//CIDADE// O lar que orgulha os serranos

Pici Dallari: muita ajuda da comunidade para manter o Lar funcionando

Salete Silva

O Lar dos Velhinhos São Francisco de Assis completa em outubro 75 anos com motivos de sobra para comemorações. A instituição, hoje com 53 moradores, não só conquistou da sociedade serrana a credibilidade por seu trabalho de assistência aos idosos como conta com o apoio da população para manter as portas abertas.

Mais da metade dos custos da instituição vem da colaboração da sociedade por meio de eventos, doações de supermercados, empresas e entidades serranas, além das iniciativas do próprio Lar como o Brechó da Bastianeta, a festa do Arraial da Caridade e os almoços mensais que reúnem, além dos parentes dos idosos acolhidos pelo Lar, cidadãos serranos que já elegeram a comida servida nessas ocasiões como uma das mais saborosas da cidade. 

Mas nem sempre foi assim e, há pouco mais de oito anos, o Lar corria o risco de fechar as portas se uma administração eficiente não fosse imediatamente executada para saldar as dívidas, revitalizar o prédio e em especial levantar recursos para manter o atendimento.

Já nos primeiros dias de trabalho em 2011 após assumir a presidência do Lar, Maria Aparecida Dallari Guirelli, a Pici, serrana que deixou a cidade aos 17 anos para estudar e casar e retornou 30 anos depois, teve uma amostra do que viria pela frente e das dificuldades e desafios a serem enfrentados.

Sem nenhum tostão em caixa, Pici se debruçou sobre as contas e pensava como saldaria a que venceria naquele dia. “Dez minutos depois apareceu um senhor com uma doação e qual não foi minha surpresa quando abri o cheque e vi que eram exatamente os R$ 3 mil necessários para pagar a dívida”, relata.

Deus tem ajudado nesses últimos anos com soluções inesperadas, diz Pici, mas sem eficiência, capacidade de trabalho e uma equipe comprometida com a qualidade de atendimento, o Lar não teria saído da situação de penúria que a administradora encontrou quando assumiu a presidência.

A situação, recorda ela, era caótica. O prédio estava comprometido e as dívidas vinham de todos os lados. O Lar devia IPTU, INSS, FGTS e tinha até contas atrasadas de serviços essenciais, como água e luz. “Recebi no primeiro dia de trabalho a visita do funcionário da Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) que ameaçava cortar a energia elétrica se a dívida não fosse quitada”, lembra.

Acertar as contas foi a prioridade da estratégia adotada na sua administração para recuperar a credibilidade dos serranos. “Devíamos água, luz, remédio, gasolina, enfim não havia onde não devíamos”, afirma. E assim, as contas do Lar foram negociadas e parceladas. Algumas delas ainda estão sendo pagas. 

Cada morador custa em torno de R$ 2 mil ao mês. Eles contribuem com 70% do Benefício de Prestação Continuada (BPC), equivalente hoje a um salário mínimo e que pode ser reduzido a apenas R$ 400 se aprovada a reforma da Previdência Social  enviada pelo governo Bolsonaro ao Congresso.


Lar abriga 53 idosos, mas há ainda outros 30 na fila, que esperam por uma vaga

Como a maior parte dos 53 moradores é de família carente, a maioria chega sem ter acessado ainda o BPC, o que o Lar providencia rapidamente. “Se mexerem nisso na reforma, não teremos mais como atendê-los”, lamenta Pici. Outra fonte de recursos é a Prefeitura, que repassa R$ 47 mil anuais, cerca de R$ 4,2 mensais. “Mas o principal é a ajuda da comunidade”, afirma.

O Lar não desembolsa recursos, por exemplo, com alimentos perecíveis, fruto de doações. O estoque desses produtos é acompanhado regularmente e quando registrada a queda da quantidade de algum deles, uma campanha imediatamente é lançada para reposição. “Os cupons de nota paulista doados também são importantes”, ressalta.

Mas ainda assim não é possível atender os cerca de 30 idosos que esperam por uma vaga na fila. Para isso, seria necessário investir na ampliação do prédio e na modernização das instalações, o que custaria, ela calcula, mais de R$ 2 milhões. Além disso, para ampliar o número de moradores e garantir sua manutenção, é preciso encontrar novas fontes de renda.

O Lar conta com 28 funcionários que, segundo Picci, são um dos pilares da boa qualidade de atendimento. “Seguimos a convenção coletiva, mas sabemos que eles teriam de ganhar o triplo para trabalhar com tanta dedicação, carinho e competência”, diz. Além dos cuidados com os idosos, produzem 370 refeições diárias e lavam 150 quilos de roupa por dia.


Lavanderia dá conta de 150 quilos de roupas diariamente

Pici acompanha o trabalho de cada área pessoalmente e no tempo de sobra ainda se dedica com carinho a detalhes que fazem toda a diferença, como produzir, com sua mãe, o capelete que será servido na 47º Arraial da Caridade, quando serão comemorados os 75 anos do Lar.

História de compaixão

Em meio a tantas dificuldades financeiras, o Lar em mais de sete décadas de vida não perdeu ao longo dos anos a sua essência que é o sentimento de compaixão de seu fundador, o médico Jovino Silveira.

Ao atender a um chamado médico, em 1944, o dr. Jovino encontrou o paciente idoso já morto vestido com trajes da esposa por absoluta falta de roupa. Indignado, o médico escreveu um artigo no jornal da época alertando para a necessidade de acolhimento dos idosos carentes. A comunidade se sensibilizou, mobilizou, e assim nasceu o Lar dos Velhinhos São Francisco de Assis.

A instituição mudou a vida de quem encontrou lá o verdadeiro lar, como Antônio da Cruz Pires, morador mais antigo da instituição. Nascido em 1939, reside ali desde 1990. Marceneiro de Mogi Guaçu, ele lembra do tempo em que trabalhou na construção do Centro de Convenções de Serra Negra e diz que o Lar é sua casa.


Antônio da Cruz Pires, no Lar desde os anos 90: "Aqui é minha casa"

A decisão de internar a mãe de 92 anos, portadora de Alzheimer, num asilo se tornou um pouco mais fácil e menos dolorosa, depois de conhecer o Lar e os responsáveis pelo atendimento aos idosos, relata a secretária Judite Maria Giraldi. “Entendi que não a estava abandonando, mas oferecendo a ela coisas que sozinha jamais poderia oferecer”, afirma. Como única cuidadora da mãe, Judite lembra que era muito sofrimento quando não podia passar a noite com ela ou quando chovia torrencialmente e não podia estar em sua companhia. “Agora, sei que está bem cuidada e que sempre tem alguém cuidando dela”, diz Judite, que visita a mãe pelo menos três vezes por semana.

Os familiares de forma geral são muito presentes, observa Pici. “Não tem gente que largou aqui seu parente, mas sim que não tem condições de cuidar dele. Há pacientes com acidente vascular cerebral, que não andam, que não conseguem se cuidar sozinho e a família não tem condições de acolher”, explica.

Para pleitear uma vaga é preciso ter no mínimo 60 anos e comprovar residência em Serra Negra. O Lar recebe ligações todos os dias de pessoas interessadas em internar algum parente, boa parte de cidades vizinhas ou até distantes, como Santos e São Paulo. “É muito difícil dizer que não dá para atender ou que a pessoa tem de ficar na fila, mas não tem outro jeito”, diz Pici num tom bastante emocionado.

No vídeo abaixo, Pici fala sobre a ajuda da comunidade serrana para o funcionamento do Lar dos Velhinhos.


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