//OPINIÃO// Trilhões de dólares, a arma contra a pandemia


Reproduzimos artigo do jornalista José Paulo Kupfer, publicado originalmente no site Poder 360:

Dinheiro sem limite, como decidiu o 
G-20, é o que reduz danos da pandemia

A pandemia da covid-19 está botando o mundo e suas teorias de pernas para o ar. Com a velocidade de propagação do coronavírus, cálculos políticos e ideias estabelecidas vão ficando para trás, como se tivessem perdido a validade há séculos.

Ideias como a da presença mínima do Estado na economia, rapidamente deixaram de ser o ponto de resistência de governos liberais para dar lugar a um franco protagonismo estatal em todos os cantos do planeta. A última cidadela caiu nesta 5ª feira (26.mar.2020), quando o G-20, o grupo que reúne os líderes das maiores economia do mundo, em cúpula virtual, decidiu despejar US$ 5 trilhões na tentativa de conter a propagação da pandemia e, ao mesmo tempo, salvar empregos e empresas.

Ao decidir injetar quase 5% do PIB mundial na economia, as lideranças globais transmitiram a mensagem de que foram abolidas quaisquer restrições de recursos pelos governos para tentar derrotar a propagação do vírus e conter seus fulminantes impactos negativos na economia. Resumindo o ponto, se essa quantidade já impensável de recursos pode ser mobilizada, qualquer outra quantidade ainda maior também poderá ser.

Com a decisão do G-20, outra mitologia, que havia se alastrado rapidamente, também foi devidamente abatida. Ficou sem chão a ideia, levantada pelo presidente americano Donal Trump, segundo a qual a estratégia de manter a população em amplo isolamento social mataria a economia e, em consequência, causaria mais pobreza e mortes do que a pandemia.


Não havendo limites para a aplicação de dinheiro na sustentação de pessoas e empresas, cai por terra o argumento de que “a cura pode ser pior do que a doença”. Dinheiro aos borbotões foi a resposta do G-20 para dissolver o dilema, escancarando o quanto ele era falso.

A verdade é que, exceto para o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, o argumento que sustentava a adoção do isolamento vertical, restrito aos grupos risco, com o que seria possível salvar a economia, sem potencializar perdas humanas, caiu do galho antes mesmo de ficar maduro. Até nos Estados Unidos, o dinheiro vai entrar em campo para proteger as duas faces do problema.

O Congresso americano decidiu, e Trump prometeu sancionar, um pacote que destina inéditos US$ 2 trilhões, o equivalente a 10% do PIB da maior economia do mundo, para amparar pessoas e dar suporte a empresas. Isso sem contar o arsenal que o Federal Reserve (Fed, banco central americano) anunciou estar pronto a disparar, sob a forma também inédita da compra de dívidas, via títulos que as representam, não só de bancos e empresas, mas também de pessoas físicas.

O quase consenso de que a estratégia de isolamento horizontal é a mais adequada foi sendo construído à medida em que se percebia o que, de fato, estava em jogo. O ponto crítico se resume à necessidade de achatar a curva de contaminados, ou seja, frear a procura por serviços de saúde até que hospitais, UTIs, equipamentos –com ênfase em respiradores–, e equipes de atendimento consigam atender à demanda.

Mesmo que se soubesse com mais certeza que tipo de pessoas seriam vítimas de maior gravidade da covid-19, a superlotação dos hospitais promoveria uma devastação às suas portas. Não só doentes infectados pelo novo coronavírus se veriam sem acesso aos serviços médicos exigidos, mas também pessoas com outras doenças agudas –infartados, vítimas de AVC, necessitados de hemodiliáse e de tratamentos contra câncer, entre outros– seriam privados de atendimento, com risco aumento de mortes.

Algumas estatísticas simples ajudam a entender a falácia do isolamento vertical como solução para evitar as restrições mais radicais de circulação de pessoas, que podem paralisar a economia. Nos Estados Unidos 15% da população é formada por pessoas com 60 anos ou mais, principal grupo de risco. No Brasil, já são 13,5% da população nesse grupo.

São quase 50 milhões de americanos e 30 milhões de brasileiros nessa faixa etária. Seria possível imaginar uma economia em atividade minimamente normal, com o confinamento seletivo de tal contingente de idosos? Onde alojar os parentes, com os quais muitas vezes dividem a moradia, expostos não só no ambiente de trabalho, mas também às aglomerações dos transportes públicos e outros meios de contaminação?

Diante de impossibilidade de obter respostas minimamente convincentes a questões como essas, não pode restar dúvidas de que o que derruba a economia não é o isolamento, mas a própria pandemia. Resta escolher entre menos mortes e um desastre econômico e um desastre econômico com mais mortes. E injetar todo o dinheiro que for exigido na sustentação de pessoas, empresas, empregos e sistemas de saúde. Só assim será possível contabilizar o menor número possível de mortes com o menor dano possível à economia.

José Paulo Kupfer é jornalista profissional há 51 anos. Escreve colunas de análise da economia desde 1999 e já foi colunista da Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo. Foi eleito em 2015 “Jornalista Econômico do Ano”, em premiação do Conselho Regional de Economia/SP e Ordem dos Economistas do Brasil. Também é um dos dez “Mais Admirados Jornalistas de Economia", nas votações promovidas pelo site J&Cia. É graduado em economia pela Faculdade de Economia da USP. 

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