//CRÔNICA// Alguém, um gesto, um olhar


Mara Roselaine Pinto da Fonseca

Um dia comum, mais um amanhecer. A rotina já preestabelecida me chamando, me querendo para toda a labuta diária. Nós duas juntas perfurando a manhã. Entrando na realidade crua, me deparei com um carro estacionado diante de um edifício. Algumas pessoas o ladeando, e de repente ali estava fitando meus olhos uma senhora bem idosa, uma mulher, uma mãe, uma filha, um alguém...

A cena me consumiu por completo, meus passos imediatamente cessaram o ritmo alucinado e ali fiquei. Eu queria ficar. Todo meu eu gritante me conduzia àquela visão. Uma ambulância aberta, um corpo estendido em uma maca simples, talvez fossem seus filhos ali, mas por uma fração tão única de segundo algo maior me prendeu naquele olhar. Os seus olhos, vagarosamente, se deslocavam lentamente, percebendo o espaço que agora tomava conta de si, os sentidos todos misturados, sua alma certamente amedrontada diante do novo que estava por vir. 

Um vazio preencheu todo meu ser, meus olhos ali fixados me conduziram à minha infância, lembrei-me dos pulos, dos choros, das risadas. Lembrei-me da vida. Senti-me nela. Olhei com ela e pelos olhos dela. Respirava nela. Não sei quem ela é e tampouco creio que um dia a conhecerei. A única certeza que tenho, que me consome a alma e que me leva a indagar é que a morte ali estava iminente. Em um espaço mínimo de tempo, eu e ela nos unimos em um único fio. O fio da vida.

Sua aflição já não era uma constante. Olhei para ela novamente, como querendo lhe dizer, somos duas, somos... Manifestou-se em mim um amor tão natural, condição humana para prosseguir aqui. Às vezes é preciso olhar o outro. Senti-lo dentro de nós. Demonstrar bondade, gestos simples, mas sublimes, que fortaleçam a esperança do outro, nem que seja por meio de um simples olhar.

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