//OPINIÃO// Os problemas da ampliação do perímetro urbano aprovada pela Câmara



Marcelo de Souza 


Mais uma ampliação do perímetro urbano aprovada pelos vereadores aparentemente sem estudos de impactos socioambientais, sem a realização de audiências públicas, sem um amplo debate com a sociedade.  

Os vereadores conversaram com os proprietários, mas não conversaram com a população que poderá sofrer com o impacto causado por essa decisão.  

Representam efetivamente a população?  

Dizem tratar de ampliação do perímetro urbano para permitir a implantação de um  condomínio de alto padrão, mas não definem o que é alto padrão e nem de quantos lotes está se falando.  

Argumentam que a área já está degradada, mas não se discute o que a degradou e o que se fez  para tentar recuperá-la.  

Será que a degradação ambiental de uma área compensa?  

Esse debate sobre o que degradou área seria no mínimo interessante para aprendermos com  os equívocos do passado. Mas parecem deixar de lado os debates e só pensam nas receitas  futuras.  

Este é outro argumento, de que a arrecadação irá aumentar. Mas se esquecem que as  demandas também aumentam e parece que as demandas crescem mais rapidamente que as  receitas.  

E Serra Negra parece que sempre seguiu e continua seguindo o caminho do adensamento, do “apertamento”, da cidade sobre os córregos canalizados ou entubados (galerias), das ruas  estreitas, das calçadas muito estreitas e cheia de obstáculos, do viário com curvas fechadas e  declividades que ultrapassam absurdos 20%, do desdobro de lotes, dos loteamentos com  terrenos pequenos (~300 m2) etc.  

Quando lotes são pequenos, é razoável imaginar taxas de impermeabilização elevadas, principalmente se tratando de construções de alto padrão.  

Se a ocupação de solo arrecadasse receitas suficientes para melhorar a qualidade de vida dos moradores de uma cidade, os grandes centros urbanos seriam um paraíso na terra, e não é  isso que observamos nas cidades de porte médio e grande.  

E mesmo as cidades de porte médio a grande, tendo receitas significativas, parecem que não conseguem eliminar os problemas devido ao crescimento desordenado.  

Aumenta a receita, mas aumenta também a área impermeabilizada, aumentam os problemas de drenagem e canalizações, aumentam a população e a demanda por serviços públicos, aumenta a  quantidade de veículos nas ruas estreitas, aumenta a poluição atmosférica, aumentam os  pedestres caminhando no leito carroçável porque a calçada é inadequada, aumenta a  poluição sonora, aumenta o tráfego, aumenta a necessidade de intervenções no sistema viário às vezes com obras onerosas, diminuem as vagas de estacionamento, aumenta o consumo de  água tratada, aumenta o volume de esgoto, aumenta a geração de resíduos sólidos, aumenta o  concreto, diminuem as áreas livres, diminui o verde e não é difícil imaginar que diminui a  qualidade de vida do munícipe.  

Estamos projetando e construindo uma cidade para quem? 

Primeira pergunta ao prefeito e aos vereadores:

No Plano Municipal de Saneamento Básico está prevista a implantação de rede de coleta de esgoto e destinação para estação de tratamento dessa área que foi ampliada? Ou esse condomínio de alto padrão terá sua  própria estação de tratamento de esgoto, por exemplo uma ETE compacta? Ou será que o loteamento de alto padrão adotará fossas sépticas? O plano de saneamento prevê o abastecimento de água tratada para esse loteamento? Ou está prevista a captação de água  do subsolo, rebaixando ainda mais o lençol freático? Existe estudo sobre o lençol freático?  

E numa cidade que cresceu e continua se expandindo sem planejamento, numa cidade onde a maioria das ruas é extremamente estreita, numa cidade que não considera passeio público  algo relevante, numa cidade com calçadas extremamente estreitas e cheias de obstáculos, numa cidade que não se preocupa com o pedestre, numa cidade que não valoriza conceitos de  mobilidade e acessibilidade urbana, que não tem um plano municipal de arborização e quase a maioria das ruas não tem árvores nas calçadas e o pedestre caminha sob o sol, numa cidade que não tem um plano diretor atualizado, que tem uma lei das construções que parece  merecer uma atualização, numa cidade que a lei de zoneamento parece uma colcha de retalhos, sendo frequentemente remendada quando aparece alguém querendo investir no setor imobiliário, é provável que as expansões urbanas sem estudos mais aprofundados tragam mais problemas que soluções a médio e longo prazo.  

Como pode ser observado na imagem do Google Earth a seguir, a área da ampliação do  perímetro urbano aprovado pelos vereadores no dia 19/4/2021 localiza-se na parte sul da cidade e a principal via de acesso é o espigão formado pelas ruas Armando Argentini e  Norberto Quaglio. 

