//EDUCAÇÃO// O dia a dia de uma mãe e seu filho com TDAH


Desde que as aulas foram suspensas para conter a disseminação do covid-19, as escolas desenvolvem atividades remotas. 

Como estão se adaptando os alunos, as famílias, pais e mães nessa nova rotina de aulas?

A convite do Viva! Serra Negra a pedagoga e mãe Raquel Navas relata sua experiência. 


Empresto meu olhar como mãe de uma criança com TDAH

Temos um menino aqui em casa que não sabe quando voltará às aulas. 

Só isso já é o suficiente para deixá-lo ansioso, mais do que a própria pandemia.

Sempre falo que o ambiente escolar é um desafio trabalhado todos os dias. Acordar cedo, tomar café, arrumar a mochila (caso não o tenha feito na noite anterior, o que confesso acontece), falar diariamente que ele é capaz, que acredito nele, mas esses dias percebo que de alguma maneira aquela angústia diminuiu.

Vejo uma criança, quase adolescente, mais comprometida e disposta a enfrentar suas dificuldades. Ouso dizer até mais tranquila. Me questiono muito sobre isso, só o fato de não ir à escola já o deixou melhor? Por quê? Estava no "mood" férias, sem saber que precisaria ir para o "mood" aulas mesmo estando em casa.

Tivemos um início de quarentena muito turbulento e sofrido por causa do falecimento de minha mãe. E mesmo com tudo isso, o que me foi mostrado é um filho que me orgulha de suas escolhas.


Como se ele fosse para escola, acorda (um pouco mais tarde que o dito normal), toma café, assiste às aulas online do app CMSP e logo em seguida faz atividades que seus professores colocaram no Google Classroom, tudo na parte da manhã. Um pouco de normalidade (?). 

Todos os especialistas dizem sobre a importância de se ter uma rotina, uma programação enriquecedora, mas não falam sobre a criança e nós, de nos sentirmos massacrados com tanta atividade. Só queria ter um tempo livre.

Às vezes, em vez de fazer as atividades na escrivaninha, ele faz no sofá. Mas o que é importante? Ficar sentado numa postura imposta, ou fazer, produzir? Me pego pensando se nos momentos em que os alunos estão saturados na sala de aula, uma aula embaixo de uma árvore não facilitaria.

Vejo que os papéis se misturaram um pouco. A tão famosa frase do Cortella de que “educação é a formação de uma pessoa e escolarização um pedaço da educação”, que mostra que professores são responsáveis pela escolarização e a família pela educação como um todo, se tornou infundada, já que nós, a família, estamos momentaneamente responsáveis também pela escolarização. 

E o que isso causa numa casa onde se pode ter um filho ou três fazendo lições, onde os pais estão desempregados ou trabalhando até mais em home office, onde a rotina deu uma volta, que ninguém sabe seu papel ao certo, mesmo estando em casa? Onde temos uma criança diagnosticada com TDAH?

Se torna uma Matrix. Me sinto presa numa ilusão da minha mente e uma vida não vivida. Não cuido da casa direito, não trabalho na mesma velocidade, não produzo igualmente, porque estou professora do meu filho, e olha que eu sou professora mesmo, há 30 anos! 

A escola não mudou, não se reinventou, só está em outro formato, mas com as raízes de "assiste a aula e faz a lição". Agora, com o "tira foto e envia", acreditei que o lúdico entraria em ação. 


Houve duas aulas que meu filho amou, de tecnologia e inovação. As duas tiveram atividades lúdicas práticas. O que torna uma aula interessante não é ser presencial ou virtual, é utilizar atividades prazerosas. 

Crianças com TDAH são mais motivadas por meio de intervenções pedagógicas que tenham o propósito de oferecer experiências significativas de aprendizagem. Sinto muito que nosso sistema educacional ainda seja limitado quanto a isso.

Enfim, digo que estou priorizando ensinar valores, conteúdos, que farão diferença quando ele voltar à escola, aqueles muitos valores que a escola não ensina e que deveriam ser conteúdos obrigatórios em salas com crianças com alguma dificuldade. 

Tento ensiná-lo a ser justo, porque eventualmente ele estará na condição de oprimido, mas em outras estará no lado do opressor. Isso requer coragem, “agir com o coração”.

Fazendo-o entender que pessoas que tentam fazer com que ele acredite que não é bom o suficiente, ou que são melhores do que ele, podem não ter déficit de atenção, mas tem déficit de amor. Entre tantos ensinamentos talvez esse seja o mais importante, mais do que alguns meses sem aula.

No mais, coração apertado pensando no dia dele voltar. Estou educando alguém que tenho certeza será um homem de grande valor. Torço para que a escola consiga enxergar nele todo seu potencial, todas suas inúmeras qualidades. 

Empresto meu olhar à escola por tempo indeterminado, como mãe e professora.

Raquel Navas, professora pedagoga sistêmica, mãe. Ou ao contrário.


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