//FALA, CIDADÃO!// Um recado aos vereadores


Marcelo de Souza

Em 2017 foram realizadas três audiências públicas para apresentação e discussão do Projeto de Lei 053, de 20 de setembro de 2017. O resultado dessas audiências pareceu sugerir que antes de se alterar as leis das construções o Plano Diretor da cidade seria revisado.

O Plano Diretor é o instrumento que deve nortear o crescimento da cidade, o mapa de uso e ocupação do solo, a lei de zoneamento, a lei das construções e os critérios para as construções (taxa de ocupação, impermeabilização, gabarito, recuos etc).

O projeto reapresentado na sessão da Câmara Municipal no dia 20/5/2019 me parece ser exatamente o mesmo apresentado em 2017, inclusive no que diz respeito ao aumento da taxa de ocupação de 60% para 70% e da impermeabilização máxima de 70% para 80%.

De qualquer modo, as taxas de ocupação e de impermeabilização atuais, respectivamente de 60% e 70%, já podem ser consideradas exageradas quando percebemos que, de acordo com a lei das construções 2.288/1997 e com o próprio Projeto de Lei 053/2017,  valem para todo o município de Serra Negra, independentemente da vocação de cada área da cidade.

Taxa de impermeabilização de 70% no perímetro central já é observada. Na verdade, é possível que em alguns casos, muitas construções tenham impermeabilização além do que determina a lei ou até mesmo em todo o terreno. Talvez essas edificações da zona central são as que deveriam contar com caixas de retenção de águas pluviais.

Para bairros e áreas periurbanas, as taxas de ocupação e impermeabilização deveriam ser reavaliadas, levando em consideração a sua vocação, localização geografia, geologia,  topografia, aspectos sociais, etc. Para essas áreas, taxas de impermeabilização de 70%  já são excessivamente elevada e deveriam diminuir e não aumentar.

Adotar taxas de ocupação e impermeabilização de forma generalizada para toda a cidade é um erro e sabemos que os erros de hoje obrigarão soluções de engenharia para resolver problemas que aparecerão amanhã e quem paga a conta são os contribuintes.

Dinheiro que poderia ir para a educação, para a saúde, segurança, às vezes é empregado em obras de engenharia para resolver problemas de enchentes, por exemplo.

Percebe-se o desejo quase incontrolável para a aprovação deste projeto de lei, e para tal, tentam driblar um dos aspectos nefastos da elevadíssima taxa de ocupação e de impermeabilização proposta de forma generalizada para toda a cidade, por meio da solução “milagrosa” das caixas de retenção de águas pluviais, esquecendo que há outras variáveis envolvidas e diversos efeitos colaterais indesejáveis (aspectos sanitários, ambientais, geológicos e geotécnicos etc).

Tanto a Lei 2.288/1.997 como o PL 053/2017 não citam como essas caixas devem ser construídas, quais são os elementos que devem adotar para inibir a proliferação de insetos e outros animais que podem interferir na saúde pública (zoonose). Não especifica os critérios para garantir a inspeção e limpeza e, também, não fala em como seria feita a sua fiscalização frequente. Não especifica condicionantes geotécnicas para sua instalação e fundação.

O papel aceita tudo, mas na prática a história é outra. Prova disso acontece rotineiramente e, recentemente, por exemplo, a aprovação pelo Legislativo de uma lei que vai permitir a regularização do irregular. Talvez o irregular só exista pela deficiência da fiscalização? E agora com todas essas novas leis a fiscalização vai ser efetiva?

Outro aspecto negativo é que este projeto de lei pode ser considerado cruel com uns e benevolente com outros. Por exemplo, um lote de 360 m2 com uma área impermeabilizada de 288 m2 (80%, conforme PL-053/2017), deixando uma área permeável de apenas 72 m2.

Outro lote, com a mesma área impermeabilizada (288 m2), porém com área total do terreno de 1.000 m2, mantém uma área permeável de 712 m2, ou seja, quase dez vezes maior do que a do primeiro lote.

Obviamente o proprietário do segundo lote é, do ponto de vida ambiental, mais amigável do que o do primeiro e é também menos prejudicial à cidade no quesito escoamento superficial/enchente.