 


Essas duas ruas hoje já apresentam seções de via estreitas, tanto que muitos motoristas  estacionam seus veículos sobre as calçadas para minimizar interferência com o fluxo de  veículos da via. Essas duas ruas hoje apresentam trechos sem calçadas de ambos os lados da via e a tendência é, se nada for feito, o volume de deslocamento de veículos aumentar significativamente.  

Por essas ruas passam caminhões que ligam os roseirais à SP-360, sendo que as áreas dos roseirais estão mais próximas da rodovia municipal Antonio Perli (liga a SP-360 do Parque Santa Lídia à rodovia Enzo Perondini, na Fonte única).

Os moradores dessas vias deveriam ficar atentos. Hoje alguns já reclamam da velocidade dos veículos, tanto que foram instalados tachões na altura do número 500 da Armando Argentini, lombadas na altura dos números 200 a 250, e lombada na Rua Norberto Quaglio, pouco depois da Rua Leonel Fávero.  

Por que será que os moradores em algum momento solicitaram esses redutores de  velocidade? 

Trecho de terra da Rua Norberto Quaglio  

Um ponto crítico deste trajeto é o trecho de cerca de 500 m de rua de terra da Rua Norberto  Quaglio, que liga o asfalto à área onde se pretende implantar o novo loteamento.  

Este trecho apresenta trechos com largura inferior a 9,0 m. Tem postes de ambos os lados da via. Não tem calçadas e já sofre com o fluxo significativo e constante de veículos que vão desde  muitas motocicletas, automóveis, utilitários e muitos caminhões que mesmo em tempos de pandemia usam a via para acessar o hotel inaugurado em 2014 e os roseirais que cresceram na última década algo em torno de 1.000%. Isso mesmo, aproximadamente nos últimos dez anos a área de estufas passou de algo em torno de 9.000 m2 para mais de 90.000 m2 (áreas estimadas no Google Earth).  

As imagens abaixo, obtidas no Google Earth, facilitam a visualização do crescimento da área de  estufas entre 2010 e 2020. É possível imaginar que o fluxo de veículos de trabalhadores e de caminhões para despachar o produto aumentou proporcionalmente. 



Parece óbvio que esse crescimento da área de estufas aumenta o volume do tráfego local.  

A poeira já é excessiva, mas parece que prefeito e vereadores não se importam muito, afinal neste trecho são apenas 17 lotes, dos quais cerca de oito ocupados, resultando em apenas  cerca de 15 votos.  

Se hoje a largura total da rua nesse trecho é de cerca de 9 m e, considerando calçadas de  ambos os lados da via com largura mínima de cerca de 2,0 m atendendo as normas brasileiras NBR-12.255 e NBR-9050 da ABNT, sobraria apenas 6,0 m para o leito carroçável para  comportar o tráfego que hoje já é acima do adequado para as condições de geometria e de  pavimento desta via.

 A foto a seguir exemplifica a situação da rua com largura muito limitada e o fluxo de veículos.


 

Cabe comentar que as normas técnicas brasileiras da ABNT são respeitadas e observadas pelos  profissionais da área técnica, afinal, traduzem qualidade e segurança. E a norma é clara: a largura mínima das calçadas é de 1,90 m, com a guia, 2,05 m. Calçadas com largura inferior a  1,90 m provavelmente prejudicarão o pedestre quando existir a necessidade de um poste de iluminação, de sinalização, uma árvore ou uma lixeira e, neste caso, obrigará o pedestre a  caminhar no leito carroçável o expondo ao risco de atropelamento (ver  https://www.vivaserranegra.com/2021/03/opiniao-calcadas-um-desafio-diario-para.html).  


A figura a seguir é da norma brasileira NBR-9050:2020 da ABNT.  


Segunda pergunta ao prefeito e aos vereadores: vão alargar e pavimentar essa rua de forma  a adequar suas calçadas e o leito carroçável ao tráfego atual e futuro antes de liberarem a  implantação e construção da infraestrutura do loteamento? Ou os moradores continuaram a  respirar poeira na “Cidade da Saúde”?  

O tráfego neste trecho de rua já é incompatível atualmente, considerando sua geometria e  condição de pavimento. Não precisa nem inaugurar o loteamento. Basta iniciar os estudos e obras para a implantação da sua infraestrutura que o tráfego de veículos irá aumentar. Algum  vereador pensou nesse aspecto?  

Terceira pergunta, agora somente aos vereadores que aprovaram o projeto: a aprovação da ampliação do perímetro urbano não deveria estar atrelado à adequação do viário urbano e  principalmente ao acesso ao novo empreendimento, de forma a mitigar antecipadamente eventuais impactos na vizinhança?  

Normalmente são exigidas contrapartidas de grandes empreendimentos que geram impactos socioambientais de forma a minimizá-los. Os vereadores não pensarem nisso? Por que não se discutiu isso amplamente? Por que não se discutiu com a sociedade? Por que só ouviram  somente os proprietários do empreendimento, conforme a discussão na sessão da Câmara Municipal?  

