//ANÁLISE// A Faria Lima sustenta Bolsonaro no governo


Fernando Pesciotta

O brasileiro não é o homem cordial, é o homem boçal, e nunca este País foi tão boçal como agora. A conclusão é do professor de História da Arte da Unicamp Jorge Coli, em artigo publicado pela Folha neste domingo, 19 de julho.

Na sua live semanal, Jair Bolsonaro disse, em tom de ameaça, que ainda não assinou a proibição de queimadas na Amazônia. O decreto, porém, já havia sido publicado. O articulista Bruno Boghossian usa o episódio para expor a dúvida se o presidente apenas mente ou é incompetente, se Bolsonaro mente ou mostra total desconhecimento de seu próprio governo.

O que se vê nesses dois exemplos de críticas é a caracterização da inegável perda de respeito do governo Bolsonaro perante as cabeças mais ilustres do País e do mundo. Conforme explica Coli em seu artigo, grande parte dessa perda de respeito foi provocada pelo próprio presidente, por sua incompetência, mentiras e verborragia miliciana.

Horas depois de Bolsonaro ter mentido mais uma vez, Henrique Breda, gestor do Alaska, uma das maiores administradoras de investimentos do País, disse que quando ouve a palavra “desigualdade” fica com um pé atrás. “Não me importo se a camada mais sofrida do Brasil melhorar quatro vezes de qualidade de vida e a família Moreira Salles subir dez vezes na qualidade de vida. A desigualdade aumenta, mas você melhora a qualidade de vida da base. A discussão não deveria a desigualdade, mas a criação de riqueza.”

A manifestação de Breda, num grande evento promovido pela XP, é reveladora da responsabilidade que o mercado financeiro tem sobre o estado de coisas no Brasil. Ela respalda a falta de ações do Planalto em favor do social. Ao apoiar sem censura o governo pensando no liberalismo defendido pelo ministro Paulo Gurdes, investidores, financistas, banqueiros e toda a turma da Avenida Faria Lima acabam passando pano em todos os absurdos cometidos por Bolsonaro.

No mesmo dia em que Breda falava aos farialimers, o novo ministro da Educação tomava posse sem mencionar nada sobre o Enem, a eminente tragédia do Fundeb, a desorientação para a retomada das aulas, a falta de livros didáticos em todo o País.

Nesta segunda-feira, 20 de julho, a Folha noticia que Paulo Guedes quer usar os recursos do Fundeb para pagar o Renda Brasil e não causar mais desequilíbrio fiscal. O respeito à educação de base fica para depois.

Ao mesmo tempo em que Breda deleitava sua plateia, o IBGE anunciava a aceleração do desemprego no Brasil. A taxa de desocupação subiu de 12,3% para 13,1%, com fechamento de 1,5 milhão de vagas em apenas uma semana. Em boa dose, pela falta de recursos dos bancos para dar fôlego às empresas.

Ao desprezar a desigualdade, Breda expõe a lógica de uma concentração de renda que massacra negros e pobres. Ao pregar apenas a geração desigual de renda, Breda ignora o fato de o País não ter um ministro da Saúde efetivo em plena pandemia, que mata mais de mil brasileiros todos os dias. Sem controle da epidemia vai demorar muito mais para a economia se recuperar. Mas isso não é problema para Breda, pois a Bolsa continua bombando.

A declaração de Breda soa como apoio a um governo que fala em controle de gastos, e não na qualidade dos gastos, apoio a uma gestão que vê apenas a inflação como orientação para a taxa básica de juros, que olha para o patrimônio público exclusivamente como fonte de receita. Ao final de seu discurso a banqueiros e investidores, para os farialimers extasiados, Breda deve ter recebido milhares de mensagens do tipo “você me representa”.

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Fernando Pesciotta é jornalista e consultor em comunicação. Contato: fernandopaulopesciotta@gmail.com

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