//CIDADE// Casos de saúde são os mais comuns na promotoria

Leonardo Bortolaço: "As pessoas nos procuram por todos os motivos"

Toda quinta-feira a partir das 13 horas uma fila de serranos se forma na porta da Promotoria Pública de Serra Negra, localizada ao lado do Fórum municipal.

A população vai em busca de ajuda para diferentes tipos de processos e informações, revela o promotor de Justiça Leonardo Carvalho Bortolaço nesta segunda parte da entrevista concedida ao Viva! Serra Negra.

Os casos mais comuns e que crescem a cada dia, ele informa, são de solicitação de medicamentos de alto custo e de cirurgias de urgência pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Além da proteção de adolescentes e crianças em situação de risco, proteger o idoso e resolver outras questões de interesses da sociedade, como a preservação ambiental e a fiscalização do setor público, fazem parte da rotina do promotor.

A relação da promotoria com o prefeito Sidney Ferraresso (DEM) é profissional, apesar de momentos às vezes tensos, admite o promotor, em virtude de sua atuação como fiscalizador. “O Estado me paga para fiscalizar e eu estou cumprindo as minhas funções”, afirma.

A população, segundo o promotor, tem mais consciência de seus direitos, mas nem tanto ainda de seus deveres.

A seguir, a íntegra da entrevista:

Viva! Serra Negra – Qual é o tipo de demanda que a promotoria recebe da população serrana?
Bortolaço - As pessoas vêm aqui por tudo, desde pedir para consultar processos para eles. Toda quinta-feira temos atendimento ao público, das 13 às 15 horas. Atendemos todo mundo que quer falar com a gente. Vem aqui todo tipo de problemas. Muitas coisas que atendemos não fazem parte da nossa atribuição, como a pessoa que entrou com uma ação e o advogado diz que é natural a demora. Aí entramos no processo e informamos, explicamos, dizemos que o advogado está certo, o advogado se pronunciou aqui.

Viva! Serra Negra – E o que é de fato da alçada da promotoria?
Bortolaço – O Ministério Público tem uma gama muito grande de atribuições, como a atribuição criminal, que é competência exclusiva do Ministério Público. Recebemos nossos inquéritos policiais, criminalizamos os inquéritos policiais, processamos e fazemos provas em juízo no que tange ao processo criminal. Fora o processo criminal, o Ministério Púbico atua em tudo o que é de interesse de criança e adolescente, idoso e idoso em situação de risco. Qualquer tipo de processo de divórcio, qualquer processo civil, até a indenização civil que envolva interesses de uma criança ou de um adolescente. O promotor vai se manifestar nesses processos para verificar se o direito que é pertinente ao adolescente ou à criança não está sendo lesado. 

Viva! Serra Negra – Como atua em relação ao idoso?
Bortolaço – Sempre quando tem idoso e idoso em situação de risco, o Ministério Público atua. Assim como tem o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tem o Estatuto do Idoso. Ele segue os mesmos princípios e também tem as medidas de proteção ao idoso e as situações em que o idoso é considerado em situação de risco. O dr. Gustavo Roberto Chaim Pozzebon, promotor do idoso, verifica uma situação, instaura um procedimento na promotoria, analisa e acompanha esse idoso para retirá-lo de uma eventual situação de risco. Eventualmente propõe até uma ação judicial. Com relação à saúde pública, tudo o que é referente a essa área também tem atuação do Ministério Público.

Viva! Serra Negra – Nessa área de saúde pública, o que parece que tem crescido é a demanda por pedidos de medicação de alto custo.
Bortolaço – Se o pedido de medicação de alto custo for de criança, adolescente ou idoso, nós propomos a ação. A parte também pode propor a ação. Um pai, por exemplo, que tem uma criança que necessita de uma medicação pode, por meio de um advogado, ingressar com a ação judicial. Aqui estamos entrando com a ação quando se trata de nossa legitimidade. Se for um adulto, ele é quem tem de entrar com a ação. Nós vamos nos manifestar nesse processo, mas quem tem de propor a ação são eles.

