//CRÔNICA// Os homens pequenos


Carlos Motta

Não, não vou dizer novamente que o isolamento social é, por enquanto, o único remédio para esta terrível pandemia do covid-19, que ele salva milhares de vidas e tudo o mais.

Já fiz isso várias vezes e outros melhores que eu, muito mais.

Não vou tampouco dizer o que penso de uma prefeitura que jogou fora dias e dias de trabalho em prol da saúde da comunidade e se dobrou à pressão de alguns poucos, gananciosos e egoístas, gente sem empatia e cheia de rancor, movida pelo seu próprio fracasso, e decretou o "liberou geral" na cidade. 

Não é preciso dizer mais nada sobre eles - os fatos falam por si.

E os fatos são este mundo virado de ponta-cabeça, cheio de medos, cheio de falsas esperanças, repleto de facínoras e embusteiros, à espera de um salvador, ou na falta dele, de quem pelo menos tenha um pingo de coragem para gritar "basta!"

Tem horas em que a prosa e a razão são insuficientes, em que o coração é mais eloquente.

E nessas horas eu penso como tudo poderia ser diferente, tudo poderia ser melhor, toda esta angústia poderia ser evitada, se em vez de homens pequenos, minúsculos, simples marionetes de interesses escusos, tivéssemos a nos liderar quem, ao menos, compreendesse a dimensão deste momento e o seu papel histórico.

Não, não precisamos de heróis, mas apenas de homens de verdade.

Nesses momentos em que a emoção fala mais alto que a razão, as palavras correm soltas, livres, determinadas a expressar não pensamentos, mas imagens, como um caleidoscópio que revela, se não a verdade, ao menos a sinceridade.

As palavras formam frases, versos talvez, dedicados a esses homens pequenos impregnados de covardia, que fecham os olhos para a realidade e vivem num mundo dourado de mentiras.

Versos como esses, rabiscados no impulso da indignação:

1
Homens pequenos ignoram
as lágrimas e os risos 
as cores e a beleza que há 
no choro de quem nasceu
e no silêncio de quem se vai
(eles são incapazes de amar)

2
Homens pequenos não sofrem
nem se perdem em sonhos de glória
nem em utopias de vastas vitórias 
contra improváveis moinhos de vento

3
Homens pequenos são assim 
porque assim não têm compromissos
não assumem responsabilidades
não se destacam na multidão
e seguem na vida tranquilos e confortáveis
em sua minúscula existência

4
Homens pequenos passam pela vida
ignorados por ela e são louvados 
por outros homens sem talentos 
sem nada a dar sem nada a dizer 
sem marca nenhuma que não a pequenez

5
Homens pequenos 
são fantasmas mortos vivos
que gastam as horas do dia
a fazer coisas pequenas 
tarefas inúteis 
missões fracassadas
frustradas tentativas
de um mísero sucesso

6
Homens pequenos têm medo
do escuro
da luz
da lua 
do sol
do cheiro de suor do trabalhador braçal
da testa franzida do dono da loja
dos falsos sermões do pastor da esquina
da suja mão estendida do indigente 

7
Homens pequenos só obedecem
os interesses dos outros homens
não perturbam o sono dos poderosos
mas ofendem os pobres de espírito

8
Homens pequenos se passam por homens mas são apenas pequenos

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