//CRÔNICA// Bolsonaro é um vencedor


Carlos Motta

A triste constatação para todos os que prezam a vida é que Bolsonaro venceu. 

Sim, Bolsonaro, o homem que disse que ganhou a presidência da República para destruir, não construir; o homem que disse que era preciso uma revolução no Brasil que matasse "uns 30 mil"; o homem que disse que ia fuzilar a petralhada e enforcar FHC; o homem que disse que o quilombola não serve nem para procriar; o homem que idolatra um torturador; o homem que planejou explodir bombas em quartéis; o homem que disse que não estupraria uma colega deputada porque ela era "muito feia" - esse homem venceu.

Bolsonaro, o homem que encarna a morte, infectou um país inteiro com a sua pestilência, e esse país está hoje à deriva, prestes a se tornar uma terra de escombros, de gente sem emprego, sem rumo e sem esperança.

Bolsonaro venceu.

Conseguiu convencer milhões de pessoas de que a mais terrível pandemia em um século é uma "gripezinha" curável com um remédio que qualquer farmácia tem.

Conseguiu arregimentar uma legião de comerciantes, cabeleireiros, manicures, barbeiros, camelôs, donos de academias de ginástica, prestadores dos mais diversos serviços, empresários de todos os níveis, e mesmo pobres trabalhadores, mão de obra abundante e barata, para uma cruzada insana em prol da contaminação pelo novo, misterioso e perigosíssimo coronavírus.

"Precisamos trabalhar", bradaram todos em uníssono, obedecendo às palavras de ordem do amante da morte.

Mais de 1 milhão de contaminados até agora; em poucos dias, 100 mil mortos. 

Um cemitério do tamanho de uma Amparo e uma Serra Negra. 

E a multidão enchendo as ruas, fazendo festas, levando o vírus para lugares nunca dantes imaginados.

Bolsonaro pode estar com os dias contados como presidente da República - há quem jure que seu mandato não tem mais jeito.

Bolsonaro pode ter sido abandonado pelos endinheirados que sonhavam com um Estado mínimo para os outros e máximo para eles.

Bolsonaro pode mesmo ter o supremo desprazer de ver seus filhotes processados e punidos por uma série enorme de crimes.

Mas Bolsonaro, o deputado do baixo clero que virou presidente da República mentindo sem parar e apelando para os mais baixos instintos do populacho, por mais infelicidades que caiam sobre ele e sua família, vai levar para onde for o gosto da vitória.

Ele, esse ser abjeto, esse homúnculo desprovido de qualquer qualidade moral, ética e intelectual, vai poder se gabar a todos que foi capaz de derrotar um país imenso, que se construía com dificuldades, mas que tinha a vocação de se igualar aos maiores. 

Bolsonaro, queiram ou não, é um vencedor: afinal, foi ele quem, numa escala jamais vista, fez o caos se impor à ordem e o ódio zombar do amor.

Abandonado pelos poucos amigos de ocasião, acuado por denúncias de um gordo cardápio de crimes, isolado internacionalmente, prestes a entrar na lata de lixo da história, Bolsonaro, contraditoriamente, pode se proclamar um vitorioso: cada morte provocada pelo vírus é uma linha a mais em seu currículo de atrocidades.

Bolsonaro venceu porque para ele a vida é uma derrota.

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