//EDUCAÇÃO// A escola em tempos de pandemia




Salete Silva

O Viva! Serra Negra publica esta semana uma série sobre ensino à distância (EAD) em tempos de pandemia com entrevistas de professores, alunos, mães e tutoras de Serra Negra.

A primeira reportagem é sobre a experiência dos professores serranos com o EAD que revela as dificuldades dos alunos sem acesso às ferramentas tecnológicas necessárias e que acentua as desigualdades sociais na educação brasileira.

EAD expõe as desigualdades na educação

A julgar pela experiência de professores com o ensino à distância (EAD) durante a pandemia, o sistema de ensino tradicional, baseado no professor e alunos em sala de aula, deverá se consagrar como o mais eficiente e insubstituível para a aprendizagem.

Mas as mudanças na educação pós-pandemia serão inevitáveis, não só porque o EAD deverá se tornar uma ferramenta mais utilizada nos sistemas de ensino, mas pela evidente desigualdade social na educação brasileira exposta pelas aulas online durante a quarentena.

O EAD se mostrou um sistema de ensino praticamente impossível para os alunos sem acesso a ferramentas tecnológicas ou sem apoio de pais e responsáveis no ambiente doméstico ou ainda para os que apresentam dificuldades e transtornos de aprendizagem.


Isso é o que indicam as experiências de professores serranos com o EAD nesse período de pandemia entrevistados pelo Viva! Serra Negra. O ensino à distância tem sido a alternativa para amenizar o impacto da suspensão das aulas no ano letivo escolar, eles concordam.

Mas não se mostrou uma maneira democrática de fazer essa compensação uma vez que nem todos os alunos foram beneficiados da mesma forma.

Marco Antônio: EAD é
o que temos no momento

“O EAD não é o ideal, mas é o que se tem no momento para que os alunos não percam o contato com a escola nem fiquem muito atrasados na questão do aprendizado”, diz Marco Antônio Moreira, professor de história do 9º ano do ensino fundamental II ao 3º ano do ensino médio da rede pública.

O método pedagógico necessário para as aulas online, ele explica, ainda apresenta alguns desafios. “O EAD nunca irá ser um substituto ideal para as aulas presenciais”, acrescenta o professor.

Essa é a mesma opinião da professora de português da rede pública nos ensinos fundamental II e médio, Gisela Cardoso Spinhardi. “Nada substitui a relação presencial entre professor e aluno, na qual os vínculos afetivos são fundamentais para consolidar o processo de aprendizagem”, afirma.

Gisela: nada substitui
a relação presencial

O nível de aprendizado dos alunos por EAD ficará, na opinião de Gisela, aquém do necessário em virtude de fatores culturais, históricos, emocionais e econômicos, que pesam ainda mais nessas condições de ensino.

 Além do prejuízo pelo distanciamento entre aluno e professor, o EAD se mostra um sistema de exclusão educacional, na avaliação da professora de história para o ensino fundamental II da rede pública, Erica Campos Pilom.

“Entendo a necessidade do isolamento social e acho correto, porém temos alunos sem segurança alimentar e sem acesso às tecnologias”, observa.

Os professores também muitas vezes não têm acesso às ferramentas tecnológicas nem familiaridade com elas.

“Dormi professora e acordei professora EAD”, diz Erica, que não dispõe de todos os equipamentos necessários para ministrar as aulas online e ainda encontra dificuldades no uso das tecnologias.

Também sem muito conhecimento sobre as ferramentas necessárias para ensinar os alunos à distância, Marco Antônio diz que buscou informações nos tutoriais sobre o assunto disponíveis na internet e contou com dicas de colegas.


O professor está utilizando o aplicativo online disponível pela Secretaria de Educação do Estado, além das redes sociais, como WhatsApp e Facebook. “No começo a adaptação foi mais difícil”, diz.

Para Gisela, faltou tempo hábil para adquirir os conhecimentos tecnológicos necessários, mas as dificuldades emocionais, na sua opinião, pesaram mais.

“Pelas circunstâncias de pandemia, não nos sentimos emocional e psicologicamente seguros e com o mesmo vigor para o exercício docente se comparado a tempos normais, o que impacta diretamente em nosso rendimento como profissionais”, desabafa.

Erica: será preciso repensar
os métodos de ensino

Os professores sentem a falta do contato com os alunos. “Minha maior dificuldade é não ter esse contato presencial, não poder ouvi-los participar da aula, dando suas contribuições, vê-los fazendo as tarefas e executando os projetos”, afirma Erica.

Essa ausência de contato interfere na aprendizagem. Os mais prejudicados são os alunos sem os recursos tecnológicos, como internet e computador, e os que precisam de mais incentivo dos professores para obterem melhor rendimento.

“Alunos que possuem acesso à internet, que têm interesse e vontade de aprender e pais ou responsáveis interessados, terão um rendimento satisfatório”, avalia Marco Antônio.  "Os que infelizmente não possuem acesso à internet e vêm de famílias com poucos recursos serão bem prejudicados”, acrescenta.

O ano letivo pode estar perdido não em virtude de notas ou desempenho dos alunos, avalia Erica, mas em razão da falta de saúde mental em virtude de problemas emocionais de alguns alunos e de condições financeiras de outros.

O retorno às aulas, ainda sem previsão, será de novidades e de transformação na opinião dos professores. “Quando as aulas voltarem, o grande trabalho da escola será o de refazer os laços de ligação entre os alunos e o ambiente escolar”, diz Marco Antônio.

As escolas que não se adaptarem à nova realidade, ele avalia, vão desaparecer. Apesar da relevância do ensino presencial, as aulas EAD, ele observa, vão se tornar uma realidade permanente. “Mas é preciso que seja aperfeiçoada para não atrapalhar mais do que ajudar”, afirma.

A escola não será mais a mesma na opinião também da professora Erica. “Teremos de repensar métodos de ensino e dar mais protagonismo aos alunos e autonomia aos professores”, avalia.

As mudanças deverão contemplar as desigualdades sociais e conceitos equivocados da sociedade sobre educação que foram escancarados pela pandemia, observa Gisela.

A sociedade terá de discutir a valorização dos professores, a escola democrática, a escola pública e a escola privada, entre outras questões. “Não podemos voltar àquela normalidade”, finaliza Gisela.

Enem

Há uma unanimidade entre os professores serranos de que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deve ser adiado para não prejudicar em especial os alunos com menos condições de se preparar para o exame.

“Sem dúvida o Enem deve ser adiado. Manter a data atual da aplicação das provas, com o mundo passando por uma pandemia é prejudicar em muito a maioria dos candidatos”, avalia Marco Antônio.

Erica compartilha da mesma opinião. “Uma geração de estudantes não pode ser prejudicada pela incompetência de um ministro da Educação, que tem por único objetivo o desmonte da educação pública”, conclui.

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