//MARCELO DE SOUZA// O Plano de Mobilidade e as calçadas de Serra Negra

Um exemplo de calçada em Serra Negra: como o pedestre pode andar com segurança°?


Espera-se que não exista intenção de remover ou subverter talvez a principal informação do Plano de Mobilidade, elaborado pela Universidade São Francisco e entregue à prefeitura em 2020, que é sobre a geometria das calçadas, de forma a atender a Norma Brasileira NBR-9050:2004 que trata de acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos públicos, da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas).

A geometria das calçadas recomendada na NBR-9050:2004, e respectivas revisões, é apresentada no Plano de Mobilidade de Serra Negra. Importante comentar que a geometria proposta é compatível com a apresentada na norma NBR-12255:1990, que dispõe sobre execução e utilização de passeios públicos, e também compatível com o Artigo 11 do Código de Posturas de Serra Negra, lei municipal 91, de 17/09/1919, transcrito a seguir:

“Art. 11 da Lei Municipal 91/1919 (código de Posturas de Serra Negra SP): Os passeios das ruas e travessas deverão ter no mínimo 2 metros de largura, com a declividade máxima de 3 centímetros por metro corrente no sentido transversal. Os das praças, largos e avenidas, deverão ter 4 metros de largura, com a declividade proporcional a dos passeios.”

Ou seja, há mais de 100 anos sabe-se que no município de Serra Negra a largura da calçada deve ter no mínimo 2 metros, conforme  a Lei 91/1919 e, mais recentemente, há pelo menos 32 anos, as normas técnicas de ABNT recomendam a largura mínima de cerca de 2 metros.

Espera-se também que prefeitura não tenha a intenção de criar novos critérios ou regras que estreitem as calçadas ou que não sigam as normas técnicas vigentes da ABNT. Seria um retrocesso e de certa forma um negacionismo aos conceitos e diretrizes que pregam a inversão da pirâmide de deslocamentos e maior inclusão social.

Um dos argumentos que poderá ser usado para se desprezar as normas técnicas da ABNT e do próprio Artigo 11 da Lei 91/1919 é que o “ótimo é inimigo do bom”. Sempre que não se quer buscar a excelência, porque buscar a excelência dá trabalho, usa-se essa desculpa: “O ótimo é inimigo do bom”, então vamos fazer o bom. Mas normalmente o resultado final acaba sendo ruim.

Mas se tratando de planejamento urbano e de mobilidade e acessibilidade urbana, se Serra Negra não encarar de frente os problemas existentes na cidade de mobilidade e de acessibilidade e se desprezar as normas técnicas e a própria lei municipal 91/1919, é provável que percebamos com o tempo que “o ruim será amigo íntimo do péssimo”.

E por que mobilidade e acessibilidade é importante? Porque se reflete em qualidade de vida, promove a inclusão, protege o meio ambiente, reduz gastos futuros com intervenções nas vias urbanas e favorece a eficiência e a segurança nos deslocamentos para todos.

Atualmente quem não tem um carro ou uma motocicleta para de deslocar na cidade perde muito tempo e/ou gasta muito dinheiro (táxi, uber etc). Parece que o Executivo, pelo menos até as últimas gestões municipais, não quis de fato tratar do tema de mobilidade e acessibilidade. O assunto é discutido desde 2014/2015, quando das primeiras audiências públicas para a elaboração do Plano de Mobilidade e de Acessibilidade. Parece também que vereadores não se importam muito com o tema. Para ver o que já escrevi sobre mobilidade e acessibilidade ver links nas referências.

É um tema que não dá votos, pelo contrário, num primeiro momento pode incomodar algum morador/eleitor ou muitos deles, principalmente aqueles que usam e abusam do espaço público e confundem o público com o privado. Não dá voto, mas dá verba e é por esse motivo que o tema mobilidade e acessibilidade sempre reaparece.

É realmente um assunto desconfortável, cuja principal dificuldade é a mudança da mentalidade do cidadão e dos seus “representantes”. Novos tempos exigem mudanças, novos conceitos e novas prioridades.

Essa mudança deveria ser capitaneada pelos nossos representantes e nossos governantes, mas não a priorizam e deixam os problemas para o futuro e para os próximos representantes e próximos governantes.

Quem sofre com essa lentidão na mudança do rumo do desenvolvimento urbano é o cidadão, o munícipe e o morador. Prefeitos, vereadores e secretários andam de carro e não sentem as dificuldades de se deslocar pela cidade.

Mas se por um lado a inversão da pirâmide de mobilidade parece indigesta, o transporte público aparentemente pouco eficiente, a topografia acidentada da cidade e o desprezo ao planejamento urbano são variáveis que dificultam as boas práticas de mobilidade e acessibilidade urbana, por outro, Serra Negra ainda é uma cidade pequena e, portanto, os problemas são pequenos, de fácil solução e com custos relativamente baixos.

