

- A “NBR-9.050, de 2004, Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos”, ambas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

Sim, tem uma boa lei municipal sobre calçada desde 1919 e, calçadas são temas de normas técnicas brasileiras da ABNT pelo menos desde 1990. 

Fora as deficiências observadas nas calçadas mais antigas, que deveriam ser reformadas e adequadas às normas técnicas brasileiras de forma a garantir a todos o direito de ir e vir com segurança, as calçadas recém-projetadas e/ou recém-construídas nas obras de infraestrutura mais recentes, também mostram essa despreocupação com o tema. 

A foto 1 mostra uma calçada na Placidolândia. Notar que a faixa de 1,20 m de circulação foi implantada junto ao meio-fio. Se for necessário instalar um poste para fixar uma placa de sinalização, por exemplo, provavelmente será uma interferência para o pedestre. Sobre a qualidade do calçamento, vale comentar que a NBR-12.255, de 1990 ,também recomenda critérios para a construção do passeio e suas camadas (leito, sub-base, base e revestimento). 


Foto 1 – Calçada serra-negrense


As figuras 1 e 2 mostram detalhes do projeto onde aparece essa geometria que esquece da lei 91, de 1919, e das normas técnicas brasileiras da ABNT.


F

Figura 1 – Projeto de Pavimentação e Calçadas apresentado no edital

de Tomada de Preços no. 005/2.019

(Fonte: http://www.serranegra.sp.gov.br/conteudo/cadastro/427/tomada-de-precos-n-005-2019/ )




Figura 2 - Projeto de Pavimentação e Calçadas – Perfil Genérico da Rua apresentado no edital de Tomada de Preços no. 005/2.019 (Fonte: http://www.serranegra.sp.gov.br/conteudo/cadastro/427/tomada-de-precos-n-005-2019/ )


O recomendado, considerando o bom senso e normas técnicas, é afastar a faixa de circulação de pedestres de pelo menos 50 cm (NBR-12.255:1990), ou de pelo menos 70 cm para calçadas novas (NBR-9.050:2020) do meio-fio, de forma distanciar o pedestre do automóvel e preservar uma faixa de serviço para a instalação de equipamentos de utilidade pública (postes, placas, lixeiras etc).

O problema fica evidenciado, por exemplo, na obra de infraestrutura realizada na rua Francisco Saragiotto, no Bairro da Posse. A geometria da calçada parece similar à adotada na Placidolândia, ou seja, cerca de 1,20 m de largura junto ao meio-fio, sem afastar o pedestre do leito carroçável e manter uma faixa de serviço para utilidades. Quando há a necessidade de um poste, ele simplesmente bloqueia a passagem do pedestre, conforme pode ser visualizado nas foto 2 e 3: 



Foto 2 – Neste trecho, por onde a pessoa em cadeira de rodas (PCR)

ou a pessoa com mobilidade reduzida (PMR) passam?



Foto 3 – Neste trecho, por onde a pessoa em cadeira de rodas (PCR)

ou a pessoa com mobilidade reduzida (PMR) passam?


Uma pergunta para o prefeito, ex-prefeito, vices, ex-vices, secretários, ex-secretários, vereadores, ex-vereadores, e até para os responsáveis pela elaboração do Plano Municipal de Mobilidade Urbana, entregue à prefeitura em 2020: Nesses trechos com postes ou outras interferências, por onde passa o pedestre? E as pessoas em cadeiras de rodas (PCR)? E as pessoas com mobilidade reduzida (PMR), por onde passam?

Esse trecho de calçada é apenas um exemplo de muitos casos onde se percebe que a cidade não se preocupa de fato com o passeio público, com aspectos técnicos de mobilidade e acessibilidade urbana, com o pedestre, com as PCR, com as PMR e com as recomendações das normas técnicas brasileiras da ABNT.

Seguir normas técnicas significa satisfazer critérios de qualidade, desempenho, conforto e principalmente, segurança. Por que não seguir as normas técnicas brasileira da ABNT?

