//OPINIÃO// Exploração do trabalho feminino é uma questão de gênero


Salete Silva

Nas eleições para a presidência da República em 2018, as discussões sobre gênero foram distorcidas com evidentes objetivos eleitorais.

Kit gay nunca foi usado nas escolas e a distorção das discussões serviu para desviar a atenção do que realmente interessa nesse debate: a desvalorização pelo sistema econômico do trabalho de mulheres e meninas que estão na base dessa pirâmide.

Às vésperas do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, a Oxfam, organização não governamental, divulgou o relatório "Tempo de Cuidar – o Trabalho de Cuidado mal Remunerado e não pago e a Crise Global da Desigualdade".

Segundo o estudo, a desigualdade social bate recorde e aumenta a exploração do trabalho feminino. Os 2.153 bilionários do mundo detêm mais riqueza do que 4,6 bilhões de pessoas, o equivalente a cerca de 60% da população mundial.

A desigualdade, revela o relatório, está em níveis recordes e o número de bilionários dobrou na última década. A parcela 1% mais rica do mundo detém mais do que o dobro da riqueza de 6,9 bilhões de pessoas.

E onde se encontra o cerne dessa questão? No sistema que não valoriza o trabalho de mulheres e meninas. Os homens detêm 50% a mais de riqueza do que as mulheres.

Milhões de mulheres e meninas passam boa parte de suas vidas fazendo atividades domésticas e de cuidado com as pessoas sem remuneração e sem acesso a serviços públicos, lembra a diretora-executiva da Oxfam Brasil, Katia Maia.

A entidade calcula que o trabalho não remunerado prestado por mulheres a partir de 15 anos é de US$ 10,8 trilhões por ano, o triplo do estimado para o setor de tecnologia do mundo.

“Se você juntar os 22 homens mais ricos do mundo, eles têm a mesma riqueza de todas as mulheres que vivem na África, que é em torno de 650 milhões”, compara Kátia.

As mulheres trabalham menos horas em seus empregos ou têm que abandoná-los por causa da carga horário com cuidado de crianças, idosos e pessoas com doenças e deficiências físicas e mentais, bem como o trabalho doméstico diário.

No Brasil, segundo a pesquisa, em 2050, serão cerca de 77 milhões de pessoas que vão depender de cuidado, ou seja, um terço da população de idosos e crianças, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

As condições sócio econômicas dessas mulheres cuidadoras só vão melhorar com a ampliação dos programas sociais e gastos para investir na prestação de cuidado para que elas possam cuidar de outros.

 Além disso é preciso reduzir a tributação de pessoas em situação de pobreza e elevar impostos dos mais ricos e de grandes corporações, aumentar investimentos em saúde púbica e conscientizar a sociedade sobre a desigualdade de gênero.



Antes que alguém pergunte "e o quê o município tem a ver com essa discussão?" Como cidadã serrana, repondo: tudo a ver.

O município não é uma ilha e para reduzir as desigualdades sociais e melhorar as condições de vida das mulheres é preciso começar a discussão na base, no município.

A ampliação da oferta e a melhoria do atendimento de serviços de saúde pública às mulheres tem de começar no município.

A conscientização de que mulheres e homens têm direito a exercer toda e qualquer função laboral e que não há atividade na sociedade exclusiva de homens e mulheres têm de começar na escola, na pré-escola.

Essa, sim, é a discussão de gênero necessária se sonhamos com uma sociedade mais justa, com menos desigualdade social e com oportunidades iguais para todos.




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