//CARLOS MOTTA// Engenheiro explica como melhorar a manutenção das ruas de terra



O engenheiro civil Marcelo de Souza, colaborador do Viva! Serra Negra, publicou detalhado comentário a uma publicação do prefeito Elmir Chedid em rede social, na qual o chefe do Executivo serrano informava sobre as visitas que tem feito a bairros, "especialmente na zona rural", neste período de chuvas, "para verificar as condições das estradas". 

Em suas observações, Marcelo ressalta que "é visível que a Secretaria de Serviços Municipais ganhou com a entrada do Divaldo De Santi", pois, segundo diz, percebe-se "que o secretário trabalha muito e faz a garagem municipal funcionar". Feita essa colocação, ele pondera que "apesar de todo o empenho da prefeitura e do esforço e dedicação do secretário e seus auxiliares, acredito que no que diz respeito à conservação e manutenção das ruas e estradas de terra, a metodologia adotada e os materiais empregados não ajudam e poderiam ser melhorados".

No texto que se segue, Marcelo, que se dedica a estudar e propor soluções para vários problemas ambientais da cidade, faz uma série de sugestões à prefeitura, para que as obras de manutenção das ruas e estradas de terra da cidade sejam mais eficientes. 

Ele termina seu comentário à publicação do prefeito convidando-o a visitar a rua em que mora, a fim de que possa explicar, mais detalhadamente, as soluções que propõe.

Uma leitura atenta de seu texto é imprescindível, não só como objeto de reflexão pelos técnicos da prefeitura, mas também como exemplo de que o exercício da cidadania é algo de inestimável valor para o desenvolvimento de nossa comunidade.

A seguir, a íntegra de seu comentário:

Os serranos constantemente reclamam, com razão, das condições das ruas e estradas de terra.

Moro aqui faz nove anos e sempre ouvi ou li reclamações das pessoas que moram ou que usam frequentemente uma rua ou estrada de terra.

É visível que a Secretaria de Serviços Municipais ganhou com a entrada do Divaldo De Santi. Percebe-se que o secretário trabalha muito e faz a garagem municipal funcionar. Não é fácil manter mais de 200 km de ruas e estradas de terra numa região serrana, principalmente na época de chuvas e, simultaneamente atender as outras tantas demandas da cidade. Tenho certeza que o De Santi tem o reconhecimento dos munícipes.

Mas apesar de todo o empenho da prefeitura e do esforço e dedicação do secretário e seus auxiliares, acredito que no que diz respeito à conservação e manutenção das ruas es estradas de terra, a metodologia adotada e os materiais empregados não ajudam e poderiam ser melhorados.

Dois aspectos chamam mais a atenção e que tenho insistentemente comentado desde 2014 pelo menos:

1. Parece existir uma despreocupação com o caminho das águas pluviais nas ruas e estradas de terra e, por isso, as erosões surgem após duas ou três chuvas moderadas ou apenas uma chuva mais intensa. A drenagem precisa ser pensada ou repensada:

a. As laterais da via precisam ser respeitadas priorizando o fluxo das águas. Muitos moradores interrompem as laterais da via para acomodar rampas de acesso às garagens. Quando chove, a água é barrada pelo acesso irregular e acaba sendo desviada para o meio da rua intensificando as erosões;

b. Mesmo nas ruas e estradas de terra precisa ser considerada a possibilidade da utilização de elementos que recolham e conduzam adequadamente as águas. Sarjetões (de paralelepípedos, de concreto, mesmo de argila e brita compactada etc) ou leiras (lombadas de solo argiloso compactado) podem ser úteis se instalados em pontos estratégicos, de forma a quebrar a energia da água e conduzi-la adequadamente para as laterais da via e/ou poços de infiltração ou pequenas bacias de retenção provisória;

2. O material colocado nas ruas e estradas de terra não é adequado. O que a prefeitura chama de cascalho se assemelha mais a um saibro. Cascalho é originado em leitos de rios ou nas margens aluvionares destes e, devido sua formação, são arredondados e com uma granulometria mais uniforme. Saibro é um solo proveniente da alteração de rochas com elevado teor de silte e areia fina com alguns fragmentos de rocha alterada. No caso de Serra Negra, são solos muito suscetíveis às erosões nas chuvas e à geração excessiva de poeira depois de um ou dois dias de sol. Falta uma fração de argila para dar a liga necessária ao material granular e, com isso, minimizar e poeira e tornar o revestimento mais resistente e, portanto, se economizar na frequência dos serviços de manutenção.