E para o Legislativo: o Artigo 11 da lei municipal 91, de 1919, não vale mais em Serra Negra? 

A lei 91, de 1919, é clara. Estabelece que as calçadas devem ter no mínimo 2,0 m de largura com no máximo 3% de declividade na direção transversal. Apesar dessa lei ter mais de 100 anos de idade, é atual e apresenta afinidades na questão de largura com as normas técnicas brasileiras atuais. 



Figura 3 – “Print” do Artigo 11 do Código de Posturas

- Lei 91 de 17 de setembro de 1.919

(Fonte: site da Câmara Municipal de Serra Negra)


A Norma Brasileira NBR 12.255:1990, que trata da execução e utilização de passeios públicos, estabelece calçada com no mínimo 1,80 m de largura. Nesse espaço é possível considerar 50 cm para faixa de serviço e 130 cm para a circulação de pedestres e, se considerada a guia, aproximadamente 1,95 m de largura total. Quase os 2 metros estabelecidos na lei municipal de 1919.

A Norma Brasileira NBR-9.050 também parece não ser considerada pela prefeitura. Nessa norma a faixa de serviço estabelece largura de 70 cm para as calçadas novas, faixa de circulação de no mínimo 1,20 m e deixa claro que eventuais ajustes de soleiras e acessos devem ser executados dentro do lote e não no passeio público ou, somente quando as calçadas são mais largas, que podem ser feitos na faixa de acesso (se existir). Essas regras parecem negligenciadas em Serra Negra.

Os projetos das obras de infraestrutura no bairro Nova Serra Negra apresentados no edital de concorrência pública de no. 01/2020, por exemplo, mostram 12.000 m de calçadas que foram projetadas seguindo esse padrão serrano, ou seja, 1,20 m de largura junto ao meio-fio, sem faixa de serviço. 



Figura 4 – Detalhe da calçada que consta na folha

07 do Projeto de Infraestrutura e pavimentação asfáltica

do Loteamento Nova Serra Negra apresentado

no edital da Concorrência Pública no. 01 de 2.020

(Fonte: Site da Prefeitura Municipal de Serra Negra) 


Isso mesmo, 12 km de calçadas que, se atenderem os desenhos de projeto apresentados no edital de Concorrência Pública (CP) no. 01/2.020, parece que não atendem as normas técnicas brasileiras NBR-12.255:1.990 e NBR-9.050. 

Nos trechos de travessias de pedestres a NBR-9.050 é clara: nas travessias pode ser adotado o rebaixamento das calçadas através de rampas, mas essas rampas não podem invadir a faixa de circulação de 1,20 m de largura, como mostra a figura 5. 




Figura 5 – Rebaixamento de calçada para travessia

conforme a NBR-9.050:2.020. Notar que preserva

a faixa livre de circulação de 1,20 m

(Fonte: ABNT NBR-9.050:2.020)



A figura 6 mostra o detalhe do rebaixamento da calçada nas travessias apresentado no edital da Concorrência Pública CP-01/2.020. 



Figura 6 – Detalhe da faixa de pedestre apresentado

na folha 07 dos projetos de infraestrutura e pavimentação

(Fonte: Edital Concurso Público 01/2020,

site da prefeitura municipal de Serra Negra)



E apenas por curiosidade, a figura 7 mostra a estrutura da calçada de acordo com a norma NBR-12.255, de 1990.



Figura 7 – Estrutura da calçada conforme norma brasileira

(Fonte: NBR-12.255 de 1.990 da ABNT)



Será que não está na hora de Serra Negra dar mais atenção às calçadas e a questões de Mobilidade e Acessibilidade Urbana? 

Será que não está na hora de Serra Negra privilegiar questões técnicas, fazer um esforço e começar a adotar as normas técnicas brasileiras da ABNT? 

Será que não está na hora de reavaliar o viário e a possibilidade de alargar ruas dos bairros periféricos, cujos terrenos lindeiros de pelo menos um dos lados ainda são grandes áreas desocupadas? 

