//CIDADE// Prefeitura quer criar a Praça da Bíblia. Mas isso é legal?

A Praça da Bíblia, em Praia Grande: Justiça mandou
retirar as frases bíblicas do monumento

Salete Silva

Com o objetivo de oferecer um espaço para que os evangélicos possam pregar a palavra e exercitar a fé, a Prefeitura de Serra Negra vai criar a Praça da Bíblia, que ficará localizada na Praça Sesquicentenário, próxima à Praça do Idoso, onde ficam os equipamentos para exercícios físicos. 

A informação é da assessoria de imprensa da prefeitura. Os detalhes para a sua instalação e normatização estão em fase de estudos.

“O espaço, por ser em área pública, essencialmente já é democratizado, pois naquela área ocorrem diversas atividades para os mais variados públicos e todos têm o direito de usufruí-la”, diz a nota enviada pela assessoria de imprensa ao Viva! Serra Negra.

O assunto foi comentado por vereadores na sessão da Câmara Municipal do dia 2 de fevereiro, quando também foram aprovados por unanimidade votos de congratulações e aplausos à chegada à Serra Negra da Igreja Batista Lagoinha.

A criação da Praça da Bíblia é uma reivindicação antiga de vereadores serranos. “A ideia surgiu com o vereador Ronaldo da Guarda, na minha primeira legislatura, tentamos, mas não conseguimos”, lembra o vereador da situação Renato Giachetto (DEM).


A ideia voltou à tona nessa legislatura por iniciativa do vereador também da situação Leo da Ambulância (PT do B)

A nomenclatura “Praça da Bíblia”, explica Giachetto, seria para prestigiar todas as religiões que têm como base a Bíblia. “Ela não está vinculada somente aos evangélicos, mas também aos católicos, espíritas etc”, afirmou.

A Praça da Bíblia, explica o vereador, será um lugar para falar de Deus, “respeitando, contudo, todas as crenças”. “Nos dias atuais quanto mais praticarmos a palavra do Senhor e levando os seus ensinamentos para os nossos lares, mais próspera será a união familiar”, disse.

Segundo o vereador, será respeitada a manifestação de todas as religiões, além de que serão estabelecidos datas e horários para o uso de cada uma delas. 

O vereador Leo da Ambulância usou a tribuna da Câmara para comemorar a conquista. Ele disse que na praça será montando um altar para que seja pregado o Evangelho e para falar de Jesus.

“Um bar aberto até às duas horas da manhã não incomoda ninguém, mas você falando do amor de Cristo a partir das seis horas incomoda muita gente”, afirmou.

“Se você não quer que espírita ou macumbeiro pregue, então pregue sobre Jesus para ele. Fala que Jesus é bom e que foi Jesus que (sic) morreu na cruz do calvário, não foi nem A nem B. Faça sua parte enquanto estiver na Terra que Jesus vai te atender”, disse o vereador na tribuna.


Para o advogado Daniel Coregio, a criação da Praça da Bíblia é inconstitucional. “Sendo o Estado laico, ou seja, não pode intervir em assuntos religiosos, não poderia ser criada a Praça da Bíblia, por expressa vedação constitucional, Art. 19, Inciso I”, aponta o advogado.

Segundo o Inciso I do Artigo 19, “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.

O advogado lembra pelo menos dois casos semelhantes considerados inconstitucionais pela Justiça de São Paulo. Um deles em Praia Grande, litoral paulista. O município usou recursos públicos na construção de um monumento com inscrições bíblicas.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou a retirada de inscrições bíblicas do monumento. A sentença foi decorrente de uma ação impetrada pela Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea) e decidiu que as inscrições são “infração evidente à laicidade do Estado”.

O monumento, feito em mármore branco e com 10 metros de altura, foi inaugurado em 2012, na chamada “Praça da Bíblia”. Na época da inauguração, o então prefeito de Praia Grande, Roberto Francisco dos Santos, declarou que o espaço seria “um local para que todos os cristãos possam realizar celebrações religiosas”.

Dois anos depois, a Atea ajuizou uma Ação Civil Pública (ACP), alegando que as inscrições bíblicas no monumento violavam o Artigo 19, Inciso I da Constituição.

Nesse caso, Coregio destaca o seguinte trecho da sentença: “Não se questione que o Estado laico não seja um Estado que deva reprimir as manifestações religiosas; apenas não deve subsidiá-las posto que, se assim o fizesse, deveria fazer a todas as religiões, uma que é constitucionalmente proibida a escolha de uma só."

O advogado baseia sua argumentação também em sentença do Tribunal de Justiça de São Paulo, que proibiu a Prefeitura de Santa Bárbara D'Oeste auxiliar na realização de um evento chamado Marcha Para Jesus, também baseado no Artigo 19,Inciso I da Constituição.

Coregio aponta uma alternativa legal para o caso. “Creio que seria melhor para o interesse público se fosse criada a Praça Pela Paz, que é uma busca mundial, a qual estaria de acordo como princípio da dignidade humana, Artigo 1º, Inciso III, da Constituição Federal”, sugere. “Mesmo sendo cristão, não posso contrariar a Constituição”, conclui.

Para o prefeito Sidney Ferraresso, num regime democrático é preciso dialogar com todas as partes, respeitando diferentes preferências para que haja uma convivência harmoniosa na sociedade.

“O que se aplica também às religiões, uma vez que a maior parte da população tem alguma crença”, afirma o prefeito. Para ele, as igrejas, como todas as instituições da sociedade, devem ter suas reivindicações atendidas.

“Desde que dentro das possibilidades legais e orçamentárias”, ressalva o prefeito.


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