//OPINIÃO// A economia no divã


Salete Silva

Aceitar que a realidade mudou com a pandemia de Covid-19 e que a sociedade terá de funcionar de forma diferente por um tempo ainda indeterminado e imprevisível provoca angústia e até negação do novo cenário global.

A realidade é dura, sim, e parte da sociedade tem se negado a encarar o problema tanto do ponto de vista sanitário quanto econômico.

Para a economista Mônica de Bolle, pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics (PIIE), de Washington, onde reside atualmente, a economia também sofre influência psicológica neste momento.

“O ser humano tem dificuldade de lidar com essa situação, porque trabalhar sobre incertezas causa medo e ansiedade”, diz Mônica em seu canal no Youtube.

A tendência, segundo ela, é que o ser humano fuja das incertezas e da situação em que se encontra porque tem dificuldade de traçar cenários.

Isso vale, segundo a economista, para a discussão macroeconômica, que tende a desconsiderar as incertezas. Os economistas procuram entender o mundo de acordo com as probabilidades de eventos.

“A média dos eventos nos dá noção do que é mais provável do que vem acontecer e isso dá segurança enorme”, afirma.



Mas nas crises as médias não têm significado, não querem dizer nada. Nesses casos, os acontecimentos extremos, improváveis em épocas de calmaria, ganham alta probabilidade.  

O cenário que existe é de uma pandemia grave, um vírus que tem um nível de contágio alto – 6 para cada pessoa infectada –, que exige quarentena, sem a qual os cenários para a epidemia e também para a economia serão piores.

A transmissibilidade do vírus leva a uma característica de ondas, com períodos intercalados de quarentena como resposta ao nível de contaminação, até que se encontre uma vacina.

Essas idas e vindas da epidemia vão valer igualmente para a economia.

Até recentemente, economistas e autoridades econômicas do país defendiam a austeridade fiscal e as reformas, debate que ficou totalmente fora de foco nas últimas semanas.

Os dogmas e verdades econômicas estabelecidos nos últimos anos terão de ser deixados de lado em prol de salvar vidas.

Ao invés da austeridade fiscal o governo terá de liberar mais recursos para a saúde e para dar sustentação econômica às pessoas e trabalhadores mais vulneráveis.

A guinada terá de ser de 180 graus e deverá alcançar também a política monetária, cujo debate agora gira em torno da emissão de moeda para estimular a demanda.

A teoria de que monetizar a economia pode criar inflação é mais um dos dogmas que a sociedade precisa derrubar para encarar com coragem esse novo mundo que estabelece uma nova ordem em que a imprevisibilidade, por enquanto, é o mais previsível.

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