Cada fração granulométrica do solo tem a sua função no pavimento de terra: a argila é a liga dos solos granulares areia e cascalho. A fração granular dá a resistência mecânica do revestimento e garante melhor aderência dos pneus dos veículos. Sem argila, o serviço é deficiente e de curta vida útil, gerando mais frequentemente desconforto (buracos e poeira), gerando maior insegurança (baixa aderência) e, obrigando manutenções mais frequentes o que incomoda a rotina dos bairros e custa aos cofres públicos.

Acredito que o serviço de conservação e manutenção poderia ser melhorado, oferendo maior conforto aos moradores lindeiros (diminuição da poeira), maior segurança ao tráfego (maior aderência) e, trazendo economia a médio prazo (diminuição da frequência dos serviços de manutenção).

Existe também o aspecto ambiental que, sendo o material empregado muito suscetível à erosão, o carreamento de solo e o assoreamento das drenagens naturais e urbanas são inevitáveis. Depois gasta-se mais tempo, mais energia e mais dinheiro para limpar bueiros, galerias, córregos e lagos assoreados.

Por estes motivos e por outros, sugeri que a equipe que está trabalhando no Plano Diretor leve em consideração aspectos geológicos e geotécnicos. Não é apenas colocar um mapa geológico no texto do Plano Diretor e colar alguns parágrafos que descrevem a geologia e a geotecnia da cidade e sim, considerar no plano aspectos geológicos e geotécnicos de forma a se otimizar os solos locais, se evitar áreas de risco, mitigar problemas em áreas de risco etc. É importante haver uma interação da geologia local com as diretrizes do plano. Precisamos considerar a geologia e a geotecnia a nosso favor.

Será que não existem áreas no município com depósitos naturais de argilas que poderiam ser exploradas para o uso nos revestimentos das ruas e estradas de terra? Aí entra o mapa geológico e o mapeamento geológico de campo que poderia ser feito por um geólogo local ou da região.

Existe também a possibilidade do emprego do material proveniente da fresagem asfáltica para revestir as estradas de terra. Em Serra Negra são frequentes as obras de recapeamento e agora quando se prevê obras de melhoria do pavimento asfáltico de algumas estradas municipais, acredito que vai sobrar material de fresagem asfáltica. Por que não usar nas ruas e estradas de terra?

Talvez não seja o caso de Serra Negra, mas na ausência de material granular, pode-se empregar resíduos da construção civil devidamente selecionados, triturados e moídos.

Em 1985 o IPT compilou num Manual boas técnicas de engenharia e de geologia para a manutenção de estradas de terra com o objeto a ajudar prefeituras, associações rurais, cooperativas etc.

Este manual coloca à disposição dos órgãos responsáveis pela manutenção das estradas de terra considerações sobre os materiais e metodologias executivas. Recentemente a ABGE (Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental), com a autorização do IPT, soltou a 3ª edição revisada e atualizada em 2019. Eis o link: https://www.abge.org.br/manual_de_estradas_vicinaisVale a leitura. Muitos conceitos deveriam ser aproveitados e colocados em prática por aqui.

Dá pra fazer diferente e fazer a diferença. Ou pelo menos tentar, experimentar e avaliar os resultados.

Moro numa rua de terra e, com todo o respeito senhor prefeito, essa rua, apesar da baixa declividade, sofre surpreendentemente com erosão, os moradores sofrem fortemente com a poeira que é excessiva devido ao material empregado e ao tráfego frequente de caminhões, caminhonetes, utilitários etc, consequência de falta de planejamento urbano ou ausência de políticas para mitigar os impactos na vizinhança de novos empreendimentos.

Como aqui na rua o subleito é argiloso, possivelmente apenas o agulhamento de material granular selecionado já seria muito eficiente, claro, sem se esquecer do caminho das águas.

Gostaria que o senhor viesse pessoalmente, junto com os seus técnicos, visitar esta rua comigo. Eu poderia mostrar e esclarecer alguns aspectos técnicos e ver que algumas melhorias poderiam ser obtidas com pequenas intervenções enquanto não chega o asfalto (que considero urgente devido ao tráfego local).

E o que pode ser eficiente para esta rua, poderia ser replicado em ruas e estradas com geometria e geologia similares.

Fica o convite. O secretário de obras e infraestrutura tem o meu telefone. Carlos Bonásio e o secretário De Santi tem o número do meu telefone para agilizar o contato e agendar essa visita técnica.

Em tempo, note que eu pelo menos não falei que não estão trabalhando. Apenas estou sugerindo a discussão de técnicas e de metodologias que podem eventualmente melhorar os resultados do trabalho de manutenção das ruas e estradas de terra e melhorar consideravelmente a qualidade de vida dos moradores e usuários.

Isso seria bom para todos, para os moradores, para os usuários e para a própria prefeitura.

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Carlos Motta é jornalista profissional diplomado, ex-Estadão, Jornal da Tarde e Valor Econômico, e editor do site Viva Serra Negra



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