Ou avaliar a possibilidade de transformar muitas ruas que hoje são de duplo sentido (mão dupla) em vias de sentido único, de forma a permitir leito carroçável mais enxuto e privilegiar as calçadas com larguras preconizadas em normas de ambos os lados da via?

De modo geral, parece haver alternativas para se conseguir fazer boas calçadas. Mas é preciso querer.

Quando vamos colocar em prática de fato a “pirâmide invertida” que prioriza o pedestre (todos, inclusive PCR e PMR) e na sequência o ciclista, o transporte coletivo, o transporte de carga e por último, o veículo particular?



Figura 8 – Pirâmide inversa de prioridades

(Fonte: https://contecomonovo.com.br/mobilidade-urbana-ou-mobilidade-humana )



Até quando os serranos serão obrigados a se arriscar no leito carroçável, disputando espaço com veículos, porque não existem calçadas adequadas?

Calçadas largas também beneficiam os motoristas na hora de sair de casa. A figura 9 mostra que, quando a calçada é larga, o motorista tem visibilidade ao sair de sua garagem e, portanto, diminui-se o risco de acidentes.




Figura 9

  1. Com calçadas de pelo menos 2,0 m de largura o motorista tem visão ao sair da garagem de sua casa sem colocar o carro na rua;

  2. Já com calçada mais estreitas, 1,50 m, por exemplo, quando o carro começa a entrar na rua o motorista ainda não tem visão se vem algum veículo

  3. Na calçada de 1,50 m de largura, para o motorista ter visão é obrigado a colocar a frente de seu carro na rua e, neste caso, aumenta o risco de colisão


Espero que as novas equipes de trabalho do Executivo e do Legislativo deem mais atenção às questões de mobilidade e acessibilidade urbana e passem a se orientar também pelas normas técnicas brasileiras da ABNT. Nestes últimos sete anos parece que nada saiu do papel. A maioria das calçadas continua inadequada, e principalmente nos bairros, mesmo os pouco afastados do Centro, a população é quase sempre obrigada a caminhar pelo asfalto.

E vale como reflexão num município em que a economia se baseia fortemente no turismo: se a cidade cuidasse melhor do traçado geométrico das suas vias, das próprias vias, dos pavimentos (flexíveis, intertravados, rígidos ou primários), cuidasse melhor dos passeios públicos e realizasse a arborização das ruas da cidade e dos bairros, será que isso não causaria uma melhor impressão aos visitantes?

E fica também esse mesmo questionamento para empresários da construção civil, incorporadores, proprietários de grandes áreas, moradores, investidores, corretores de imóveis, especuladores e outros: com essas adequações e melhorias, será que não haveria uma valorização dos imóveis e aquecimento dos negócios?

Ideias e/ou ideais para pensar:

“Calçadas têm que ser respeitadas como o único espaço vital e insubstituível para cidades seguras, para uma vida pública partilhada, até para criarmos nossas crianças.” 

Jane Jacobs, autora de "Morte e Vida nas Grandes Cidades"

“Fico com uma preocupação e não me conformo com o que acontece na periferia da cidade (de São Paulo). É revoltante a largura extremamente reduzida de suas calçadas. Sem falar na sua precariedade, buracos, obstáculos etc. As pessoas são empurradas para andar nas ruas, disputando espaço com carros e ônibus. Até quando seremos obrigados a conviver com esse tipo de desrespeito às pessoas desses bairros?" 

Eduardo Jorge Martins Alves Sobrinho (fonte: trecho do prefácio de "Calçadas Verdes e Acessíveis", de Gilmar Altamirano, José Roberto Andrade Amaral e Paulo Sérgio silva)

“Calçadas acessíveis e com mais verde proporcionam maior mobilidade, permeabilidade e embelezam a paisagem urbana.” 

Gilmar Altamirano

“Devolver o caráter humano e social das calçadas à população das cidades e consequentemente proteger o pedestre e o meio ambiente."

Arquiteto-paisagista Benedito Abbud

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