//EDUCAÇÃO// Como é bom ser infantil!



Camila Formigoni

Quando pensamos na escola como uma instituição na qual se adquire conhecimento, é
necessário pensar em quantos estudantes sentem prazer em acordar ou sair de seus lares
para estar em um grupo social que visa ensinar.

Lembrar de momentos peculiares da infância na instituição escolar nos ajuda a retratar
como ela é vista pelo aluno. Algumas falas talvez sejam familiares: “Está de castigo!””,
“Sente-se!”, “Silêncio!”, “Entre na fila!”, “Fez a tarefa?”, “Olhe para frente!”, “Melhore
essa letra!”, “Vá para a diretoria!”, “Está sem recreio!”. Essas e muitas outras frases
nos remetem a pensar em algum fato ocorrido em determinado momento da vida.

Quando qualquer criança, por menor que seja, inicia sua vida escolar, é necessário levar
em consideração que ela já viveu, mesmo que um período menor de tempo, que percebeu
cores, palavras, lugares, observou posturas, pegou, ouviu, passou por momentos em que
teve vontade de repetir ou de compartilhar.

Se é pequena, na fase da educação infantil (dos 2 até por volta dos 6 anos), tem a
necessidade de sentir, vivenciar e criar situações e brincadeiras de maneira lúdica.
Esses sentimentos, e até mesmo instintos, muitas vezes são decepados no ambiente
escolar. Ela tende a odiar estar todos os dias em um lugar onde o que já aprendeu
vivendo é mutilado de forma gradativa e lenta.

Depois que os dentes de leite começam a ir embora e as “janelas” são preenchidas pelos
dentes permanentes, os questionamentos e reflexões aumentam. As podas também!
Quem sabe algo gosta de compartilhar, expor o que viveu, dividir tudo aquilo que lhe
faz pulsar de alguma forma. Esse corte de falas pende ao sentimento de impotência,
desmotivação, tristeza. Por que não raiva?

Se a criança não vê sentido em estar, se tem repulsa pela escola, assim como grande parte dos adultos sente pelo trabalho, a probabilidade de não querer participar dessa experiência social é muito grande. Ao abrir a boca para falar, escuta geralmente a onomatopeia “xiiiiu”.

Pode-se exemplificar com um conteúdo corriqueiro, ciências talvez, um texto sobre a
metamorfose da borboleta. Obviamente que a maioria dos educandos já viu uma
borboleta e vai querer expor o que aprendeu na prática – a chamada práxis freiriana.

Segundo o educador Paulo Freire, as relações sociais são produtoras de sociabilidade
humana, e dessa forma a humanização dessas práticas constitui condição fundamental
para a educação. A tendência do pensar mecânico é priorizar o cronograma, finalizar
conteúdos e mostrar números ao sistema. Isso causa um desânimo naquele que quer
descobrir por qual razão as cores das borboletas são diferentes, por que em certas
regiões esse inseto é mais escuro e em outros lugares é mais claro, do que ela se
alimenta, contar que o primo prendeu uma borboleta em um vidro e expor que o casulo
ficou vazio.

A criança é persistente e otimista, e mesmo depois de tantos “xius” ela continua a querer
falar. Em algum momento alguém vai “vencer”. Embora seja doloroso admitir, o discente sempre sai perdendo nessa disputa.

Por qual razão a maioria das crianças odeia a escola? Talvez porque sempre haverá
alguém que vai querer fechar a vácuo o pensamento, deixar compacto para se encaixar
no sistema predeterminado. Aquele que deveria ser um ambiente de conhecimento é na
verdade um território de disputa do pensar livre e do pensar compacto. Uma competição
de medir forças para descobrir quem tem mais razão. E o adulto, somente por ser
adulto, julga que o seu saber é melhor do que o saber da criança. O adulto, que um dia
teve seus pensamentos apartados quando criança, hoje aparta o pensamento crítico de
outras crianças, pois aprendeu que, pelo simples fato de ser adulto, tem o direito de calar
o outro.

Não há problema em ouvir, não há embaraço em admitir que a criança sabe. O bloqueio
do pensar e da reflexão sobre o que se pensa gera seres que fenecem, murcham. A
escola deveria ter muitas outras funções, menos a de atrofiar o pensamento e disputar
qual é o melhor “eu”.

Quando um adulto ouve “como você é infantil!”, ele se revolta e leva isso como uma
ofensa. Antes todos tivessem atitudes infantis, destemidas e sem malícia para perceber
que na verdade o que os adultos mais desejam é reproduzir o que um dia sofreram.
Quando alguém diz “você é infantil!”, essa expressão não deveria ser tão mal vista
pelos adultos. Ser infantil deveria ser um elogio, pois as melhores experiências e
desbravamentos acontecem na infância.

Se a criança tiver a oportunidade de entender que o que ela já sabe pode ser agregado ou
entrelaçado a tantas outras coisas quando ela abre e lê um livro, se ela descobrir que
pode viajar ao Paquistão, ao Japão e a à Amazônia sem nunca ter saído da terra firme,
terá a sensação eterna de que a infância é gratificante e satisfatória, não terá pressa em
querer ser adulto e reproduzir um mundo adulto cheio de engessamentos. 

Seria então um elogio: "Você está tão infantil hoje!" Praticamente um sinônimo de
sonhador, destemido e crítico.

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