//ARTE// Há vagas para músicos. Na Banda Lira

Maestro Roberto Silotto Perondini: "Os turistas adoram a banda"


Carlos Motta

As fontes de água mineral, que deram a Serra Negra o título de "Cidade Saúde", a natureza rica em áreas verdes e paisagens bucólicas e encantadoras, além do comércio especializado em roupas para todas as estações do ano, são, sem dúvida, os maiores atrativos da cidade para os visitantes. Mas todos aqueles que tiverem a sorte de, num domingo de manhã, ao passar pela Praça João Zelante, escutar a música que vem do coreto - marchas, dobrados, valsas, sambas... -, certamente vão incluir a Banda Lira Serra Negra entre as preciosidades locais.


O grupo existe desde 1898. Surgiu com o nome de Corpo Musicale Italiano Umberto I, que perdurou até 1942. A entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial encerrou as suas atividades, como ocorreu com as outras entidades ligadas aos países do Eixo - Alemanha, Itália e Japão -, formalmente inimigos do Brasil. A orquestra, porém, renasceu com a denominação que tem até hoje, continuando uma história que se mescla com a da própria cidade.

Bandas como a Lira de Serra Negra continuam atuando por todo o país. Não se sabe ao certo quantas são, mas o número de conjuntos desse tipo cadastrados no Projeto Bandas de Música da Funarte (Fundação Nacional de Artes) dá bem a dimensão aproximada de sua importância cultural. São 3.039 orquestras ali registradas e assim distribuídas regionalmente: Norte, 188 (113 no Pará); Nordeste, 930 (219 no Ceará); Centro-Oeste, 228 (86 em Goiás); Sudeste,1.293 (799 em Minas Gerais); e Sul, 400 (166 no Rio Grande do Sul).


A Lira não é a única banda de música da região, mas certamente é a mais atuante. Para tanto, conta com o apoio da prefeitura há cerca de 20 anos: o Poder Público cede a ela o local para ensaios e a mantém sob contrato para 24 apresentações por ano. Em tempos de crise econômica pode até haver quem ache que a verba dispendida para arte e cultura é supérflua, mas no caso de Serra Negra esse suporte deve ser considerado não um gasto, mas um investimento necessário para manter o turismo local sempre atrativo e gerador de divisas para o município.

"Os visitantes gostam mesmo da nossa banda", diz o seu regente, Roberto Silotto Perondini, há cerca de 60 anos integrante da corporação. "Serra Negra recebe muitos turistas de São Paulo e outras cidades grandes, que nunca ouviram uma banda de música tradicional, como a nossa, e para eles essa novidade é muito agradável."


O maestro destaca uma das características que fazem a Lira ser tão apreciada pelo público: o seu repertório. Constam dele 350 músicas, das quais, anualmente, são tocadas cerca de 150. Com a particularidade de que, em cada concerto, sempre com 13 músicas, três são dobrados, o subgênero das marchas militares que marcou, historicamente, esse tipo de formação musical no país.

E o restante do programa, como é escolhido? Quem responde é ainda o maestro Roberto Perondini:

- A gente mescla o tradicional, que são as marchas, os dobrados, com algo mais comercial, músicas que o público conhece. Estamos sempre buscando novidades, a internet existe para isso...


Se o patrocínio da prefeitura é, pelo menos, suficiente para manter viva a Lira, a carência de músicos é um problema grave observado pelo maestro. A banda conta hoje com 27 músicos - e nem todos são de Serra Negra. Para completar o conjunto, foi preciso que viessem cinco músicos da vizinha Amparo.

- Nós sempre precisamos de mais dinheiro, é claro, mas a prefeitura paga direitinho, não temos do que reclamar. Nosso maior problema é a falta de músicos. Está muito difícil arranjar quem queira tocar conosco - diz o regente.

Além do conjunto principal, a Lira de Serra Negra se divide em outros dois grupos, a bandinha itinerante, formada por 10 músicos, que alegra as ruas centrais em datas de muito afluxo de visitantes, e a de marchinhas, que anima o Carnaval da turma de mais idade, também nas ruas do centro da cidade.


Essa atividade constante anima os músicos, que todas as quintas-feiras à noite se reúnem para ensaiar o vasto repertório da banda. Não sem alguns pequenos e inesperados problemas. Na fria e chuvosa noite do último ensaio, o maestro Roberto Perondini esperou vários minutos além do horário previsto para o início da atividade. Faltava um dos músicos. Um dos colegas observou: "Quando chove, ele atrasa mesmo..."

Como estava ficando tarde, o maestro resolveu começar o ensaio sem ele, que chegou quando o conjunto passava a quinta das 13 músicas do programa. Em apenas uma delas Perondini fez algumas correções, pediu que um trecho fosse repetido. No mais, a banda estava afinada e pronta para o concerto de domingo.

- Geralmente é assim, os ensaios são tranquilos, o pessoal já pega de primeira quando a música é mais simples - explica o regente.


No domingo, como sempre, o público na Praça João Zelante aplaudiu muito o concerto, que começou com o dobrado  "Dionízio Gilberto”, de Durvalino Franco da Silva, e se encerrou com “Bella Ciao", a canção popular italiana anônima que se se tornou um símbolo da resistência italiana contra o fascismo na Segunda Guerra Mundial - e que ficou conhecida dos brasileiros graças à série televisiva "La Casa de Papel". 

A Banda Lira Serra Negra novamente havia cumprido o seu papel de manter viva a tradição musical da cidade - uma história mais que centenária.

No vídeo, a Banda Lira Serra Negra ensaia o dobrado "Dionízio Gilberto":



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