Se não se buscar a excelência no planejamento, na mobilidade e na acessibilidade agora, no futuro precisaremos gastar dinheiro público em intervenções urbanas. Um exemplo do que é gastar dinheiro público para resolver problemas que foram negligenciados no passado é o desassoreamento dos lagos da cidade. Ou acham que essa conta não vai ser paga de uma forma ou de oura pelo cidadão?

Por muito tempo a cidade não se preocupou e, eu arrisco a afirmar que ainda não se preocupada de fato, com a raiz do problema, que é a ausência de proteção dos solos superficiais, que são sabidamente muito suscetíveis a erosões e carreamento. Essa despreocupação com a proteção dos solos provoca erosões, carreamento de solo que, ao longo do tempo, acabam sedimentando em alguma drenagem ou lago. O resultado são drenagens obstruídas, maior risco de alagamentos pontuais, lagos agonizando com a areia.

Hoje vai se gastar milhões com desassoreamento e não se engane, de uma forma ou de outra, é o cidadão comum que paga a conta.

Por essa e por outras, é urgente tratar mobilidade e acessibilidade de forma técnica:

- priorizando o pedestre em detrimento do automóvel;

- priorizando o passeio público em detrimento do leito carroçável;

- priorizando o transporte coletivo em detrimento do automóvel particular;

- instituindo e colocando para funcionar o Conselho Municipal de Mobilidade Urbana e o Conselho Municipal de Acessibilidade Urbana conforme a lei municipal 4.030/2017;

- avaliando frequentemente a eficiência do transporte coletivo municipal e intermunicipal;

- avaliando a possibilidade de adoção diversificar os modais de transportes coletivos. Será que o único modal de transporte são ônibus grandes, que trafegam frequentemente vazios nas ruas estreitas e íngremes da cidade?;

- respeitando as recomendações da NBR-9050:2004;

- respeitando as recomendações da NBR-12255:1990;

- respeitando o Artigo 11 da lei municipal 91/1919 que fala que a largura mínima da calçada é de 2 metros;

- transformando ruas estreitas em vias de mão única e, se necessário, remanejando todo o tráfego urbano no município;

- estudando e investindo em vias perimetrais de forma a pelo menos tirar os caminhões da área urbana;

- levando em consideração os gabaritos dos veículos nas curvas;

- levando em consideração a visibilidade nas curvas e nas travessias;

- etc.

Tem trabalho a ser feito. Trabalho que já poderia ter começado lá em 2012, quando a Lei 12.587/2012 instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, ou 2014/2015, quando da realização das primeiras audiências públicas para discussão de mobilidade e de acessibilidade urbana.

Hoje poderíamos estar colhendo frutos se lá em 2014/2015 Executivo e Legislativo tivessem de fato se debruçado e trabalhado sobre o problema de mobilidade e acessibilidade urbana. Mas até o momento não vimos nenhum progresso efetivo na mobilidade e na acessibilidade.

Estamos muito atrasados e para não haver maior retrocesso espero que prefeito, secretários e vereadores não desprezem as normas técnicas da ABNT que tratam do assunto mobilidade e acessibilidade e que não joguem no lixo o Artigo 11 do Código de Posturas do Município, lei municipal 91/1919.

Referências:

- https://pmmu.com.br/docs/PLANOS/PMMU_Serra_Negra.pdf - Plano de Mobilidade Urbana

Serra Negra – elaborado por Prefeitura Municipal de Serra Negra e pela Universidade São Francisco, Serra Negra, 2.020;

- https://www.vivaserranegra.com/2021/08/opiniao-plano-diretor-asfalto-e.html

- https://www.vivaserranegra.com/2021/09/opiniao-e-uma-zona-azul.html

- https://www.vivaserranegra.com/2021/06/opiniao-planospara-quem.html

- https://www.vivaserranegra.com/2021/03/opiniao-calcadas-um-desafio-diario-para.html

- https://www.vivaserranegra.com/2020/02/opiniao-arvores-postes-calcadas-e.html

- ABNT NBR 9050:2020 Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos;

- ABNT NBR 12255:1990 Execução e utilização de passeios públicos.

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Marcelo de Souza é engenheiro civil



Comentários

  1. "Mas se tratando de planejamento urbano e de mobilidade e acessibilidade urbana, se Serra Negra não encarar de frente os problemas existentes na cidade de mobilidade e de acessibilidade e se desprezar as normas técnicas e a própria lei municipal 91/1919, é provável que percebamos com o tempo que “o ruim será amigo íntimo do péssimo”.

    O aviso está feito. Será que, como no passado, em relação a outros alertas, este também será desprezado por nossas chamadas autoridades, eleitas para promover o bem-estar da populaçáo que as elegeu? Infelizmente, a resposta mais provável é SIM!

    Em nome de que interesses? Os mesmos de sempre?

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