//SALETE SILVA// Corrida de rua é para todos

Cartaz promocional da 2ª corrida em prol do Lar dos Velhinhos, em 2019

Considerado um esporte democrático, a corrida de rua reúne atletas de elite, amadores que frequentam corridas para melhoria do desempenho, conciliando a rotina de trabalho e o esporte, e as pessoas que usam a corrida apenas para sair da vida sedentária, além dos corredores com necessidades especiais.

A Corrida do Lar dos Velhinhos São Francisco de Assis foi uma das mais famosas realizadas em Serra Negra até em 2020, quando chegaria à sua terceira edição e teve de ser cancelada devido à pandemia. Desde então, não foi retomada. Além de reunir todos os perfis de corredores, boa parte deles da cidade, o evento era organizado por moradores e os próprios voluntários da instituição para a qual se destinavam os recursos provenientes da taxa de participação no evento.

Nos últimos anos, as corridas de ruas, muitas das quais realizadas e apoiadas por prefeituras, estão se transformando em “eventos fashions”, segundo Saulo Neves de Oliveira, doutor e mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Essa transformação, ele avalia, afasta a modalidade do conceito de direito social dos esportes previsto na Constituição.

As "corridas fashions" se voltaram para participantes de maior poder aquisitivo. A produção dessas corridas acaba se sobrepondo a valores tradicionais da corrida de rua, como a busca por uma qualidade de vida melhor, integração social, atividades competitivas, lazer e o acesso de participantes de todas as classes sociais.

Os indivíduos com uma melhor condição social são os principais frequentadores desse evento. Um estudo sobre corrida de rua e política pública, de Jeferson Roberto Rojo, doutor em Educação Física e professor adjunto da Universidade Estadual de Maringá, realizado em 2017, estimou em R$ 518 o gasto médio de um corredor para realizar provas fora de sua região.

Além disso, a construção de um estilo de vida desses atletas envolve gastos com equipamentos e vestuário, como tênis, shorts, relógio e bonés, entre outros. Vários segmentos da economia giram em torno da prática da corrida de rua, entre os quais alimentos, confecções, equipamentos, mídias, eventos, indústria farmacêutica e finalmente o turismo, no qual a Prefeitura de Serra Negra e representantes empresariais ligados à atual gestão estão apostando.

O estudo de Rojo cita como exemplo Foz de Iguaçu, com grande potencial turístico e que ao realizar eventos de corrida de rua constatou que 57% dos corredores levam seus familiares, o que acaba por aquecer a economia local. Uma única corrida, diz a pesquisa, pode movimentar entre R$ 1,5 milhão e R$ 6 milhões, sendo que 40% desse valor fica em despesas com turismo, hospedagem e lazer.

Largada da corrida de rua do Lar dos Velhinhos, em 2019: esporte e filantropia


O prefeito Elmir Chedid parece apostar nesse cenário que enche os olhos dos turistas e atrai mais visitantes para o município. Só a cópia da Fontana Di Trevi não tem sido suficiente para atrair os visitantes. A estratégia é criar eventos no local para manter a cidade na mídia.

A prefeitura já providenciou um vídeo para compartilhar em suas redes sociais sobre a 1ª Corrida da Fontana di Trevi realizada no fim de fim de semana passado em Serra Negra, com a participação de 600 atletas, a maioria turistas.

Corredores serranos que frequentam as redes sociais de corridas nacionais e internacionais tiveram acesso à informação e marcaram presença no evento. Corredores serranos não tão conectados com esse mundo das corridas de rua não tiveram acesso à informação. Os praticantes do esporte de classes sociais mais baixas se queixaram do valor de R$ 90 da taxa de participação.

Para não perder o conceito de esporte como direito social previsto na Constituição, um evento de corrida de rua tem de contemplar todos os perfis de participantes. Além disso, tem de estar dentro de uma estratégia do município de estímulo ao Esporte, à saúde e benefícios à comunidade, papel que bem cumpria a corrida do Lar dos Velhinhos São Francisco de Assis.

Serra Negra aprovou uma lei que cria um Conselho Municipal de Esportes em 2020. O órgão está desativado desde o primeiro ano de gestão do prefeito Elmir Chedid. Um conselho municipal é fundamental para a criação de políticas públicas que possam estimular o turismo, promover a corrida de rua e incluir os moradores.

Essa estratégia, no entanto, exige trabalho de longo prazo, planejamento e a participação popular. Não dá para produzir do dia para noite um vídeo que vai vender Serra Negra ao país e ao mundo como uma cidade da corrida e de quebra reeleger o comandante da cidade em ano de eleições municipais. 

O Viva! Serra Negra enviou perguntas para a assessoria de imprensa da prefeitura e para o secretário de Esportes, Danilo Cardoso Mainente, mas não obteve resposta até o fechamento deste artigo. 

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Salete Silva é jornalista profissional diplomada (ex-Estadão e Gazeta Mercantil) e editora do Viva! Serra Negra



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