//ANÁLISE// Na nova política de Bolsonaro, luta pela vida é artigo de negociação política


Fernando Pesciotta

Em seu best-seller mais recente, 21 Lições Para o Século 21, o escritor israelense Yuval Noah Harari, um dos mais festejados do mundo na última década, observa que todos nós votamos movidos pela emoção. São raros os casos de eleitor que toma essa decisão de forma racional.

Essa constatação ajuda a explicar os fenômenos recentes no Brasil. A eleição de 2018 motivou a maior renovação da história do Congresso. A Câmara tem 243 deputados, ou 47,3% do colegiado, em primeiro mandato. No Senado, das 54 vagas colocadas em disputa, 46 foram preenchidas por novos nomes, o que significa uma renovação de 85%.

Segundo a teoria de Harari, consagrada na publicidade eleitoral há anos, o eleitor se deixou levar pela emoção a partir do que se propagava pela imprensa, pelas chamadas novas mídias e, principalmente, pelas redes sociais. Para ficar em apenas um exemplo, lembro a famosa mensagem distribuída por grupos bolsonaristas alardeando o uso de mamadeiras de piroca por governos petistas. Quando se provou a falsidade de mensagem tão estúpida, Inês já era morta.

A julgar pelos últimos acontecimentos, essa massa que agiu pela emoção deve estar profundamente arrependida ou ao menos irritada. São muitas e profundas demonstrações de que a tal nova política não existe. No fundo, aqueles que se diziam críticos dos políticos não passavam de oportunidades ávidos por assumir o lugar e fazer exatamente as mesmas coisas que condenava.

Como observa a Folha nesta sexta-feira, 24 de julho, o presidente Jair Bolsonaro tem traído o candidato Bolsonaro ao aprofundar as relações com o Centrão a ponto de deixar na chuva aliados de primeira hora. O capítulo mais recente é a destituição de Bia Kicis da vice-liderança do governo no Congresso. Bia sempre foi uma verdadeira terrorista digital em defesa das bandeiras do bolsonarismo.

Mais nepotismo

A ironia é que a deputada foi afastada sob justificativa de ter votado contra o Fundeb por alinhamento com o governo. Conforme o jornal, novas trocas serão feitas na articulação política do Planalto para ampliar o espaço do Centrão. De acordo com O Globo, além dos filhos de generais assentados no governo, os novos aliados de Bolsonaro estão indicando parentes para cargos na máquina governamental.

As práticas do governo Bolsonaro são piores do que da velha política. Segundo denunciou ontem o senador Major Olímpio, eleito na chapa bolsonarista, o Planalto fez ofertas de R$ 30 milhões em emendas parlamentares a senadores para que votem com o governo. A oferta de recursos públicos é para iniciativas de combate ao coronavírus. Ou seja, na nova política de Bolsonaro e seus generais de reputação ilibada, a luta pela vida na pandemia virou artigo de negociação política.

O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, fez campanha junto com Bolsonaro e foi um dos representantes da nova política a chegar ao poder. Está todo enrolado em denúncias de corrupção e corre o risco de ser afastado.

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Fernando Pesciotta é jornalista e consultor em comunicação. Contato: fernandopaulopesciotta@gmail.com

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