//CARLOS MOTTA// Mais um ano se passou, Serra Negra. E o que mudou?



"Mais um ano se passou..." O verso da bela canção "A Lua e Eu", do saudoso cantor e compositor Genival Cassiano dos Santos, o Cassiano, que ajudou a temperar os ritmos brasileiros com o balanço da americana e negra soul music, cai, como se costuma dizer, como uma luva no resumo do que foi este 2023 nas diversas áreas sob a responsabilidade da administração pública da cidade. 

Isso porque o ano passou e, fora alguns destaques pontuais, tudo permaneceu na sólida imobilidade que marca Serra Negra há décadas. Prefeitura e Câmara Municipal continuam trabalhando como se o mundo - e por consequência a cidade - estivesse ainda nos anos 70 do século passado.

Não há no município nenhum esforço para integrar a população no processo decisório, procedimento central das democracias, ou mesmo de debater profundamente com a comunidade questões vitais para o seu desenvolvimento. Algumas iniciativas, como a ida do prefeito a alguns bairros para ouvir a população, se serviram para as autoridades conhecerem melhor as mazelas do povo, não tiveram consequência estruturante.  

O projeto de lei mais importante do ano para Serra Negra, o que renovou o Plano Diretor da cidade, foi aprovado de afogadilho, depois de simulacros de audiências públicas, nas quais as críticas e sugestões de arquitetos, engenheiros, ambientalistas e outros técnicos, foram solenemente desprezadas.

Esse tipo de conduta por parte do Legislativo, de aprovar sem nenhuma análise ou discussão os textos procedentes do Executivo, não ocorreu somente no caso do Plano Diretor. É a prática desta Legislatura. Por isso se fala que Serra Negra não tem vereadores, mas aprovadores.

Dito isso, vamos apontar alguns fatos que se sobressaíram, por circunstâncias diversas, neste 2023 serrano: 

Turismo

A inauguração da cópia da Fontana di Trevi foi, sem dúvida, o ponto alto das ações na área do turismo na cidade em 2023. Serra Negra, com isso, voltou ao noticiário nacional e a curiosidade em ver a réplica do monumento trouxe muitos visitantes para o município. O maior afluxo de turistas, porém, não foi apenas devido ao monumento: o fim da pandemia de covid-19 despertou nas pessoas a necessidade de sair de casa, refazer o vestuário ou retomar o lazer interrompido.

Também merecem ser citadas as notícias sobre a construção de um mirante no Alto da Serra e a revitalização do Casco de Ouro, ambas no próximo ano. A primeira é uma obra polêmica; a segunda, necessária.  

Já as tão faladas rotas turísticas, criadas para fazer o visitante permanecer mais tempo na cidade, ainda estão em estágio incipiente, e portanto incapazes de serem verdadeiros atrativos. 

E nem turistas nem moradores viram ser resolvido um problema que está se tornando crônico: a falta de vagas de estacionamento de veículos no Centro nos fins de semana e feriados. Proibir ônibus de pararem na Praça Sesquicentenário foi uma medida que se mostrou não só ineficaz, mas prejudicial aos motoristas dos coletivos, que ficaram distantes de banheiros públicos e locais para fazer refeições.

Os festivais de inverno e verão apresentaram grande quantidade de espetáculos com baixa qualidade artística. Não é possível que não se arrume uma fórmula que equilibre esses dois fatores e proporcione aos turistas e serranos lazer e cultura ao mesmo tempo.

O Carnaval foi outro ponto de polêmica. Ao investir no estilo "família", deixou de lado o público jovem, que se deslocou para cidades vizinhas em busca de entretenimento.

Ponto extremamente negativo na área do turismo foi o abandono de parques públicos, como a represa Santa Lídia e o São Luiz. Degradados, expõem a indiferença da administração atual com a necessidade de lazer da população.

