//OPINIÃO// Árvores, postes, calçadas e acessibilidade


Marcelo de Souza

Recentemente surgiu nas redes sociais um debate sobre a necessidade ou não da remoção de uma árvore que está invadindo a rua e interferindo pontualmente no estacionamento de veículos.

Talvez não seja um tipo de árvore adequado para calçadas ou talvez esteja posicionada inadequadamente muito próxima do meio-fio.

O fato é que na cidade de Serra Negra algumas poucas árvores e um grande número de postes estão instalados em posições inadequadas no passeio público, prejudicando essa interface entre a calçada e o leito carroçável. Quando existe passeio público, é claro, pois sabemos que muitas ruas nos bairros nem calçadas têm.

Essa inadequação pode provocar danos nos automóveis quando motoristas vão estacionar seus veículos, como se mostra abaixo.


(Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=2603172933113782&set=pcb.2518478415091904&type=3&theater&ifg=1.)

Será que vamos ter que também “cortar” todos os postes instalados em posições inadequadas?

Sim, todos os postes que estão posicionados em posições inadequadas deveriam ser relocados. Mas é mais fácil e mais barato cortar uma árvore. Por isso se cogita cortar árvores, mas não se cogita relocar os postes.

Principalmente no caso de postes, isso acontece talvez por uma despreocupação da cidade com as calçadas e na ausência de um padrão de passeio público que respeite minimamente a faixa livre para pedestres e a faixa de serviço.

Existem ruas até com postes de ambos os lados da via e sabemos que um lado da via é para os postes e respectivas fiações, e o outro lado da rua para arborização.

Se existe um padrão municipal para as calçadas, talvez seja ultrapassado para os tempos atuais ou talvez a atuação da prefeitura e de nossos vereadores precise ser mais ativa no quesito acessibilidade urbana.

No passeio público são necessários dois espaços fundamentais. 

O primeiro é a faixa livre, que deve ter no mínimo de 1,20 m de largura, deve ser contínua, com piso regular sem obstáculos, permitindo que as pessoas caminhem em segurança, mesmo aquelas com alguma deficiência de mobilidade.

O segundo espaço é a faixa de serviço que se destina à instalação do mobiliário urbano, como rampas de acesso às garagens, utilidades como postes (iluminação, sinalização, energia etc), lixeiras, hidrantes, árvores, telefones públicos (ainda existem?) etc. Deve ter no mínimo 70 cm além da guia.

Conclui-se então que uma calçada precisa ter pelo menos 1,90 m de largura. Com a guia, a largura totaliza 2,05 m.

Os postes devem ficar afastados cerca de 50 cm do meio-fio. Quanto menor essa distância, maior a interferência com a via e maior a possibilidade de interferência com veículos quando da manobra para estacionamento.

Pode existir também a faixa de acesso. Essa não é obrigatória, mas se a calçada apresenta espaço suficiente, essa faixa pode ser usada para vegetação, área permeável, rampas, toldos, propaganda e mobiliário móvel, como mesas de bar e floreiras.

Muitos esquecem e expandem seus comércios sobre a faixa livre e de serviço, e o pedestre é jogado para o leito carroçável.

Vale a pena conhecer a cartilha feita pela Prefeitura de São Paulo, ou de outras prefeituras, sobre as regras para as calçadas.


(Fonte: www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/subprefeituras/calcadas/arquivos/cartilha_-_draft_10.pdf)




Nos tempos atuais, a faixa de serviço tem sido mantida permeável, de forma a contribuir também para a infiltração da água de chuva, portanto diminuindo o volume de água que escoa para a rede de drenagem pública, ajudando a minimizar pontos de alagamentos.

É, as calçadas bem planejadas e bem construídas podem até ajudar a minimizar pontos de alagamentos.

Por esse e por outros motivos é que a cidade espera um Plano de Mobilidade e Acessibilidade, e seus respectivos conselhos municipais, desde 2014, quando ocorreram as primeiras audiências públicas sobre o tema. Já se passaram quase seis anos, e nada.

Talvez com um Plano de Mobilidade e Acessibilidade e com um Executivo e um Legislativo mais ativos e empenhados em atacar a questão de fato, com leis, regulamentações, campanhas de conscientização e fiscalização eficiente, seria possível ver calçadas mais adequadas ao pedestre e ao meio ambiente.

