//MEIO AMBIENTE// Tragédia de Capitólio deixa lição para serranos, dizem especialistas



O desmoronamento de terra que provocou a morte de dez turistas e deixou pelo menos 30 feridos em Capitólio (MG), poderia ter sido evitado se o local estivesse sendo monitorado por especialistas, se as pessoas tomassem alguns cuidados - como respeitar os alertas meteorológicos, e se as autoridades tivessem realizado estudos geológicos e de riscos antes de receber milhares de visitantes todas as semanas.

Essa é a opinião de profissionais serranos especialistas em meio ambiente e envolvidos com as questões ambientais do município, entrevistados pelo Viva! Serra Negra.

As perguntas foram respondidas pela voluntária do Projeto Observando os Rios, do SOS Mata Atlântica, Iza Carvalho, pós-graduada em recuperação de áreas degradadas; pelo geólogo Diego Fróes de Souza, formado pelo Instituto de Geociências da USP, com mestrado pela mesma instituição; e pelo ativista ambiental e cultural Marcos Mielle, o Prancha.

A tragédia deixa algumas lições para os serranos, em especial para os empresários e as autoridades de Serra Negra que vêm apostando no turismo ecológico e nos pontos turísticos como o Alto da Serra para atrair visitantes e melhorar os negócios na cidade.

O Alto da Serra, salienta Diego Fróes, apresenta problemas semelhantes ao do local onde ocorreu o deslizamento em Capitólio, como desmatamento de topo de morro, poluição devido ao grande número de visitas, incêndios frequentes, falta de fiscalização e regulamentação, entre outros.

Além disso, as autoridades municipais de Serra Negra e os agentes do setor turístico, os ambientalistas sugerem, deveriam dar prioridade ao desenvolvimento sustentável e avaliar os impactos ecológicos de medidas, como o asfaltamento do Alto da Serra.

A seguir, a íntegra das entrevistas:

Viva! Serra Negra – A tragédia em Capitólio poderia ter sido evitada? De que forma?

Diego - Acho que a tragédia em Capitólio poderia ter sido evitada, assim como a de Mariana, Brumadinho, e até o acidente na Linha Amarela do Metrô em São Paulo, e muitos deslizamentos de terras poderiam causar menos impactos socioeconômicos. Como os noticiários vêm dizendo, é perceptível que estamos acumulando problemas ambientais. Os políticos parecem ter alergia à palavra preservação, pois vai contra a perspectiva de lucro. Criou-se um racismo ambiental, onde taxa-se aqueles que nutrem desejos genuínos por preservação de ecochatos, e não percebem que os chatos são eles. A tragédia poderia ter sido evitada se houvesse pessoas capacitadas contratadas para monitorar a área, e isso implica empregar e ouvir esses caras supostamente “chatos”.

Iza - Talvez, se as pessoas prestassem mais atenção e respeitassem os alertas meteorológicos, evitando esses locais com tempo ruim. Talvez, se os pilotos das lanchas tivessem rádio comunicador, para nesses casos alertar uns aos outros de algum perigo, como o que ocorreu. Os barqueiros não devem ter ouvido os gritos das pessoas, avisando das pedras caindo. O barulho das cachoeiras, das pessoas falando, não tinha como ouvir.

Prancha - Sim, poderia ter sido evitada se tivessem realizado estudos geológicos e de risco. Sendo uma região que recebe um fluxo tão grande de turistas, o monitoramento e fiscalização por parte dos órgãos responsáveis é mais do que necessário. Além da capacitação daqueles que estão diretamente envolvidos com as atividades turísticas, como guias e agências.

Viva! Serra Negra - O prefeito de Capitólio Cristiano Geraldo da Silva (Progressista), disse que não é momento para apontar culpados. Mas especialistas disseram ao UOL que as prefeituras deveriam contar com profissionais especializados, como geólogos, para fazer monitoramento dos locais turísticos. Concordam com a opinião dos especialistas?

Iza - É difícil apontar culpados neste momento. Apesar de nunca ter acontecido um acidente dessa proporção, esse tipo de evento é comum ocorrer, pelo próprio processo erosivo da rocha que já apresentava uma fratura, como mostra uma fotografia de 2012, rocha sedimentar, quartzito. Tomando como exemplo a nossa cascalheira, quando chove demais, o paredão encharca e acaba deslizando muito material, muitas vezes obstruindo a estrada do Bairro da Serra. As condições climáticas contribuíram para a queda dessa rocha, que já vinha apresentando sinais de rachadura. Houve negligência por parte das autoridades, que não fizeram nenhum estudo de risco do local, que não sinalizaram a área, simplesmente ignoraram a fratura na rocha. Também houve negligência dos barqueiros, inconscientes desse processo todo, que chegaram tão próximos da cachoeira com tromba d'água, pondo em risco a vida das pessoas. Quanto aos profissionais na área, eu concordo que todas as prefeituras deveriam ter, inclusive a nossa, mas sabemos que não é assim que funciona. É preciso contratar pessoas especializadas para avaliar a situação das rochas, se há outras na mesma situação e tomar medidas mitigadoras, a fim de evitar novos acidentes.

Prancha - Sim, concordo. A prefeitura de Capitólio deveria ter investido mais em profissionais ligados à geologia e ao meio ambiente, a fim de criar uma condição de segurança para as atividades turísticas e diminuir o impacto ambiental causado por elas.