Porém, pelo projeto de lei, ambos proprietários arcarão com os mesmos custos de construção e manutenção de uma enorme caixa de retenção de pelo menos algo em torno de 2,6 m3. Isso é justo?

Ou seja, o segundo proprietário, que tem uma postura mais amigável com o meio ambiente e com a cidade, vai gastar a mesma quantia para a implantação e operação de uma caixa de retenção (custo de projeto, movimento de terra, materiais, calhas, condutores, concreto, aço etc).

Atualmente, a lei municipal das construções 2.288/1997 e mesmo este projeto de lei 053/2017 não oferecem nenhum incentivo a práticas verdes, o que mostra que continuamos caminhando na contramão dos tempos atuais, que recomendam incentivar a adoção de medidas verdes nas construções (aumento de área permeável, incentivo do uso de água de reúso, aquecimento solar, geração de energia fotovoltaica, plantio de árvores, iluminação natura, etc).

Outro aspecto que pode ser passível de crítica nesse projeto de lei é que a formulação apresentada para a determinação do volume da caixa de retenção parece ser uma cópia da lei 13.276/2002 da capital paulistana. Será que esses parâmetros, do ponto de vista hidrológico, valem também para a Serra Negra? Os autores do projeto de lei poderiam disponibilizar os estudos hidrológicos que resultaram nos parâmetros que estão propondo?

Ainda na capital paulista a fórmula para o cálculo do volume da caixa de retenção vale apenas para áreas impermeabilizadas acima de 500 m2. Aqui em Serra Negra quem construir uma casa de 100 m2 vai ser obrigado a ter uma caixa de retenção. Isto é razoável?

Quem mantém uma área impermeável baixa (inferior a 40% por exemplo) vai ter que fazer caixas de retenção também? É correto?

Talvez os autores do projeto e todos os vereadores favoráveis a esse projeto de lei não estejam percebendo as dimensões das caixas de retenção e os problemas que poderão aparecer quando elas se proliferarem nas encostas serranas. Será que não estamos criando novas potencias áreas de risco de instabilidade de encostas devido a possíveis infiltrações provocadas pela deformação dos maciços terrosos com eventuais infiltrações? Não se poderá aumentar o risco à estabilidade de encostas se instalarmos dezenas, centenas de caixas de retenção e tubulações nelas?

Portanto, este “textão” é um apelo aos vereadores para que, por um momento, deixem de lado questões políticas e foquem nos aspectos técnicos que certamente não foram debatidos amplamente.

Caso esse projeto de lei seja realmente tão urgente, que pelo menos sejam convocadas audiências públicas para ampliar o debate. Por que em 2017 houve audiências públicas e agora em 2019 este projeto de lei está correndo no Legislativo às pressas e sem o devido debate público?

A responsabilidade do vereador é grande nestes momentos que decidem por leis que podem afetar o dia a dia da cidade e a qualidade de vida dos seus moradores.

Lembro um trecho de um dos discursos do ministro juiz Luís Roberto Barroso, que pode ser extrapolado para o encaminhamento das coisas que acontecem nesta cidade e, do julgamento e escolhas que nossos nobres vereadores fazem nas sessões do Legislativo: “...temos um modelo que extrai o pior. Todas as pessoas têm em si o bem e o mal, é da condição humana. O processo civilizatório existe para que as pessoas reprimam o mal e potencializem o bem. O sistema político brasileiro faz exatamente o contrário. Ele reprime o bem e potencializa o mal, de modo que é uma história de terror, porque para onde você olha, existem coisas erradas...”

Senhores vereadores, neste momento escolham o caminho do bem. Votem contra esse PL 053/2017 ou pelo menos abram espaço para que os munícipes sugiram emendas ou convoquem audiências públicas para o debate.

E cobrem do Executivo agilidade para a discussão e elaboração de um Plano Diretor, um mapa de uso e ocupação do solo, uma lei de zoneamento, uma nova lei das construções, uma nova lei para obras de terraplenagem e dos planos de mobilidade e acessibilidade urbana.

Permitir elevadas taxas de ocupação e de impermeabilização de forma generalizada para todo o município me parece ser um erro grave. Se querem seguir adiante com essas elevadas taxas de ocupação, impermeabilização e caixas de retenção, que pelo menos limitem este projeto de lei à zona central.

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