Mas será que precisaríamos esperar uma lei para adequar minimamente as calçadas?  Será que Executivo e Legislativo já não poderiam estar trabalhando desde 2014, quando dos primeiros estudos sobre mobilidade e acessibilidade urbana? Naquela oportunidade foram mostrados diversos problemas das calçadas da cidade e parece que quase nada foi feito e quase nada mudou.

E nem precisaríamos esperar, pois afinal o resultado do plano de mobilidade não será muito diferente dos planos de outras cidades parecidas com Serra Negra. Ou seja, já se tem ideia do que está muito errado no quesito acessibilidade e já se sabe o que teria que começar a ser feito para corrigir isso. Esperar para quê?

Desde 1919 a questão dos passeios públicos já era considerada no município. O Artigo 11 da Lei Municipal 91, de 1919, determina calçadas com pelo menos 2 metros de largura e declividade máxima de 3% na direção transversal. E pelo o que eu sei, essa lei ainda vale. Se ainda é válida, por que vemos na cidade tantas calçadas que não seguem essa determinação?

Andando pela cidade encontramos calçadas bastante estreitas e, para permitir o acesso de veículos as garagens das edificações, é fácil ver calçadas com declividade transversal muito acima dos 3% determinados na lei 91 de 1919.





Calçada extremamente estreita ao lado do Parque Fonte São Luís obriga os pedestres a caminhar pela rua. Será que a revitalização do parque corrigirá essa grave falha que coloca em risco os pedestres diariamente? Notem que é uma área escolar (sinalização no asfalto).






Detalhe da largura da calçada ao lado do Parque Fonte São Luís, próximo da Escola Romeu de Campos Vergal. Diariamente crianças e seus responsáveis são obrigados a caminhar pela rua porque a calçada é extremamente estreita. Será que o projeto de revitalização do parque prevê a correção deste grave problema?


É bom enfatizar que a cidade não se limita ao Centro. Mas parece que os bairros, mesmo os poucos afastados do Centro, não existem ou são esquecidos. Claro, com exceção daqueles que concentram uma massa mais significativa da população por serem talvez um terreno fértil para votos.

É possível ver também degraus de dimensões métricas no sentido longitudinal, muitas vezes, obrigando o pedestre a caminhar na rua, a menos que seja um atleta praticante de alpinismo ou “parkour”.

Os degraus apareceram para permitir o acesso de veículos às garagens. Mas esqueceram do pedestre. O automóvel tem mais valor que o cidadão? O automóvel é a prioridade?

A foto abaixo mostra na capital paulista um exemplo da desvalorização das calçadas com o avanço da indústria automobilística. Aqui em Serra Negra existem muitas calçadas com muitos degraus com altura muito maior do que os que aparecem nessa foto. Executivo e Legislativo não percebem essa grave falha de acessibilidade?


 Exemplo de uma calçada nos anos 1960 e, a mesma calçada em 2016 
(Fonte: https://www.mobilize.org.br/noticias/11087/oab-vai-discutir-calcadas-em-sao-paulo.html?print=s


Também não é difícil ver calçadas esburacadas ou obstruídas por mato, entulho, materiais de construção e até mesmo, por incrível que possa parecer, muros e rampas de construções particulares, invadindo o espaço público. “Pode isso, Arnaldo?”

Existem também imóveis comerciais que criam estacionamentos para veículos de seus clientes, porém onde não cabem veículos e, frequentemente os passeios públicos se tornam estacionamentos privados, com as traseiras dos veículos invadindo as calçadas. O pedestre é obrigado a se espremer entre o para-choque e o meio-fio, ou desistir da calçada e se arriscar na rua.



Calçadas podem ser usadas para o estacionamento do comércio? 
(Foto mostra calçada em Porto Velho, Rondônia, fonte: rondoniaovivo.com/geral/noticia/2018/09/03/falta-de-respeito-calcadas-sao-invadidas-por-carros-e-pedestre-e-obrigado-andar-no-asfalto.html


Eu não poderia deixar de mencionar a quantidade de veículos que são estacionados sobre o passeio público, dando a impressão que calçada em Serra Negra SP é estacionamento e, para o pedestre, sobra a disputa arriscada de espaço com os automóveis e motocicletas no leito carroçável.