Viva! Serra Negra – Quais são as ações mais comuns aqui em Serra Negra?
Bortolaço – O que era muito comum e que a gente conseguiu melhorar depois de muita conversa com a prefeitura e a atual secretária de saúde, é a questão mesmo da medicação. Atualmente, em relação às solicitações de remédios de alto custo, conseguimos dar uma resolvida. Mas ainda há muitos problemas com cirurgias. Há pessoas, em especial idosos, que necessitam de uma cirurgia urgente. Eles entram na fila do SUS [Sistema Único de Saúde] e é um drama o que vivemos. Ficamos entre a cruz e a espada. Às vezes, uma pessoa numa situação gravíssima... em tese teríamos que ingressar com uma ação judicial e pleitear em juízo uma liminar para uma cirurgia ou qualquer coisa que o valha porque ela está na fila. Mas ficamos pensando e conversamos sobre isso outro dia aqui, porque vamos burlar a fila. Naquela fila muitas pessoas estão na mesma situação. Não procurou o Ministério Público, mas está precisando muito também. Isso é um drama sério, mas advém da falta de estrutura da nossa saúde. Mas tem muito disso e é um dos problemas mais graves que temos. São pessoas que necessitam urgentemente de uma cirurgia, não só para salvar a vida como para melhorar a qualidade de vida. São pessoas que estão em situação de cama e que ficam na fila.




"Faço o meu trabalho
e o prefeito faz o dele. Nossa 
relação é profissional"

Viva! Serra Negra – A iniciativa de criar a ONG Reviver com o objetivo de arrecadar recursos em prol do Hospital Santa Rosa de Lima surgiu dentro do Ministério Público de Serra Negra?
Bortolaço – Ajudei a criar a ONG, mas tem muitos parceiros que não têm nada a ver com a promotoria. O presidente é o nosso oficial de promotoria Celso Maurício Civera, mas quem ajuda a ONG mesmo são outras pessoas.

Viva! Serra Negra – A população diz que se o Ministério Público não tivesse tido a iniciativa, a ONG não teria sido criada.
Bortolaço – Fico até feliz por isso. Mas só entrei para ajudar quando chamaram as pessoas do fórum. Mas não tem nada a ver com a promotoria.

Viva! Serra Negra – Qual é a relação entre o Ministério Público e a prefeitura de Serra Negra? O MP recomendou, por exemplo, o afastamento do vice-prefeito, Rodrigo Magaldi do cargo de médico da rede municipal de saúde...
Bortolaço – É uma relação de profissionalismo. O prefeito daqui, posso dizer que ele está sendo bem profissional nesse sentido. Já propus três ações civis públicas, incluindo essa citada. A relação se torna, então, um pouco tensa por conta disso, porque na verdade o Estado me paga para fiscalizar e eu estou cumprindo as minhas funções. As vezes em que tive de conversar com o prefeito a respeito das questões referentes à municipalidade, ele sempre me atendeu com bastante cuidado e educação e sempre procura resolver os problemas. As vezes que eu o procurei, foi bem solícito com o Ministério Público, obstante às ações civis públicas propostas. É uma relação de profissionalismo. Estou fazendo meu trabalho e ele o dele.

Viva! Serra Negra – Nesse caso do dr. Magaldi, que continua atuando como médico na rede municipal, quais são as implicações?
Bortolaço – É algo que eu não concordo. Foi feita apenas uma recomendação ao prefeito, que não é obrigado a aceitá-la. Como promotor não concordei, propus uma ação judicial. É assim que funciona. A regra do jogo é essa. Nós seguimos a regra. Fizemos uma recomendação, ele não aceitou e está dentro do direito dele. Como não concordo, propus uma ação judicial para buscar aquilo que acho correto. Quem vai decidir é o juiz. Ele vai ter oportunidade de produção de provas e o juiz vai decidir.

Viva! Serra Negra – São dois promotores em Serra Negra?
Bortolaço – São dois. Cada um tem suas atribuições.