Na sessão da Câmara Municipal ficou claro que os vereadores têm consciência do problema, uma vez que insistentemente falaram que apenas aprovaram a ampliação do perímetro urbano e que, todas as outras questões competem à prefeitura.  

Parecem que lavaram as mãos. Parece fácil legislar assim. Parece fácil votar sentado no  conforto do lar ou na sala climatizada da Câmara Municipal sem a responsabilidade de analisar profundamente todos os fatores que as intervenções na cidade possam provocar.  

Quarta pergunta aos vereadores: Conforme “print” abaixo, o Parágrafo 2º do Artigo 78 do texto anexo à Resolução 328, de 2004, que aprovou o Regimento Interno da Câmara Municipal de Serra Negra - SP, diz que serão obrigatórias a convocação de pelo menos 3 (três) audiências públicas para projetos que versem sobre os incisos V, VI e VIII, sendo que um dos incisos trata  do zoneamento Urbano, Geo-Ambiental e Uso e Ocupação do Solo. Neste caso audiências públicas não são obrigatórias? 


Fonte: http://www.cmserranegra.sp.gov.br/regimento-interno  

Sobre a área do novo loteamento  

A área mais de 400.00 m2 onde se pretende implantar o novo loteamento apresenta  topografia plana resultante de grande terraplenagem executada no passado. Essa grande terraplenagem talvez seja a responsável pela degradação. Os vereadores deveriam ter discutido este aspecto.  

Hoje mais da metade da área apresenta topografia que permitiria a implantação com baixo  custo de lotes, afinal, a área já foi terraplenada. Considerando um condomínio de chácaras de alto padrão, imagina-se lotes com área em torno de 5.000 m2 cada e, se for de residências,  lotes com cerca de 2.000 m2.  

Essa metragem são normalmente empregadas em condomínio de elevado padrão como, por exemplo, o Tamboré 1 na região de Barueri.  

Se considerado lotes com 2.000 m2 cada, pode-se esperar um loteamento com algo em torno  de 100 lotes residenciais (de alto padrão). Cem lotes representam pelo menos cem automóveis adicionais, mais veículos de prestadores de serviço e outros.

Será que os vereadores se debruçaram sobre todos os aspectos para votar este projeto de lei PL-037/2021?  

Quinta pergunta aos vereadores: qual é o volume de tráfego atual nessa via e qual será o  acréscimo de veículos provocado por essa expansão urbana? Esse volume de tráfego cabe nesse trecho de rua de terra? O loteamento terá quantos acessos ou o único acesso será na  altura do número 1.000 da Rua Norberto Quaglio?  

Espero que prefeito e vereadores tenham pensado em todos os aspectos que resultarão dessa ampliação e que tenham soluções para todos os problemas de forma a não prejudicar ainda mais os moradores dessa rua.  

E plagiando um vereador, seria de “bom tom” que essas soluções que terão por objetivo  mitigar o impacto sócio ambiental local sejam implantadas antes da permissão de implantação do loteamento, caso contrário os moradores sofrerão com o tráfego e com a poeira já durante a fase de implantação da infraestrutura do empreendimento.  

E não venham falar em calçadas mais estreitas que 2,0 m de largura. Respeitem integralmente  a NBR-9050:2020. Seria de “péssimo tom” desprezar as normas técnicas brasileiras da ABNT. 


Comentários

  1. Parabenizo o Sr. Marcelo pelo excelente artigo. Vivo nesta cidade há mais de trinta anos e a cada dia fico mais apreensivo com a degradação do centro urbano e das adjacências.

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  2. Enquanto vivem alardeando que o turismo é o futuro econômico-social para Serra Negra, vereadores e dirigentes de órgãos tradicionais da sociedade civil fazem vista grossa à progressiva e rápida degradação ambiental da cidade, ao mesmo tempo que apontam as "belezas naturais" do município como ponto central dos atrativos para os turistas. E a desculpa é sempre a mesma: geração de empregos (precários e provisórios) e aumento na arrecadação de impostos. Balela. Trata-se tão somente de interesses financeiros imediatos que beneficiarão muito poucos em detrimento da população em geral. Cabe à sociedade civil, organizada ou não em associações de defesa dos interesses realmente coletivos da cidade, defender o patrimônio econatural do município contra os sempre astutos predadores de plantão, inclusive por meios judiciais disponíveis.

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  3. Só complementando, os poucos que se beneficiam com esses "projetos relâmpagos" tentam sempre confundir os termos "progresso", que traz ganhos reduzidos e efêmeros sem levar em conta os seus efeitos nefastos a médio e longo prazo, com "desenvolvimeto", que se traduz em benefícios positivos, perenes e amplos para a comunidade em geral.

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