Carro estacionado na calçada em Teresina, Piauí. 
Aqui em Serra Negra pode? (Fonte: www.mobilize.org.br/noticias/8552/carros-estacionados-em-calcadas-incomodam-pedestres.html)


Muita coisa errada. Um verdadeiro Carnaval, só que este parece que dura todo o ano e atravessa várias gestões municipais do Executivo e do Legislativo.

O que aconteceu entre 1919 e 2020, um século depois, que ainda não conseguimos aprender e resolver as questões básicas de mobilidade e acessibilidade urbana?

Em 2014, quando ocorreram as primeiras audiências públicas para a construção de um Plano de Mobilidade e Acessibilidade, a coisa parecia que ia andar. Mas infelizmente parou e nada, ou quase nada, aconteceu.

Naquela ocasião o grupo coordenado pelo prof. Dimas Gonçalves andou pela cidade e identificou muitos problemas que precisam ser resolvidos. Algumas fotos realizadas por esse grupo exemplificam algumas situações. (ver: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1551389951548079&set=pcb.768303656665137&type=3&theater&ifg=1)

Na época, munícipes forneceram um grande número de fotos apontando problemas de mobilidade e acessibilidade. De lá para cá, quase nada aconteceu.

Em 2017 o tema voltou à cidade, mas não foi em frente e, novamente, parou e nada, ou quase nada, aconteceu.

Parece que as prefeituras só pensam nas verbas que seriam perdidas caso as cidades não apresentem o plano no prazo determinado.

Pena que esse prazo viva sendo adiado. O plano foi lançado pela Lei 12.587, de 2012, e o primeiro prazo para entrega dos planos era abril de 2015. A Medida Provisória 818/2018 alterou este limite para abril de 2019. Mais recentemente, a MP 906/2019 adiou o prazo para de abril de 2021.

E quando o assunto é adiar trabalho, algumas prefeituras respeitam regiamente esses adiamentos, dando a impressão que estão somente preocupadas com os recursos federais destinados à mobilidade urbana do que com uma cidade mais organizada, mais inclusiva, com mais segurança no trânsito e com mais qualidade de vida.

Em outubro de 2019 foi anunciado que Serra Negra finalmente iria elaborar um Plano de Mobilidade e Acessibilidade Urbana com a promessa de permitir participação pública (https://www.vivaserranegra.com/2019/10/cidade-transito-vai-passar-por-uma.html).
Se passaram quase quatro meses e só agora é anunciada a primeira audiência pública para discutir o plano. Vamos aguardar e torcer para que agora a coisa ande e que seja levada a sério pelo Executivo e Legislativo.

O Plano Municipal de Mobilidade e Acessibilidade Urbana e seus conselhos podem ser um passo para atacarmos o problema que parece sempre deixado de lado. Claro, Executivo e Legislativo precisam ter vontade de levar o assunto a sério, caso contrário, vira mais uma lei que só existe nos arquivos da Câmara Municipal.

“Eita” assunto indigesto essa tal de mobilidade e acessibilidade urbana. Não dá votos. Pelo contrário, se a coisa for séria, vai incomodar muitos munícipes para fazer as adequações necessárias. E qual político gosta de se indispor com o eleitor, principalmente em ano eleitoral?

E lembrando da pobre árvore que não foi avisada e avançou sobre o leito carroçável, talvez tenhamos que pensar também num Plano Municipal de Arborização, de forma a organizar esse “equipamento” urbano tão necessário para acalmar as temperaturas no verão, proteger os pedestres do sol, amortizar as fortes rajadas de vento que acontecem na região, dar moradia a pássaros que colorem nossa paisagem, tornar a cidade mais bonita e agradável e de quebra ajudar a retardar o escoamento das águas pluviais.

Muitos benefícios, certo? Mas pelo jeito também não rende votos.



Comentários

  1. No texto acima algumas fotos são apenas exemplos de casos já reportados em outras cidades. Isso evita a exposição de infrações ocorridas na cidade.
    As fontes de algumas fotos são:
    https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/subprefeituras/calcadas/arquivos/cartilha_-_draft_10.pdf)
    https://www.mobilize.org.br/noticias/11087/oab-vai-discutir-calcadas-em-sao-paulo.html?print=s
    http://rondoniaovivo.com/geral/noticia/2018/09/03/falta-de-respeito-calcadas-sao-invadidas-por-carros-e-pedestre-e-obrigado-andar-no-asfalto.html
    https://www.mobilize.org.br/noticias/8552/carros-estacionados-em-calcadas-incomodam-pedestres.html

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