//ARTESANATO// As agulhas que espalham o amor

Mônica Lopes, criadora do projeto em Serra Negra: "Esta é a terra do crochê"

Salete Silva

Antes das dez horas da manhã no domingo, 2 de fevereiro, as crocheteiras começaram a chegar com seus quadradinhos e mantas de crochê e tricô, colorindo mais um encontro mensal das artesãs do Quadradinhos de Amor de Serra Negra.

Esta já é a segunda reunião este ano do grupo que preparou uma agenda recheada de compromissos de doações, exposições e bazares para 2020.

Desde que começaram a tricotar, em março do ano passado, as crocheteiras serranas aqueceram muita gente.

Mas, como diz um velho ditado “quem ajuda recebe em dobro”, elas também aqueceram seus corações.

Criado em Serra Negra em março de 2019 com o objetivo de reunir artesãs para confeccionar e doar mantas a instituições e pessoas carentes, o grupo, como o próprio nome diz, é puro amor.

“Quando recebi as agulhas, novelos de lã e linha que eram da minha tia, uma tricoteira de mão cheia e muito querida da família, me propus a dar continuidade a seu trabalho e transformar os novelos de lã em gorros e cachecóis para doações”, relata Mônica Conti Lopes, professora de arte do Colégio Agostiniano Mendel, em São Paulo.

Mônica não deu conta sozinha de produzir as peças. Na internet, conheceu o Quadradinhos de Amor que é um projeto nacional desenvolvido em diversas cidades do país. Embora paulistana, tem familiares aqui e é frequentadora há 35 anos de Serra Negra.

“Quando conheci o projeto não tive dúvida: era o ideal para o meu objetivo e para Serra Negra”, afirma. O crochê e o tricô, uma tradição familiar dos serranos, deram ao município a fama de cidade das malhas.

Por aqui, as crianças cresciam vendo mães, avós, tias e vizinhos tricotar. “Serra Negra é a terra do crochê”, afirma. Mônica se emociona e mareja os olhos todas as vezes que narra a história da criação do projeto.

“Isso sempre acontece, me emociono muito”, justifica pedindo um tempo para se recuperar da emoção.

O sentimento, ela revela, é pelas recordações de família, da tia falecida e do trabalho que leva agasalho a quem precisa, mas também é pelo amparo e acolhimento que o Quadradinhos de Amor oferece a muitas mulheres.


Os encontros do grupo são no Chopp 40

São 60 mulheres de todas as idades, algumas de mais de 80 anos. Entre elas há muitas que passam a maior parte do tempo sozinhas dentro de casa, outras que sofrem de solidão, depressão e deficiência auditiva e que encontraram nas agulhas de crochê e tricô uma alegria para a vida.

A professora Miriam Buzzo, uma das fundadoras, lembra que ouviu relatos de mulheres que superaram a depressão e até deixaram de usar medicação logo nos primeiros meses depois de começarem a participar do projeto.

Além do trabalho diário na confecção dos quadradinhos e mantas, as reuniões mensais são uma festa em que comemoram as aniversariantes do mês e que muitas aguardam ansiosamente. “É um dia para conversar, falar sobre cor de manta e comemorar a vida”, diz Miriam.


Jandira: "A minha
vida melhorou 100%
Prestes a completar 80 anos, Jandira Moggio diz que não perde um encontro. Nascida em Itapira e moradora de Serra Negra há 50 anos, ela revela que a vida melhorou muito depois do Quadradinhos de Amor e que, além de ganhar vitalidade, a memória ficou muito melhor. “A vida melhorou 100% e eu que fazia tricô, agora, estou viciada no crochê”, comemora.

Os benefícios de tricotar também são percebidos pelas mais jovens, como a professora Ana Carolina Angeli, serrana, que morava em São Paulo e que retornou a Serra Negra há dois anos.

“A cabeça da gente distrai porque tem de contar ponto, contar carreira e combinar cor. A cabeça viaja, desliga”, afirma.

O convívio social, ela diz, é também um benefício e tanto. Sua mãe de 71 anos, integrante do grupo, viveu uma alegria imensa ao reencontrar amigas da adolescência nas reuniões mensais.

“Foi muito emocionante o reencontro delas porque, apesar da cidade ser pequena, muitas não se viam há anos”, diz.


Ana Carolina: "A
cabeça viaja, desliga"
Assim como Ana Carolina, muitas nem sabiam tricotar. As crocheteiras mais experientes se incubem de ensinar as novatas. “O primeiro quadradinho fiz e refiz diversas vezes, mas saí daqui sabendo fazer”, lembra Ana Carolina.

Fazendo e ensinando crochê, as artesãs estão também resgatando uma tradição que estava se perdendo com o tempo. “Serra Negra está perdendo muitas de suas tradições”, lamenta Miriam.

As peças de tricô e crochê feitas à mão são diferenciadas e muito apreciadas em especial pelos turistas. Agradam quem adquire e trazem renda para quem produz e vende.

Pensando nisso, o Quadradinhos de Amor de Serra Negra traçou uma estratégia para tornar fixos alguns eventos, como exposição e bazar, em especial o bazar de Natal, que já foi realizado com sucesso no ano passado.

“O pessoal que vem de fora gosta do artesanato”, diz Miriam. O turista fica muito interessado na peça confeccionada à mão.

“Tudo é artesanal. Um jogo de toalha, por exemplo, tem o biquinho feito à mão. São peças raras que não se acham mais e que o turista gosta. Deu muito certo”, acrescenta.


Miriam (no centro):
peças artesanais, que o turista gosta
O próximo evento será uma exposição de mantas na frente da Igreja Matriz nos dias 21 e 22 de março, com uma Missa em Ação de Graças pelo aniversário de um ano do grupo.

Nas vésperas de Dia das Mães, do dia 1º a 3 de maio, será realizado o Bazar de Inverno na Praça João Zelante. As artesãs que vendem suas peças no bazar doam 10% para o projeto, que são investidos em infraestrutura para os eventos e em novelos de lã para serem distribuídos.

O Quadradinhos de Amor doa as lãs às crocheteiras. Algumas providenciam seus próprios novelos, mas nem todas têm poder aquisitivo para isso.

A lã é um produto caro que uma das integrantes do grupo, Rosângela Mendes Simões, diretora da escola Libere Vivere, consegue obter dos fornecedores como doação ou por um preço mais acessível.

As estratégias do grupo são definidas ou via redes sociais ou nos encontros que ocorrem sempre no Chopp 40, na Avenida Laudo Natel, que cede o espaço para as artesãs.


As crocheteiras, no Chopp 40: grupo foi criado em março de 2019

As doações de lã, que eram em maior quantidade no início, diminuíram. “Talvez achem que não é mais necessário”, diz Miriam. As doações são muito bem-vindas para evitar que as crocheteiras fiquem ociosas por falta de matéria-prima.

“Dez novelos para quem doa às vezes não é nada, mas para tirar as pessoas do ócio e melhorar a qualidade de vida das mulheres, que é um dos nossos intuitos, faz muita diferença”, conclui Miriam.


Comentários