//CIDADANIA// O Brasil tem jeito, diz o professor Dalmo Dallari

Dalmo Dallari: "O egoísmo gera problemas sociais extremamente graves para todos"


O jurista Dalmo Dallari, um dos mais destacados do país, patrono da Casa da de Cultura e Cidadania Dalmo de Abreu Dallari, mantida pelo Diretório Municipal do PT local, gravou um vídeo em sua residência, em São Paulo, respondendo a uma série de perguntas sobre a conjuntura da política atual, os efeitos da pandemia do covid-19 na sociedade e as ameaças que vem sofrendo a Constituição de 1988.

Também falou sobre a sua trajetória em defesa dos direitos humanos e da cidadania e foi enfático em dizer que, apesar das dificuldades pelas quais passa hoje, o Brasil tem jeito: "As pessoas estão tomando consciência, mesmo aqueles que são superegoístas, que supervalorizam seus objetivos econômicos, esses estão percebendo que é necessário fazer alguma concessão, levar em conta também a situação dos mais pobres, dos marginalizados, para que se mantenha uma sociedade em que realmente os valores econômicos individuais e sociais sejam respeitados por todos e para todos."

Dalmo Dallari, é professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), e se mantém, aos 88 anos de idade, como um dos intelectuais mais respeitados do país e uma de suas mentes jurídicas mais lúcidas. 

Assista à sua entrevista:


Nascido em Serra Negra, estudou e passou a infância e parte da adolescência na cidade. Mudou-se para a capital paulista e lá se formou em direito pela USP, em 1957. Foi aprovado, em 1963, no concurso para livre-docente da disciplina Teoria Geral do Estado, na própria USP, e no ano seguinte passou a integrar o corpo docente da universidade. 

Nunca abandonou a vida acadêmica, embora a tenha dividido com inúmeras outras atividades: foi membro do Conselho Universitário e da Comissão de Legislação e Recursos da USP; da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, da qual foi presidente; da Associação Brasileira de Juristas Democratas; e do Instituto dos Advogados de São Paulo, do qual foi vice-presidente. Também presidiu a Fundação Escola de Sociologia e Política e foi secretário dos Negócios Jurídicos da Prefeitura do município de São Paulo, na gestão da prefeita Luiza Erundina.

A íntegra de sua entrevista é a seguinte:

- O senhor acredita que esta pandemia, como vários dizem, criará uma nova consciência social nas pessoas?

- Eu tenho absoluta convicção, porque o que ela está deixando muito evidente é que os efeitos são sociais. Então, a atitude egoísta de alguns que não se importam com os demais, essa atitude está sendo afetada, porque eles estão percebendo que o seu egoísmo gera problemas sociais extremamente graves que atingem a todos, então, inclusive os problemas que atingem as camadas mais pobres. Isso contribui para que as condições de vida de toda a sociedade sejam afetadas. Então, por essa razão, haverá, sim, uma espécie de superação involuntária do egoísmo. Eu acredito nisso, sim, que vai ser despertada, ou está sendo já despertada, uma consciência social, até mesmo por egoísmo, porque as pessoas percebem que os males sofridos pelos pobres se refletem em toda a sociedade. Então isso vai levar a uma consciência de vida associativa.

-  O senhor acha que a democracia no Brasil está ou não está ameaçada?
- Eu acho que não está ameaçada. O que está ameaçada é a eliminação dos privilégios, a persistência na supervalorização de objetivos econômicos, sobretudo dos mais ricos. Mas mesmo estes têm interesse em que a Constituição seja mantida, que os direitos fundamentais que ela assegura, a começar no direito à propriedade, mas o direito a se beneficiar das riquezas, isso é assegurado pela Constituição. Então por essa razão eu não vejo ameaça à Constituição.

- O senhor acha que não há uma tentativa deliberada de sepultar a Constituição de 1988?
- Não, eu acho que não há essa tentativa, de maneira alguma. O que se tem verificado é que alguns querem reduzir os benefícios aos mais pobres, querem diminuir os seus encargos, mas mantendo a Constituição, os direitos fundamentais que ela consagra, inclusive direitos individuais, econômicos e sociais, que são de grande interesse também dos egoístas e das camadas mais ricas.

- Como o senhor resumiria a sua atuação em prol da defesa dos direitos humanos e da cidadania no Brasil?
- Eu procurei atuar sempre primeiro por vias absolutamente pacíficas, mas a par disso despertando as consciências, chamando a atenção para a natureza associativa do ser humano, para a necessidade de redução das violências, das marginalizações, para que também as camadas mais ricas não sejam prejudicadas, porque o que agora está mais do que evidente é isso, é essa discriminação, a marginalização das camadas mais pobres, ou seja por motivo de riqueza, ou por motivos raciais, isso acaba trazendo consequências negativas para toda a sociedade. Eu acho que isso está agora mais do que evidente.

- Podemos concluir que o senhor acha que o Brasil tem jeito?
- Eu acho que o Brasil tem jeito, sim, porque as pessoas estão tomando consciência, mesmo aqueles que são superegoístas, que supervalorizam seus objetivos econômicos, esses estão percebendo que é necessário fazer alguma concessão, levar em conta também a situação dos mais pobres, dos marginalizados, para que se mantenha uma sociedade em que realmente os valores econômicos individuais e sociais sejam respeitados por todos e para todos.

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