//PANDEMIA// "Na Suíça a prioridade é a saúde", diz o serrano Luca

Luca Pacchioni e seu marido, Jesus Hernandez:
pequenos passeios depois de mais de um mês de isolamento

Salete Silva

O serrano Luca Pacchioni, que vive há 15 anos na Europa, quase três dos quais em Genebra, centro diplomático e financeiro da Suíça, fez ao Viva! Serra Negra um relato sobre sua experiência num dos países do continente em que o número de infectados e de óbitos por covid-19 são os mais elevados do mundo e só começam a ser superados agora pelos Estados Unidos.

Pacchioni se mostrou especialmente incomodado com a discussão polêmica entre dar prioridade à vida ou à economia, que tem dividido os brasileiros, incluindo a população de Serra Negra, sua terra natal.

“A Suíça é um país supercapitalista, mas aqui estão priorizando a saúde”, enfatiza o serrano.

Há consciência generalizada entre os cidadãos suíços de que será inevitável o impacto do isolamento social na economia, mas a medida é reconhecida como imprescindível para evitar a contaminação pelo novo coronavírus e a sobrecarga do sistema de saúde do país.

“A Suíça sabe, todo mundo sabe, que vai afetar muito o comércio. Todos falam em uma recessão da qual vamos levar muito tempo para sair, mas não questionam o isolamento”, diz Pacchioni.

Com 8,5 milhões de habitantes, a Suíça, que testa apenas as pessoas com mais de 65 anos, registrou até agora pouco mais de 29 mil casos de coronavírus, atingindo cerca de
0,34% da população do país, e cerca de 1.700 mortes.



O governo suíço adotou um plano para ajudar a economia de forma rápida e sem burocracia para garantir que trabalhadores de empresas em dificuldade continuem a receber seus salários. O pacote é de 42 bilhões de francos. Os trabalhadores recebem 85% dos salários, mesmo os que estão em isolamento.

O sistema de quarentena suíço é semelhante ao do Brasil, observa Pacchioni, e o confinamento não é obrigatório.

O isolamento recomendado na Suíça, como em Serra Negra, é de saídas apenas para o estritamente necessário, seguindo todas as regras de segurança estabelecidas.

Se descumprir algumas regras, como manter cerca de dois metros de distância de outra pessoa nas ruas, o cidadão em Genebra é autuado pela vigilância local.

Desde o dia 19 de março quando o comércio suíço em geral já estava fechado e a maioria dos hotéis suspenderam as atividades, Pacchioni, recepcionista no Manotel Hotel Group Geneva, uma rede hoteleira com seis unidades, e seu marido, o espanhol Jesus Hernandez, só saíam de casa para trabalhar ou para ir ao supermercado a cada 15 dias.

Agora, passado o período de pico da pandemia na Suíça, atingido em 21 de março, quando o registro de contaminação ultrapassava mil novos casos por dia e superava ao da Itália em relação ao número de habitantes no país, Pacchioni faz pequenos passeios por parques e ruas de Genebra.

Nesta segunda-feira, 27 de abril, o país deu início a um plano que será executado em três etapas para atenuar as medidas de isolamento com reabertura inicialmente de alguns serviços pessoais, como cabeleireiros, terapeutas e dentistas. As lojas só reabrem a partir de 11 de maio. 

Mas o recepcionista ressalva que está consciente de que pode voltar a qualquer hora ao isolamento social se o número de contaminados voltar a subir.



O Brasil, segundo ele, tem uma vantagem de ter começado o isolamento social rapidamente, antes de o número de infectados disparar.

“Serra Negra não teve muitos casos e não vai precisar ver as pessoas morrendo. E se tiver de fazer quarentena de novo vai ser pior para a economia, porque o nível de atividade econômico já estava muito baixo antes da pandemia. Se tiver de fechar tudo novamente vai ficar muito mais difícil recuperar depois”, conclui.

A seguir, os principais trechos de seu depoimento: 


Isolamento social 


Os hotéis fecharam no dia 19 de março. Mas o comércio já havia fechado antes. Fechou tudo: bares, restaurantes e só ficaram os serviços essenciais. Os restaurantes só abriram para serviços de delivery. No dia 2 de março cancelaram o evento mais importante de Genebra que é o Salão do Automóvel, uma das maiores exposições da indústria automobilística do mundo. Nesse período, os hotéis de Genebra faturam o triplo por diária. E assim começaram a cancelar eventos.

Economia


Esses fechamentos do comércio representam um prejuízo financeiro imensurável. Já houve milhares de demissões, empresas que tinham muitos funcionários demitiram.

A maioria dos hotéis tomou a iniciativa de fechar e os que se mantiveram abertos não têm clientes, poucos suíços e só para negócios.

