//OPINIÃO// Autista no Censo exige compromisso com o social

Marcos Mion e seu filho Romeo: comemorando a assinatura da Lei 13.861

Salete Silva

O Censo vai incluir dados específicos sobre autismo. A Lei 13.861/2019, que prevê a inclusão das informações sobre autistas nas perguntas do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) há duas semanas.

A legislação é muito bem-vinda, mas dependerá da vontade política do governo para surtir efeitos positivos. Horas antes de assinar a lei, o presidente Bolsonaro sinalizou sua contrariedade em relação à medida ao fazer uma declaração naquela linha de argumentação que lhe é peculiar.

Bolsonaro comparou os pais de autistas a pescadores mencionando a Lei do Defeso – que dispõe ao pescador artesanal um seguro-desemprego quando está no período em que as atividades de pesca ficam vetadas ou controladas.

Segundo o presidente, muitos pais e mães poderiam dizer no Censo que têm filhos autistas para poderem ganhar algum benefício, tal qual alguns “pescadores” fizeram na Lei do Defeso.

A declaração demonstra desconhecimento do presidente sobre o assunto, além de reafirmar a ausência de empatia do governo Bolsonaro em relação às questões de inclusão social e de disposição de canalizar recursos públicos para programas sociais.

O presidente voltou atrás horas depois, segundo o apresentador Marcos Mion, pai de Romeo, um garoto autista de 14 anos, que virou ativista da causa. Marcos Mion postou vídeo comemorando a assinatura ao lado da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e do presidente, que voltou atrás afirmando que caso vetasse o texto, iria "levar pancada" de todo mundo.

Ora, as informações colhidas no Censo não terão utilidade se não houver intenção de investir em políticas públicas para permitir o acesso dos autistas aos tratamentos multidisciplinares que envolvem vários profissionais ao mesmo tempo  - neurologistas, fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, psicopedagogos, entre outros - e de equipar escolas com recursos humanos e materiais didáticos próprios para que crianças e jovens memorizem os conteúdos dentro de suas especificidades.

Se não for para usar os dados do Censo para fazer políticas públicas de inclusão, a medida será puramente demagógica. A questão é que o Censo já perdeu importância nesse governo em abril, quando foi anunciada a redução do seu questionário básico, adotado em todos os 71 milhões de domicílios do país, de 34 para 25 perguntas. 

O formulário aprofundado, aplicado a uma amostra selecionada de entrevistados, foi reduzido de 102 para 76 perguntas. O orçamento do Censo encolheu de R$ 3,1 bilhões para R$ 2,3 bilhões. Na ocasião, o ministro da Economia, Paulo Guedes, queixou-se dos altos custos do Censo e também da quantidade de perguntas, alegando que recenseamentos em países desenvolvidos têm número mais reduzido de questões.

Para que serve o Censo? O levantamento traz não apenas o tamanho da população brasileira, mas informações sobre frequência à escola e à universidade (e quais disciplinas estão sendo cursadas), saneamento, sustento da família, raça, mortalidade, tipo de moradia, coleta de lixo e fornecimento de energia elétrica, entre outros dados. Esses dados servem para embasar diversas pesquisas e políticas públicas.

As informações sobre o autismo podem não só mensurar o número de portadores desse transtorno de desenvolvimento global como revelar, o que é mais importante, o que está sendo feito para diagnosticar precocemente e iniciar as intervenções o mais cedo possível para melhorar a qualidade de vida e o prognóstico desses pacientes.

O Censo traz informações relevantes na área da educação, mostrando quais crianças estão matriculadas para calcular as taxas de abandono e para traçar um perfil: por que será que elas estão abandonando a escola? São em sua maioria meninos ou meninas? Qual sua renda e onde moram? Só o Censo demográfico coleta esses dados e poderá mostrar o que está ocorrendo com os autistas.

A assinatura da Lei 13.861/2019 é de suma importância não só para os autistas, mas para lembrar aos brasileiros da importância do Censo em nações realmente comprometidas com a criação de políticas públicas voltadas para as minorias e para as pessoas mais pobres, a fim de permitir o acesso a serviços essenciais como saúde, educação e transporte, entre outros.

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