//ARTE// Conversas virtuais viram livro

Paula Cristina e seu livro: “O leitor precisa sentir a história”

Salete Silva

Com apenas 16 anos em 2015, a adolescente Paula Cristina, nascida em Itapira, mas serrana praticamente desde o nascimento, começou a transformar suas conversas nas redes sociais numa obra literária sobre o mundo e as angústias da adolescência.

O livro, “S.O.S Internato: a Marrenta Está na Área!", lançado, anos depois, pela editora Autografia, do Rio de Janeiro, conta a história de uma garota obrigada a viver num internato.

A personalidade da menina Emily, de temperamento impulsivo, que tem de enfrentar um luto e o desprezo da mãe, foi ganhando contornos e riqueza de detalhes à medida que Paula escrevia e compartilhava os capítulos com os amigos virtuais.

A inspiração vinha da reação dos adolescentes, que faziam observações sobre o comportamento da personagem. “A pior reação deles me indicava estar no caminho certo. Se uma frase os fazia chorar, então, eu devia continuar”, revela. “O leitor precisa sentir a história”, conclui.

Paula encontrou na escrita a maneira de tentar traduzir para a sociedade sentimentos como tristeza, vazio e medo que permeavam, segundo ela, os relatos dos jovens e que pareciam incompreensíveis.

“Ninguém parecia entender o que eles estavam sentindo ou vivendo. Todo mundo apenas despejava julgamentos sobre eles, sem pensar na forma como isso os afetava”, observa.


A jovem escritora, hoje com 18 anos e também estudante de psicologia, frequentava, na época, grupos de autoajuda nas redes sociais. Sua expectativa era ouvir os desabafos e tentar ajudar adolescentes em conflito com seus sentimentos. “Como tinha acabado de conhecer um aplicativo de leitura e escrita, passei a utilizá-lo para escrever e publicar o que escrevia”, relata.

Sem rotina fixa para escrever, Paula às vezes acordava inspirada e às 6 horas da manhã já estava digitando no celular, aparelho que usou para escrever toda a obra. “Da mesma forma que não tinha horário para começar, também não tinha para parar”, afirma.

Dependia da inspiração. “Um dia escrevia até três capítulos, em outro passava horas em um único parágrafo”, recorda-se. A obra foi iniciada entre 2015 e 2016 e levou um ano para ser concluída.

A revisão foi mais trabalhosa. “Tive praticamente que reescrever, tirando algumas partes, adicionando outras e apesar de achar que poderia ter feito mais, estou satisfeita com o trabalho”, diz.

Foi Paula mesma quem providenciou a publicação. A escritora encontrou a Autografia Editora nas redes sociais, enviou o livro para avaliação e logo recebeu o retorno com a aprovação pelos editores.  

Tudo caminhou muito rápido depois, Paula lembra, e logo já estavam enviando a capa do livro para sua aprovação. “Foi tão incrível quanto assustador”, afirma.

O livro, publicado em 2017, trouxe transformações para a vida da jovem escritora. “Além de amadurecer minha escrita, as conversas com pessoas de diferentes lugares me fizeram mudar a forma de pensar e criar laços de confiança e amor com leitores, o que é impagável.”

O livro de ficção de Paula reflete uma realidade cada vez mais frequente na sociedade e na região de Campinas. Segundo pesquisa divulgada no mês passado pelo Centro Colaborador em Análise de Situação de Saúde (CCAS) do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, as taxas de morte por suicídio em Campinas mais que triplicaram entre 1990 e 2017, passando de 1,7 para 5,6 pessoas por 100 mil habitantes.

A maior taxa de tentativas ocorreu entre adolescentes de 15 a 19 anos, atingindo um índice de 59,9 por 100 mil habitantes.

"A presença de doença mental, em especial de depressão, drogas e álcool, história de abusos físicos na infância e a presença de um componente de impulsividade e agressividade, são condições comumente associadas ao suicídio, além de possível contribuição genética”, explica Marilisa Berti de Azevedo Barros, coordenadora do CCAS e docente do Departamento de Saúde Coletiva da FCM.

Pesquisa realizada no município de Campinas (Projeto Supre-miss) revelou ainda que 17,1% dos moradores com idades de 14 anos ou mais tinham pensado seriamente, em algum momento, em acabar com a própria vida, 4,8% tinham planejado como fazê-lo e 2,8% já tinham tentado o suicídio alguma vez na vida.  

Um outro estudo de saúde realizado com amostra representativa da população campineira (Projeto ISACamp 2014/2015) revela outros indicadores de sofrimento psíquico. Em relação aos 30 dias anteriores à entrevista, 21,7% dos moradores com 18 anos ou mais relataram ter se sentido tristes ultimamente; 12,7% haviam chorado mais do que de costume; 11% tinham perdido o interesse pelas coisas; 3,4% haviam tido ideia de acabar com a vida e 6,2% haviam se sentido desanimados e deprimidos sempre ou quase sempre.

Paula pretende seguir na carreira de psicologia, sem, no entanto, abandonar a escrita. A escritora foi indicada para receber moção de aplausos da Câmara Municipal de Serra Negra, talvez um dos raros casos em que a população serrana deverá concordar com a homenagem criada para reconhecer pessoas que contribuem para a comunidade. O livro pode ser adquirido com a autora ou pela editora: 

http://www.autografia.com.br/loja/sos-internato:-a-marrenta-esta-na-area!/detalhes

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