A Suíça sabe, todo mundo sabe, que vai afetar muito o comércio. Todos falam em recessão, que vai levar muito tempo para se recuperar, mas não questionam.



O governo está ajudando muito as pessoas, mas ainda assim as empresas terão dificuldades. O problema é que os custos aqui são muito altos. O valor do aluguel é  de cerca de 1.800 francos, equivalentes a R$10 mil. A média dos salários mensais é de 4.500 francos, cerca de R$ 25 mil. 

A Suíça é país supercapitalista, mas não estão, em nenhum momento, priorizando a economia. Estão priorizando a saúde.

Saúde


O sistema de saúde aqui é muito eficiente, por isso a Suíça decidiu não fazer confinamento, só um isolamento como no Brasil.

O sistema de saúde na Suíça é privado e todas as pessoas são obrigadas a ter um seguro de saúde pago, porque não existe o sistema público.

Você pode escolher um seguro mais barato. Eu tenho o mais barato que existe e pago quase 300 francos por mês e se precisar ir ao médico eu tenho até 2,5 mil francos de franquia por ano.

Meu vizinho é diretor de num hospital privado. Ele informou que quando começou a pandemia, os governos da Europa informaram que independentemente do sistema público ou privado, neste momento de necessidade, todos os leitos de hospitais estão à disposição das pessoas para o tratamento da covid-19 e o governo vai tomar conta. Não importa se a pessoa é rica, pobre, tem mais ou menos dinheiro. O tratamento é o mesmo para todos.



Aqui na Suíça muita gente morreu, muitos se infectaram, os testes são apenas para as pessoas com mais de 65 anos. Tem um número telefônico que se você precisa, liga e diz quais são os seus sintomas, ser for compatível com covid-19, não pode ir ao trabalho, não pode fazer compras.


Salários


Estamos num sistema chamado de seguro-desemprego técnico. Trabalho dez dias por mês e recebo 85% do salário. Respondo telefonemas, e-mails e atualizo reservas futuras no sistema.

Às vezes a gerente vem também, fica cada um no seu lugar, mantemos a distância, não ficamos juntos. Ficamos bem separados, usando álcool gel por todos os lados e máscaras.

Meu marido trabalha em outro hotel, mas como sua área é manutenção e não está funcionando, ele fica em casa e recebe também 85% do salário.




Aqui quem paga o seguro-desemprego técnico é a empresa e o governo depois vai devolver esse dinheiro ao hotel.

A Suíça é um país muito rico. O Brasil também é um país rico e que poderia fazer muito pelas pessoas.

Vamos ficar nessa situação até setembro. A partir de setembro, o hotel vai ter de ter um plano B. O governo dá empréstimos a empresas praticamente sem juros. 


Empresas colaboram


O Uber Eats, plataforma americana de pedidos e entrega de alimentos online, aqui está fazendo serviços grátis para as pessoas ficarem em casa. As companhias telefônicas começaram a dar crédito gratuito e mandar internet em casa. Todas as empresas começaram a ajudar da forma que podiam para as pessoas ficarem em casa e gastarem menos Todos os lugares que cobravam a entrega pararam de cobrar. Fizeram de tudo para estimular as pessoas a não irem fisicamente fazer as compras e usarem a internet.


Retomada da economia


No dia 21 de março atingimos o pico na Suíça, tínhamos 1.500 infectados por dia. Agora há um número de novos infectados muito baixo por dia. Mas já passou um mês.




A cidade continua em quarentena, tem restrições, mas as pessoas saem para andar, para tomar sol, mantendo distância e a polícia para controlar.

Quem não respeitar é multado. Aqui não tem conversa. Cem francos de multa se não tiver dois metros de distância de outra pessoa.

As pessoas respeitam muito. O Brasil começou a fazer quarentena cedo e poderia evitar o que aconteceu na Europa. E se fizerem o confinamento, não saírem, ficarem em casa vão abrir daqui a pouco.

Serra Negra não teve muitos casos e não vai precisar ver as pessoas morrendo. E se tiver de fazer quarentena de novo vai ser pior para a economia, porque a economia no Brasil é fraca.

Se tiver de fechar outra vez muito tempo fica mais difícil recuperar a economia.

Agora, na reabertura, vão abrir o comércio em geral, mas só lojas grandes, na mesma situação dos supermercados, as pequenas não, porque não é possível controlar o número de pessoas dentro.

Vão abrir pouco a pouco, mas é muito imprevisível ainda. Vejo no Brasil as pessoas querendo atropelar e dizendo que tem de ter as datas para reabrir. Vi que na Itália só em 1º de junho irão abrir bares e restaurantes ao público.

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