//SERRA NEGRA NA RODA// Racismo na região deve ser combatido com políticas públicas

 


A inclusão de ações afirmativas nas políticas públicas do município para combater o preconceito racial foi uma das principais sugestões apresentadas pelos entrevistados do Serra Negra na Roda transmitido na quinta-feira, 18 de novembro, que teve como tema o Dia da Consciência Negra, comemorado, neste sábado, 20 de novembro. O programa é produzido pela Casa da Cultura e Cidadania Dalmo de Abreu Dallari e apresentado pelos jornalistas Salete Silva e Carlos Motta. 

Participaram do debate a técnica de turismo e professora Luciana Ramos, o poeta, ambientalista e blogueiro Carlos Pinheiro, integrante do Coletivo Afro Caipira de Mogi Guaçu, e Fernando Ferro, representante da União de Negros pela Igualdade (Unegro) em Amparo e secretário de Combate ao Racismo do PT de Amparo.

Além da inclusão de conteúdos sobre o racismo e o preconceito racial nos currículos das escolas municipais, foram sugeridos a criação de um conselho municipal de igualdade racial, incentivo à contratação de negros pelas empresas, promoção de debates sobre consciência negra ao longo do ano, em especial em espaços públicos, para a participação popular, atendimentos de saúde pública com atenção especial às necessidades da população negra, como a anemia falciforme, e a criação de associações representativas da cultura afrodescendentes.

Os entrevistados ressaltaram a importância do primeiro debate sobre racismo e preconceito racial no município realizado pelo Serra Negra na Roda e a apresentação pelo PSOL de Serra Negra à Câmara Municipal de uma proposta de projeto de lei que prevê uma série de iniciativas a serem adotadas ao longo do ano em Serra Negra. Os vereadores se comprometeram a discutir e aprovar um projeto para combater o racismo no município.

“É inédito e muito necessário tocar nesse assunto. É difícil encontrar um negro que nunca tenha passado por uma situação de preconceito racial. Eu já passei várias, incluindo uma demissão por racismo”, afirmou Luciana. “Estar aqui hoje, poder tocar nesse assunto e falar é uma vitória. Agradeço muito a oportunidade”, acrescentou.

Primeira professora negra de uma escola particular de Serra Negra, Luciana lembrou as dificuldades que enfrentou no mercado de trabalho. “Me fiz no colégio Libere Vivere, a diretora Rosangela Simões sempre me valorizou, incentivou, mas enfrentei ao longo da minha vida profissional situações de discriminação como se a cor da minha pele fosse comprometer minha capacidade”, recordou Luciana.

Em seu depoimento, Luciana revelou que já foi demitida por racismo e relatou a história de sua mãe, entregue aos quatro anos a uma família branca, pela qual chegou a ser tratada como escrava: alimentava-se de restos de comida embaixo da mesa e dormia ao relento, o que provocou sérias doenças pulmonares e a perda de um dos pulmões.

“As crianças aprendem a história sobre a escravidão no Brasil nos livros, eu aprendi com a minha mãe”, afirmou. Luciana lembrou que o Brasil é um país racista e que Serra Negra não é uma bolha. “Alguns dizem que Dia da Consciência Negra é 'mimimi', mas quem diz que é 'mimimi' é um racista enrustido, disfarçado”, ressaltou.

O apagamento da história do negro é uma das principais características do racismo no Brasil, apontou Pinheiro. “É como se tudo o que tivesse sido feito no Brasil não tivesse nada relacionado com as mãos pretas”, afirmou o escritor.

Grandes personalidades negras, Pinheiro destacou, como o compositor Carlos Gomes, o intelectual Mário de Andrade, um dos responsáveis pelo movimento da Arte Moderna, e na região, o poeta Lino Guedes, do município vizinho de Socorro, nunca são citados nas escolas como grandes construtores deste país.

“Nós temos a construção de um país com sangue negro, mãos negras, mas depois se entrou num processo de esquecer essa contribuição e a gente ter de ficar calado e esquecer essas opressões, porque estaríamos pedindo demais”, salientou.

O racismo no Brasil, ele explicou, é estrutural. “Cadê o médico preto, se mais de 50% da população é negra?”, questionou. “Porque essa representação não está nos locais de decisão. Quantos vereadores pretos há na sua cidade? “, perguntou.

É o racismo estrutural que demanda cotas afirmativas, para que os negros tenham as mesmas oportunidades que não tiveram desde o dia seguinte de sua libertação. “Se em 14 de maio de 1888, um dia após a Lei Áurea, todos os filhos de negros tivessem direito à escola pública como tinham os filhos de brancos, teríamos negros em todos lugares, da faxineira ao CEO da empresa”, comparou.

Ele lembrou que é o primeiro negro da família a ingressar em uma universidade pública e obter um diploma de mestrado, graças às cotas raciais. Formado em administração pública pela Unesp/Araraquara, Pinheiro é mestre em gestão da água na bacia hidrográfica do Rio Mogi Guaçu pela Universidade de São Paulo (USP).

O artista Fernando Ferro alertou para a necessidade de conscientização dos jovens, que, embora apoiem as lutas antirracistas, ainda têm comportamentos e utilizam expressões preconceituosas.

“No interior de São Paulo e de outros Estados, o artista e o jovem são antirracistas, lutam contra o preconceito, porém ainda usam termos e comportamentos racistas”, afirmou. A melhor forma de conscientização, ele aponta, são as discussões em locais públicos, não apenas no Dia da Consciência Negra, mas ao longo de todo o ano. 

Assista a seguir à íntegra do programa:




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