//OPINIÃO// A praça da polêmica


Carlos Motta

O Brasil é, constitucionalmente, um Estado laico, que não tem preferência por nenhuma religião e assegura a prática de todas. Está lá, no Artigo 5º, Inciso VI: "É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias."

Adiante, no Artigo 19, a Carta Magna da nação torna explícita a separação entre o Estado e a religião: "É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público."

Isso posto, é flagrante a inconstitucionalidade da criação de uma "Praça da Bíblia" em Serra Negra, como pretende o Executivo local, amparado pelo Legislativo. Não importa o quanto ela vai custar aos cofres públicos.

Ambos os Poderes podem estar imbuídos das melhores intenções ao levar adiante essa ideia - já antiga. Há quem diga, porém, que a tal praça seria apenas uma forma de, num ano eleitoral, prefeito e vereadores agradarem a população religiosa serrana, especialmente os evangélicos, que aumentam de número na cidade como o milagre bíblico da multiplicação dos pães.

A notícia da criação da "Praça da Bíblia" no Viva! Serra Negra rendeu dezenas de comentários críticos à iniciativa na página do portal no Facebook.

Eis alguns exemplos:  

"Sou completamente contra! Imposto é para obras públicas que prestigiem a todos sem distinção!"

"Fico me questionando qual o interesse público em dispor de parcos recursos municipais que temos, com tantas deficiências na máquina administrativa para homenagear grupos religiosos, ainda mais com um histórico de discussão de inscontitucionalidade assegurado pelo TJSP."

"Achei que o Estado era LAICO...vamos pedir também esquinas para fazer despachos, filas de cadeiras para ministrar o Jorhei, distribuição de esteiras para yoga, fazer sinagogas, pagodes e rodas para Wikas!!!"



"A praça deve ser ecumênica, não somente pra uma religião ou crença. Em tempos sombrios , temos que prezar pela paz."

"Pregar na Praça? Acho que não é o lugar adequado, eles já contam com espaços suficientes para exercitarem sua fé. A Praça deve continuar sendo um espaço de lazer e relaxamento da população em geral."

"Na minha opinião tem coisas mais importantes. Pregar a palavra pode ser em qualquer lugar. E também privilegia uma religião específica. E se outras começarem a requerer tbem????"

"O que diriam as autoridades se outros grupos religiosos, ateus, etc questionarem e solicitarem um espaço também?! Nada contra a bíblia, mas acredito que cada qual deve pregar em seu ''espaço/igreja/templo'', e não misturarmos mais política com religião, afinal essa mistura nunca deu certo! E também concordo que a praça ''PÚBLICA'' deve continuar sendo um espaço de lazer, entretenimento e relaxamento da população em geral!"

"Serra Negra, hoje representa tudo o que é arcaico, provinciano, é o exemplo vivo do abismo obscuro que se tornou o país!"

"Tem tanto pastor na Câmara, que nem existe mais o "Estado é Laico."

"Que porcaria de ideia... quem quer rezar que faça em casa ou na sua igreja."

"Que rezem em suas igrejas. Isso vale pra qualquer religião. Pros católicos, muçulmanos, judeus, neo pentecostais, pras religiões de matriz africana e por ai vai... O estado é laico ou deveria ser. É um absurdo. Que gastem o dinheiro público com escolas!"

Além do aspecto legal, a criação dessa "Praça da Bíblia" representa mais um tijolo na construção do marketing que "vende" Serra Negra como uma cidade ultraconservadora. 

No Carnaval, é bom lembrar, a Folha de S. Paulo, um dos mais importantes jornais do país, publicou reportagem mostrando que o ritmo musical preferido pela juventude brasileira, o funk, estava banido dos bailes populares promovidos pela prefeitura.

Se a intenção dos governantes serranos é transformar a cidade numa fortaleza do conservadorismo, aplausos para eles, pois o plano está sendo bem executado.

Se não for isso, recomenda-se fortemente que o Executivo e o Legislativo locais deixem a estação "passado" e embarquem rumo à era contemporânea. 

Também poderiam dar uma lida, mesmo superficial, na Constituição da República Federativa do Brasil.

Há muita coisa boa lá. 



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