//COMÉRCIO// Lojistas querem trocar IGP-M por IPCA na correção de aluguéis



Fátima Fernandes 


A troca do IGP-M pelo IPCA nos contratos de aluguel se tornou um dos maiores embates entre donos de imóveis e lojistas durante a pandemia do covid-19.

E não poderia ser diferente. Foi justamente no período de maior restrição de circulação de pessoas e fechamento do comércio que o IGP-M/FGV disparou.

No ano passado, esse índice acumulou alta de 23,12%, enquanto o IPCA/IBGE subiu 4,52% e o INPC/IBGE, 5,21%, como base de comparação.

No primeiro trimestre deste ano, o índice já acumula alta de 8,26% e, nos últimos 12 meses terminados em março, de 31,10%.

Um contrato de aluguel de R$ 10 mil reajustados pelo IGP-M de 2020 subiria para R$ 12.312. No caso do IPCA, para R$ 10.452. Uma diferença de quase R$ 1.900.

2020 foi o ano com a maior disparidade entre IGPM e IPCA de décadas, de acordo com Fábio Bentes, economista da CNC (Confederação Nacional do Comércio).

A inflação do IGP-M foi quase seis vezes maior do que a do IPCA.

“É o caso de substituir mesmo o IGP-M dos contratos de locação, já que representa uma pressão de custo absurda para os lojistas”, diz Bentes.

O aumento do valor de aluguel com base no IGP-M, afirma ele, está fora da realidade atual do comércio, que está com as portas fechadas.

A diferença entre o reajuste de contrato pelo IGP-M e pelo IPCA em um ano daria R$ 22.320, mais de dois meses de aluguel, considerando ainda o valor mensal de R$ 10 mil.

“Essa é uma situação que inviabiliza qualquer negócio”, afirma Bentes. No ano passado, 75 mil estabelecimentos comerciais já fecharam as portas no país.

Pressão

Passados mais de um ano de pandemia, a pressão para a troca do IGP-M nos contratos de aluguel ganha força de várias instituições.

A Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para o projeto de lei que determina a substituição do índice, usado nos contratos de locação desde 1991.

Com essa aprovação, o projeto deve ser votado nas próximas sessões do plenário.

Nota técnica do Sebrae Nacional também expõe a necessidade da troca do IGP-M, sugerindo a utilização do IPCA-15, que é divulgado no final do corrente mês.

Na ausência de alterações permanentes na estrutura de preços relativos da economia, diz a nota, todos os índices tendem a convergir no longo prazo.

“Entretanto, em períodos mais curtos, a ocorrência de descasamento entre o IGP-M e índices de preços ao consumidor é recorrente na economia”, cita o texto.

A sugestão do Sebrae é para o uso do IPCA-15, que utiliza a mesma cesta de consumo do IPCA, ou a cesta de consumo das famílias com renda até 40 salários mínimos.

A nota destaca que o IGP-M é sensível à flutuação cambial e à variação dos preços internacionais de commodities, impactando o atacado, com peso de 60% no índice.

Aplicação de reajustes de contratos acima de 20%, de acordo com o Sebrae, tem efeito devastador nos pequenos negócios, especialmente se coincidir com queda de vendas.

Salões de beleza

A combinação entre fechamento dos estabelecimentos e reajustes de aluguéis fez com que 90% dos donos de salões de beleza ficassem em dívida com os empregados.

“Sem o auxílio emergencial para a folha de pagamento, os empresários não conseguiram fazer o pagamento no dia 5 de abril”, diz José Augusto Nascimento Santos, presidente da Associação Brasileira dos Salões de Beleza (ABSB).

Isso quer dizer que 90% dos 6,250 milhões de profissionais do setor estão sem receber o pagamento de abril.

Desses, cerca de 2 milhões são recepcionistas, manobristas, estoquistas, auxiliares que trabalham pelo regime de CLT, com carteira assinada.

O setor reúne 1,2 milhão de CNPJ, dos quais 5% encerraram suas atividades nos últimos 12 meses, de acordo com a ABSB .

“Este é o número oficial, mas a informação que temos é que 27% dos salões sucumbiram com a pandemia, de acordo com os sindicatos”, afirma.

Levantamento do setor revela ainda que 73% dos donos de salões estão endividados, um percentual recorde, de acordo com Santos.

Os contratos de locação entre proprietários de imóveis e donos de salões com base no IGP-M não estão sendo pagos, diz ele, gerando uma grande inadimplência no setor.

“A nota técnica do Sebrae vai ser usada para sensibilizar a Justiça no sentido da troca do IGP-M pelo IPCA”, afirma o presidente da ABSB.

Um dos mais conhecidos salões de São Paulo, Studio W, fechou as portas no shopping Iguatemi Alphaville.

“Por conta da pandemia, ficamos com receio de assumir um novo contrato de cinco anos”, afirma Rosângela Barchetta, sócia do cabeleireiro Wanderley Nunes no salão.

Quase todos os 30 funcionários da unidade do Iguatemi Alphaville foram transferidos para os outros cinco salões em shoppings do grupo Iguatemi.

“Negociamos descontos e também estamos revendo os pontos para eventuais mudanças”, afirma.

O Studio W possui cerca de 100 cabeleireiros e quase 90 manicures e está preparado, diz ela, para voltar a operar com menor número de clientes em seus espaços.

A empresa decidiu ajudar os profissionais com algum dinheiro e também passou a vender voucher para serviços que podem ser pagos em até quatro vezes.

Os serviços, como tinturas, cortes e escovas poderão ser feitos assim que for liberada a abertura dos salões.

“Utilizamos a reserva financeira da empresa para ajudar a equipe e o pagamento das despesas jogamos para a frente”, diz ela.

Sem reserva financeira, muitos salões tiveram de fechar as portas.

Com três unidades em shoppings, o salão Square & Company Hair ficou apenas com a do shopping Metrô Tatuapé.

“Chegamos a ter 18 cabeleireiros e mais de 30 manicures em 2014. Hoje são 11 cabeleireiros e 12 manicures”, afirma Jefferson Massari, dono do salão.

Há sete anos, diz ele, todos os profissionais estavam contratados sob o regime da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Hoje, os profissionais são autônomos.

“Na fase laranja do Plano São Paulo, com 40% da equipe trabalhando, já não dava mais para cobrir os custos”, afirma ele.

Se os salões não reabrirem em breve, diz ele, metade das unidades vai fechar as portas até o final do ano em todo o país.

Pelo menos três unidades do salão Jacques & Janine - nos shoppings Eldorado e Anália Franco e na Rua Cardoso de Almeida, em Perdizes - fecharam as portas.

No Eldorado, o salão estava localizado na Praça de Alimentação desde a inauguração do shopping, em 1981.

Outros que não resistiram à crise foram o Ousare Hair, no Shopping Mauá, e o Pelle & Capelli, no Park Shopping São Caetano.

Esses são apenas alguns exemplos. Muitas esmaltarias também fecharam, como a Turquesa, no shopping Tatuapé, de acordo com Massari.

------------------------------------------------

Fátima Fernandes é jornalista especializada em economia, negócios e varejo e editora do site Varejo em Dia

Reportagem publicada originalmente no Diário do Comércio

 

Comentários