Viva! Serra Negra – Tem alguma área de atuação do Ministério Público que o senhor considera mais difícil aqui na cidade?
Bortolaço – Todas as áreas são difíceis. Temos o meio ambiente, que é do dr. Gustavo. É uma atribuição difícil. Na área de meio ambiente, o dr. Gustavo fez um bom trabalho referente à averbação da reserva legal que prevê que 20% de todos os imóveis têm de ter averbado como reserva legal. Tem um bom trabalho nessa promotoria a respeito desse tema. As questões dos loteamentos clandestinos também são algo que exige bastante preocupação da promotoria e que é de difícil solução.

Viva! Serra Negra – Há denúncias discutidas na Câmara Municipal de loteamento ilegal, mas que precisariam de investigação...
Bortolaço – Se a denúncia vier aqui, será apurada. Às vezes as coisas ficam entre eles na Câmara e não representam aqui nem dão oportunidade para a gente tomar conhecimento. Ficam brigando ali e a gente não toma nem conhecimento.

Viva! Serra Negra – O senhor acha que a promotoria tem uma boa imagem entre a população serrana?
Bortolaço – Acho que sim. A gente faz de tudo para que tenha. A maioria que nos procura não tem nada a ver com nossas atribuições, mas a gente procura atender as pessoas, esclarecer, porque a força do Ministério Público vem das pessoas. O Ministério Público é criado para servir as pessoas.

Viva! Serra Negra – O senhor acha que a população tem acesso adequado à defesa? Há uma reclamação por parte dos defensores públicos de que a remuneração é insuficiente para cobrir custos.
Bortolaço – Acredito que as pessoas tenham o acesso à defesa. Do jeito que vocês estão vendo aqui a estrutura do Ministério Público, temos um prédio, temos os promotores, deveria haver na cidade uma estrutura semelhante com os defensores públicos. Como não há, existe um convênio com a Ordem dos Advogados do Brasil que fornece esses advogados para a população carente. Sobre a qualidade dos advogados, eles são os mesmos que atuam na cidade, e há advogados bons, alguns razoáveis. Mas me falaram mesmo que pagam pouco. Mas tem funcionado para as pessoas que necessitam. Ninguém fica sem advogado. 

Viva! Serra Negra – Qual é sua percepção sobre o nível de conhecimento da população a respeito da Justiça e do trabalho da promotoria?
Bortolaço – Hoje, mais do que no passado, as pessoas gostam de falar de direitos, mas nunca se lembram de suas obrigações. As pessoas vêm aqui na promotoria muito atrás dos seus direitos. Só que elas têm os deveres também e elas não cumprem. Grande parte da população não pensa em cumprir suas obrigações.

Viva! Serra Negra – Elas têm mais noção de cidadania?
Bortolaço – Acho que sim. Mas as pessoas acham que o Estado tem de fazer tudo por elas. É uma atuação conjunta. Vou dar um exemplo que acontecia muito, mas não acontece mais. As pessoas vinham aqui e diziam que o filho não tinha transporte escolar. Como, não? Tem de ter. Na hora ligamos na Secretaria de Educação, que fornece o transporte. Descobrimos que tem o transporte, mas a perua pega a criança três quadras da casa. Só que os pais têm de acordar mais cedo, têm de ter o trabalho de levar a criança três quadras da casa. Ela quer que o carro passe na rua da casa dela e compara com os outros. Às vezes tem um itinerário e naquele itinerário, naquele setor, a filha tem de pegar três quadras, e outra criança, que é outro itinerário, às vezes acaba passando mais próximo da casa. Só que o município está dando, mas o cidadão tem suas obrigações de acordar mais cedo, trocar a criança, levar três quadras da casa. É um trabalho conjunto. Não é tudo o Estado. Às vezes diz que não tem vaga na escola, mas é porque ela queria uma vaga na escola que não é do setor da casa dela.

Viva! Serra Negra – E aqui não há falta de vagas em creches?
Bortolaço – Não, aqui não tem. Estou aqui desde 2011 e não lembro de ver uma pessoa dizer que seu filho está fora da escola ou de creche e se estiver a gente dá um jeito, a gente resolve, independentemente de ação judicial. Essas coisas que são caras para o município, têm de dar um jeito.

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