//CIDADE// Aos 80 anos, dona Terezinha canta para sobreviver

Dona Terezinha e seu teclado: faltam duas notas, ela precisa de um novo

Salete Silva

A música é uma questão de sobrevivência na vida da senhora de 80 anos, deficiente visual e uma das figuras conhecidas de Serra Negra. Ela gosta de cantar, mas admite que canta para sobreviver.

Todo o dinheiro que arrecada na Rua Monsenhor Manzini, uma das travessas da Rua Coronel Pedro Penteado, a principal da cidade, é usado para comprar comida e para cobrir despesas pessoais.

O que recebe de aposentadoria, um salário mínimo, é repassado para a funcionária que a ajuda diariamente nas tarefas domésticas.

É provável que o serrano desconheça sua história de vida difícil, mas sabe perfeitamente que se trata de Terezinha Santos, a mulher que infalivelmente todos os fins de semana e feriados canta e toca teclado ao lado da antiga sede do Banco do Brasil.

Dona Terezinha explica que fez uma combinação com a funcionária que, há dois anos, todos os dias, das 7 às 11 horas, limpa, cozinha e a acompanha aos lugares que precisa ir, como o banco para pegar o dinheiro da aposentadoria e ao supermercado.

“Ela precisa, mas eu também preciso. Então, a minha aposentadoria dou para ela e o dinheiro da rua é meu”, relata.  Dona Terezinha tem dificuldade de fazer as tarefas domésticas por causa da deficiência visual e agora também da idade.

“Completei 80 anos este mês e por causa da deficiência e das limitações da idade tenho dificuldades de fazer as coisas em casa”, afirma. “Mas não preciso de cuidadora, preciso somente de uma ajudante”, ressalva.

Nascida em Sorocaba, dona Terezinha chegou a Serra Negra com a família em 1949, aos dez anos. Três anos antes, com apenas 7 anos, já tinha diagnosticado o glaucoma.

“Sentia muita dor de cabeça, dor nos olhos e fui ao oftalmologista, que diagnosticou o glaucoma, que é o aumento da pressão nos olhos”, lembra. A doença foi se agravando e aos 35 anos, ela relata, já estava completamente sem visão.

A música entrou em sua vida há dez anos, quando já tinha 70 anos. Dona Terezinha fez aulas de teclado durante um ano na Talento – Oficina de artes – em Serra Negra.

“Lá aprendi o básico: as notas brancas, do, ré, mi, fá, sol, lá, si. E as pretas, que são os sustenidos e bemóis”, explica.

Por falta de dinheiro deixou de frequentar a escola e começou a tocar sozinha. Dona Terezinha lê as partituras em braile. É impossível tocar e ler ao mesmo tempo. Por isso, estuda primeiro as partituras, decora e depois toca no teclado.

“A música é meu ganha pão. Sou aposentada, recebo um salário mínimo”, afirma. Se não fosse a necessidade, ela diz que até já teria largado o teclado.

Dona Terezinha já recebeu alguma reclamação da vizinhança, incomodada com o som, em especial aos domingos e feriados de manhã, mas no geral a receptividade, diz, é muito boa. 

“Se não fosse uma necessidade, não iria mexer com música”, salienta. Dona Terezinha também foi afetada pela crise econômica e por medidas adotadas pelo governo federal, como o enxugamento das agências do Banco do Brasil.

Em Serra Negra, o Banco do Brasil passou a funcionar no prédio da Caixa Econômica Estadual, na Rua 9 de Julho.

“Quando a agência era aqui, as pessoas vinham tirar dinheiro no caixa eletrônico ou pegar suas aposentadorias e sempre deixavam um troquinho”, lembra a aposentada.

O movimento de turismo também diminuiu um pouco, mas, segundo ela, nem tanto. Os turistas continuam sendo seu principal público.

Dona Terezinha diz que não sabe exatamente quanto rende mensalmente o que turistas e serranos deixam em sua caixinha. Mas dá para comprar pelo menos as refeições, em marmitex, com o que calcula gastar R$ 300 por mês.

A aposentada tem família, mas mora sozinha há dez anos em um prédio na mesma Rua Monsenhor Manzini, em frente ao local onde se apresenta. “Não moro em apartamento, moro no porão do prédio, lá embaixo, mas é limpinho e arrumadinho”, afirma.

A aposentada é a caçula de três irmãos. O mais velho, com 94 anos, mora em Sorocaba, e a irmã do meio é falecida. “Tenho sobrinhos em Serra Negra que vêm me ver todos os domingos”, afirma.

Dona Terezinha diz gostar muito da cidade. “Gosto do povo, que é educado, gentil e até os motoristas são educados”, diz a aposentada que eventualmente utiliza o serviço de táxi.

“Os turistas também são educados e conversam comigo”, afirma. Ela chama o serviço de táxi pelo celular, um aparelho antigo que dona Terezinha diz que não pode perder porque os modernos são digitais.

“Tenho uma televisão, um rádio e um celular há 20 anos, que é pequeno, metade da minha mão. É como um telefone fixo”, compara. Seu aparelho tem teclas grandes que facilitam sua digitação. “Os mais modernos, digitais, não dão para mim”, afirma.

Dona Terezinha espera pelo Natal, a melhor temporada do ano para ela. “Tenho um repertório grande, de 13 músicas natalinas”, afirma. Ao longo do ano, ela canta diversos estilos, como samba, valsa e canções românticas. Mas sua preferida é "Asa Branca".

Dona Terezinha só não gosta do Carnaval, quando a cidade fica muito cheia e há muitos bêbados, segundo ela, nas ruas. “Meu teclado já foi danificado uma vez por essas pessoas”, afirma.

Embora já tenha trocado o instrumento por um novo uma vez, seu teclado, diz, é velho e apresenta defeitos. “Duas notas não tocam mais”, afirma.

Ela diz que um amigo deverá fazer uma campanha para arrecadar dinheiro para comprar um teclado novo. “Queria um outro dessa mesma marca, Casio”.

Enquanto a campanha de arrecadação não acontece, dona Terezinha não se intimida, pula as notas que faltam e tenta compensá-las com a voz que ecoa por toda Monsenhor Manzini.

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