//SAÚDE// Pandemias fazem parte da história da humanidade


Os vírus e os homens partilharam espaço e mediram forças desde o início da civilização. Dessa forma a arqueóloga Joana Freitas traça uma pequena cronologia das epidemias e pandemias que mais afetaram a humanidade.

Ela começa explicando e colocando o homem na posição que ocupava primordialmente:

"O homem é um exemplo de superação nas linhas evolutivas. Não éramos fisicamente dominadores nem estávamos no topo das cadeias alimentares. Éramos caçadores, mas presa fácil também. A evolução do nosso cérebro, as capacidades intelectuais e de cognição deram-nos a vantagem. Durante milênios, feitos de avanços e retrocessos, a espécie humana prosperou e ocupou os quatro cantos do planeta. À uma capacidade adaptativa gigante juntou-se a sobrevivência assente na coesão de grupo. Há cerca de 10.000 anos começam a aparecer as primeiras sociedades sedentárias possíveis pela domesticação, embora incipiente, de plantas e animais. Ali, nesse preciso momento, o homem assinava com o destino. Populações crescentes e fixas num local, convivência diária com os animais domesticados e todos os parasitas a eles associados, formaram as condições perfeitas para as primeiras epidemias. A história da humanidade a partir daí será marcada por episódios epidêmicos e pandêmicos que dizimaram milhões de pessoas."

Como diz ainda a arqueóloga, essas epidemias podiam ser equiparadas a grandes guerras no que se refere a perdas humanas e materiais, e a sua existência teve a capacidade de mudar o rumo da história. 

Dessa forma, Joana Freitas escolheu os episódios pandêmicos que considera mais relevantes na história da humanidade, dando uma pequena explicação do seu percurso na história. São relatados, primeiramente, dois casos de peste bubônica.

"Estamos no século IV, entre 527–565, o imperador Justiniano tem o domínio do império bizantino. A peste bubônica assola o império e trespassa as suas fronteiras. Mata entre 30 e 50 milhões de pessoas, provavelmente metade da população mundial à época. Essa epidemia marca um fim de uma época. O império romano nunca mais será unificado, é o início da era negra da época medieval."



"Séculos mais tarde, mais precisamente entre 1343 e 1351 (auge), outro surto de peste bubônica varre a Ásia e Europa, matando cerca de 80 milhões de pessoas. Essa epidemia é vastamente conhecida como a famosa peste negra. Foi tão avassaladora que a Europa precisou de cerca de 200 anos para restabelecer os seus níveis populacionais"

"No entanto, ocorreram mudanças sociais e culturais importantes como produto dessa devastadora epidemia. Com um número tão elevado de mortes, o nível de vida dos sobreviventes subiu efetivamente. Havia mais postos de trabalho disponíveis, mais habitação disponível, mais terra para cultivo mas menos bocas para alimentar."

"A nível religioso a igreja católica enfrenta uma vaga crescente de misticismo que desafia as duas doutrinas. Algumas minorias, como os judeus, por exemplo, começam a ser perseguidos e acusados de serem os causadores da peste que se crê ter tido início na China.”

Voltando a atenção para a América, a arqueóloga Joana Freitas faz um apontamento para o surto de varíola que iniciou mudanças drásticas tanto demograficamente como ao nível climático:

"No século XV os europeus, quando das conquistas em territórios americanos, levavam dentro de si a arma mais letal de todas. Foram hospedeiros de vírus mortais para as populações locais, entre os quais a gripe, sarampo, malária, cólera, tifo, peste bubônica e, o mais mortífero de todos, a varíola. A varíola foi responsável pela morte de milhões de nativos americanos sendo que, em cem anos, a sua população passou de 60 milhões para cerca de 6 milhões.O impacto foi tão grande que há cientistas que estudam a possibilidade de ter existido uma alteração climática por conta desta ocorrência. Além de menos emissões de CO2 e da floresta ter crescido exponencialmente, coincidentemente o sol entrava numa fase de baixa atividade levando a uma queda na temperatura mundial.  Desta vez, a Europa pagou a fatura e viveu tempos de fome pois a alteração na temperatura fez perder muitas colheitas", explica.

Aproximando-se cada vez mais da nossa época, Joana Freitas fala de pandemias mais atuais e igualmente devastadoras:



"Já no século XIX temos uma pandemia de cólera. Entre os anos de 1817 e 1823, com início de foco na Índia, a cólera dizima milhões de pessoas. Dessa data até 1961 existiram um total de sete epidemias de cólera. Este vírus continua ativo, infecta milhares de pessoas todos os anos e é responsável por até 140.000 mortes anualmente."

"Já no século XX (1918), após a primeira guerra mundial, aparece a mais conhecida gripe espanhola. Esta pandemia de H1N1 infectou cerca de 500 milhões de pessoas e matou cerca de 50 milhões globalmente. Como já foi referido, essa epidemia ocorre no fim da primeira grande guerra e as condições para a travar eram quase nulas."

Joana Freitas explica ainda que o homem sempre fez um esforço para compreender e tratar pandemias, começando por melhorar os sistemas públicos de saúde.

Faz ainda um alerta sobre epidemias ativas, que por vezes são esquecidas:

"Não podemos nos esquecer de que há vírus ativos que todos os anos matam milhões. Dos melhores exemplos temos o HIV ou a malária", diz.

A arqueóloga lembra o momento atual que vivemos, que tem tanto de novo como de cíclico:

"O surto de covid-19 que vivemos na atualidade não é algo novo na humanidade, faz antes parte dos nossos ciclos. Contudo, mesmo com toda a tecnologia disponível compreendemos que podemos falhar, que não conseguimos salvar todos ou travar a epidemia com a eficácia com que gostaríamos"



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