//LUCAS CAMPOS PATRÍCIO// Turismo para quem?




Serra Negra sobrevive sob uma economia capitalista exploratória e monopolista. Isso aqui não é uma crítica ou um ataque. É apenas uma classificação, pautada por uma mínima noção econômica e simples pesquisas de um urbanista formado pela USP, que já viveu imerso em sociedades fundamentadas por quatro vertentes econômicas: capitalista, circular, criativa e solidária.

Quando pensamos em economia, é necessário englobar seu tentáculos, causas e consequências. Desta maneira, a visão integrada envolve também cultura, esportes, tecnologia, direitos humanos, segurança pública, transportes, moradia, entre outros. E, especificamente no caso de Serra Negra-SP e Guarda do Embaú-SC, local onde vivi no ano passado, turismo. 

Estabelecendo um paralelo entre ambas cidades, há uma distinção clara na abordagem econômico-turística. Para além das economias circular, criativa e solidária, que sustentam Guarda, existem seus efeitos. Ambos os casos possuem a finalidade do desenvolvimento. Contudo, capitalisticamente projetada, a economia serrana coloca o desenvolvimento econômico como único e exclusivo motor, enquanto a economia de Guarda alia isso como propulsor para o desenvolvimento ambiental, social e, como retorno, turístico. A isso, deu-se um nome específico para diretrizes: turismo regenerativo.

Aqui, todo o investimento público que é feito, advindo dos impostos que todo cidadão serrano paga, é voltado para atrair mais turistas. Aliado ao esforço de marketing e sazonalidade de atuação (férias - dezembro-janeiro, junho/julho), tem efeito: aumenta o fluxo, aumenta o faturamento dos estabelecimentos. Aumenta o poder econômico dos empresários, exponencialmente. O dos trabalhadores não aumenta. Segue a inflação de maneira linear. Quem financia esse tipo de desenvolvimento é também o meio ambiente, o Alto da Serra, o Morro do Cristo, por meio da transformação desses espaços para receber o turista. Por meio também do lixo deixado, da poluição sonora e ambiental, enfim, da exploração. 

Lá na Guarda, ocorre o oposto. A menos que o turista saia educado ambientalmente, os trabalhadores tenham salários equivalentes e as trilhas e praias sejam preservadas, a obtenção de lucro e realização de obras públicas não serão feitas. Prefeitura, setor hoteleiro, gastronômico, moradores e turistas trabalham juntos por essa causa. Um exemplo claro disso é a Associação Pro Crep: https://procrep.org/. Uma cooperativa que movimenta bastante dinheiro por intermédio e para essas causas. Da mesma maneira que parte dos restaurantes, bares e hotéis.

Essas diferenças causam impacto na cidade: lá, cada vez mais turistas são atraídos, a Guarda e todas as bacias hidrográficas e formações rochosas do redor se mantêm como referência de reserva natural e de surf, uma das maiores do Brasil. Uruguaios, argentinos, franceses, italianos, alemães, buscam o local. E quando chegam, se envolvem nos projetos, deixando conhecimento abstrato e concreto: workshops, espaços novos etc. Isso atraiu investimentos, de maneira que empresários japoneses constroem iniciativas de escolas de música. Sempre, com o aval dos moradores. 

Aqui, a porção e perfil de turistas atraídos é a mesma com o tempo, linearmente. Serra Negra estatisticamente já ocupou o topo da hierarquia das cidades do Circuito das Águas e hoje não ocupa. O dinheiro do turismo é totalmente canalizado para o comércio, que faz melhorias nos estabelecimentos, e o caráter é o mesmo: gastronomia e hotelaria. Não há conhecimento novo deixado pelos turistas aqui. Apenas consumo. A população serrana, classe trabalhadora, morando longe do Centro, pois a moradia é barata, e sustentando tudo isso. Saúde, esportes, cultura, tecnologia, direitos humanos e transportes continuam os mesmos, precários. Filas e filas. Disfuncionalidades. Mortes. Doenças. Drogas. Falta de profissionais. Recursos temos, mas falta direcionamento.

A sazonalidade dos investimentos aqui é expressa nos momentos de alta temporada ou de eleições, a cidade inteira fica feliz, apesar dos salários continuarem o mesmo. O nome disso é pão e circo político, uma ferramenta de captação de votos popularizada a partir de 1920 no Brasil. Fora das temporadas, há consequente quebra de comércios, falência de estabelecimentos, mais mortes, mais doenças, mais sujeira. Dependência, mais drogas, mais tipos de drogas circulando. Cigarro, bebida. Tudo isso reflexo do que aconteceu na temporada alta. 

Até quando a gente vai deixar que nos intoxicam com substâncias, repressão e ideologias falsas?

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Lucas Campos Patrício é graduado em arquitetura e urbanismo pela USP

Contato: lucascampospatricio@gmail.com


Comentários

  1. Até quando a gente vai deixar que nos intoxicam com substâncias, repressão e ideologias falsas? Na minha modesta opinião, para sempre....infelizmente!

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    1. Oi JR Fidalgo, aqui é o Lucas, quem escreveu a resportagem. Imagino que viver dentro de um sistema é uma possibilidade de pensar fora dele, e, aos poucos, da mesma maneira, ressignificar substâncias, repressão e ideologias. De pessoa para pessoa, do individual para o coletivo. Eleição, na minha visão, é o nó de encontro individual x coletivo através da representatividade. Depois, projetos e processos a longo prazo.

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