Diego - É uma situação delicada, não se pode atribuir culpa ao desastre, que é um efeito da natureza, mas é possível culpar a negligência dos governantes que deixam trabalhadores do meio ambiente à míngua. Ao que me parece, num destino popular como Capitólio, a quantidade de embarcações é bem grande, e por não ser uma propriedade privada, a visitação é constante. Há relatos de outros problemas que não podem ser negligenciados, como a grande quantidade de lixo no local e me pergunto como está a qualidade da água para os banhistas, também. Ao mesmo tempo, é preciso tomar providências para que não se repitam acidentes, enfrentando principalmente esse racismo ambiental que aparece com frequência em qualquer discussão que ouse aprofundar o problema. Do ponto de vista geológico é preciso saber, por exemplo, se as ondulações das embarcações não provocam erosão na base das pedras, podendo gerar pontos de instabilidade, ou se os padrões de fraturas das rochas podem causar desabamento de outros blocos no futuro e quais os volumes desses blocos.

Viva! Serra Negra - As empresas que exploram o turismo, desde a rede hoteleira até os agentes de viagens, teriam de ter alguma atuação para evitar esses acidentes? 

Prancha - Sim, precisam atuar com responsabilidade e cercar-se de conhecimentos sobre a região que é seu objeto de trabalho. Diante do alerta de fortes chuvas, foi no mínimo um ato de displicência em relação aos riscos iminentes, de trombas d'água, deslizamentos de terras e deslocamento de rochas.

Diego - Penso que sim, poderiam, mas não serão eles que deverão tomar decisões sobre os limites a serem respeitados. Essa atitude não pode diminuir o trabalho dos especialistas. Isso cabe ao serviço público, é preciso que profissionais tenham poder de decisão para estabelecer limites a serem respeitados, como por exemplo o número máximo de embarcações por dia, o que pode ser bem desconfortável para eles. Eles podem formar associações, brigadas e atuar junto à defesa civil para garantir o respeito dos demais trabalhadores do local e turistas aos limites estabelecidos, podem criar procedimentos para garantir que a preservação do local aconteça, uma vez que ele oferece renda para a cidade toda.

Iza - Eu acredito que agora que aconteceu essa tragédia as coisas devem mudar por lá, talvez adotem um rádio comunicador, sinalizem a área, mantenham uma distância segura, pois pode ocorrer novos deslizamentos, já que o período das chuvas é mais propenso a esses eventos. Espero que sejam mais conscientes e observem mais os sinais da natureza.

Viva! Serra Negra – Essa tragédia deixa alguma lição para Serra Negra, que neste momento discute o asfaltamento do Alto da Serra?

Diego - Acredito que ensina, pois mostra como muitas vezes não temos ideia do impacto que uma atividade turística simples pode gerar. Assim como em Capitólio, muitos problemas vêm se acumulando no Alto da Serra: desmatamento de topo de morro, poluição devido ao grande número de visitas, incêndios frequentes, falta de fiscalização, falta de regulamentação, e principalmente ausência de projetos públicos que não sejam assinados apenas por engenheiros. Eventualmente a catástrofe pode ser lá, na forma de seca ou de enchente lá no centro da cidade. É preciso avaliar, estabelecer riscos, e sobretudo entender que a necessidade de preservação, que é algo muito mais rico que o entretenimento em si.

Prancha - Sim, a prefeitura deveria realizar estudos e cercar-se de profissionais especialistas em segurança ambiental, capazes de prever o impacto e posteriores riscos que o asfaltamento do Alto da Serra poderia provocar. Serra Negra deveria deixar de andar na contramão do desenvolvimento sustentável, perceber que asfalto demais não é necessariamente progresso e desenvolvimento, e, nesse caso, especificamente, o asfaltamento traria impactos negativos uma vez que desequilibra o meio ambiente.

Iza - A lição que fica é nunca menosprezar os riscos, é sempre observar a natureza que nos dá sinais, alertas. É evitar impactos negativos ao meio ambiente.

Viva! Serra Negra – o que mais vocês teriam a dizer sobre essa tragédia?

Diego - Assim como no filme “Não Olhe Para Cima” os astrônomos foram ignorados e o cometa acabou com a Terra, os geólogos, biólogos, geofísicos, geógrafos, historiadores, entre tantos outros trabalhadores, também são ignorados pela gestão pública. No caso de Capitólio as rochas são formadas por diversas camadas sedimentares, como linhas de um livro. Essas camadas ficam ali, monumentais e expostas para todos lerem. Além de belíssimas, também contam uma história, de um antigo ambiente que já esteve ativo ali um dia. Conhecer essa história pode ser uma forma de acrescentar algo a toda aquela beleza que tanto impressiona seus visitantes, pode nos ensinar algo sobre o lugar em que vivemos. Pode nos trazer uma leitura diferente do local em que vivemos e se tornar ainda mais impressionante. Talvez começar por tentar entender que história é essa seja uma mudança no turismo bastante significativa.

Prancha - Atenção às seguintes situações com potencial de risco: exploração de cascalho de uma boa parte da montanha do Alto da Serra (caminho para o Bairro da Serra); legalização de loteamento nas encostas, contribuindo para que o aumento de água das chuvas, que não tem como penetrar no solo, acabe descendo para a área central, causando frequentemente alagamentos, causando prejuízos e danos; construções irregulares nos morros, que podem gerar deslizamentos de terra; a exploração das águas, por parte das mineradoras e a deterioração das nascentes, com poluição, contaminação e aterramentos etc.

Iza - Diante de situações de perigo, hesite! Respeitar a natureza é fundamental. Nunca desafie! Albert Einstein disse: "O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem mal, mas por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer."



Comentários

  1. Sim é tempo da gestão pública se antecipar a acontecimentos e não apagar incêndios catastróficos.Serra Negra está a caminho célere pra problemas de grande monta se não tomar sérias providências.Faz tempo.

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