Saúde

O atendimento nos postos de saúde e no Pronto Socorro do Hospital Santa Rosa de Lima, sob responsabilidade da prefeitura, lidera com folga o ranking das reclamações dos serranos em relação ao trabalho do Executivo. Entra ano, sai ano, parece que tudo continua igual: faltam médicos, os exames laboratoriais são demorados, o hospital carece de insumos... A impressão é de que a reforma promovida na área do PS do hospital veio tarde e não será suficiente para diminuir o mal estar de quem precisa passar por ali.

Para piorar, houve a crise no Centro de Especialidades Odontológicas do Conisca, que ao terceirizar sua operação, deixou em pânico centenas de pacientes.

A terceirização dos serviços públicos, principalmente em áreas sensíveis como a saúde, não é uma boa ideia. Pode, como quer a prefeitura, reduzir gastos, mas implica uma queda na qualidade de atendimento e muitas vezes resulta na quebra da confiança que deve existir entre médico e paciente.

Educação


O projeto Infância Conectada, que custou cerca de R$ 1,7 milhão aos cofres públicos, foi criticado por vários especialistas. Para eles, crianças da faixa etária atendida pelo projeto deveriam, em vez de mergulhar no mundo digital, se socializar e brincar no mundo real. Críticas também foram feitas ao que se gastou com o projeto e ao fato de ele utilizar o sistema operacional IOS, exclusivo da Apple, e não o Android, comum a várias marcas.

Zeladoria

O centro da cidade está limpo, bonito de ver, como se estivéssemos no Primeiro Mundo. Os turistas andam por ali e são só elogios.

Mas Serra Negra é mais que o Centro, mais que a Praça João Zelante com seus bares e restaurantes e a Rua Coronel Pedro Penteado com suas lojas.

Há a periferia, os bairros mais afastados, a zona rural - e seus inúmeros problemas, da infraestrutura ao transporte, da saúde pública à habitação.

Uma cidade turística não pode ser apenas um cenário deslumbrante para os visitantes. Precisa ser também saudável, boa, agradável, inclusiva, para seus moradores.

E mais...

Algumas considerações finais sobre o 2023 serrano:

⬤ A mudança do Paço Municipal para o Centro de Convenções foi positiva e será boa para a cidade. Mas não foi muito boa para quem não tem condução própria para chegar lá. Atravessar a rodovia a pé é muito perigoso. Resta o transporte público, que é pago. Numa cidade onde a renda média do trabalhador é a mais baixa da região, por que não isentá-lo desse custo?

⬤ Já a mudança da Câmara Municipal para a Praça Sesquicentenário foi inócua no que diz respeito à propalada intenção de levar mais munícipes a acompanhar o trabalho do Legislativo. As sessões continuam às moscas, com exceção daquelas festivas. A rotina das aprovações cansa e provoca tédio. O enredo do filme é sempre o mesmo e os atores são ruins.

A propaganda institucional ou oficial está prevista no § 1º do Artigo 37 da Constituição Federal: "A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos." Sendo assim, atos, programas, obras, serviços e companhas dos órgãos públicos podem ser divulgados, mas tal divulgação não pode conter nomes, símbolos, imagens, ou logomarcas que caracterizem a promoção pessoal de autoridades ou servidores. Autoelogios, portanto, são proibidos. Prefeitos não podem usar dinheiro público para autopromoção. Mas quem vê as publicações oficiais nas redes sociais não fica com a impressão de que Serra Negra é o paraíso terrestre? 

⬤ Muito mais poderia ser escrito nestas mal traçadas. Uma cidade é um mosaico de sentimentos e emoções, um tecido multicolorido que se adapta a todo tipo de pele. Cabe a nós, cidadãos, fazer o possível para que essa intrincada engrenagem funcione da maneira mais satisfatória possível para todos. Fiscalizar e criticar os governantes e suas ações não só faz bem à comunidade, mas é algo imprescindível no exercício da cidadania.

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Carlos Motta é jornalista profissional diplomado (ex-Estadão, Jornal da Tarde e Valor Econômico) e editor do Viva! Serra Negra



Comentários

  1. "Eu vejo o futuro construir o passado, vejo um museu de grandes novidades." O Tempo Não Para", Cazuza e Frejat.

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