//SALETE SILVA// O machismo e a luta da mulher na política



Chamou minha atenção a avaliação de um comentarista político sobre como o candidato Jair Bolsonaro tratou as candidatas presidenciáveis no último debate realizado pela Globo, na quinta-feira, 29 de setembro. O comentarista observou que Bolsonaro se dirigia às duas candidatas sempre as tratando como seres infantis, desdenhando de seus argumentos e tentando parecer mais didático do que quando se dirigia aos colegas candidatos.

Talvez a presença do padre farsante e o modelo caótico do debate global tenham me desviado de detalhes como este observado pelo comentarista. Ainda bem que a observação é de um comentarista. Se fosse uma comentarista a constatação poderia ser chamada de vitimismo, como já ouvi sobre fatos que constatei em quase três anos de cobertura jornalística da política local.

Alguns são flagrantemente machistas e outros, como bem observou o comentarista, de infantilização das mulheres. O mais recente é o caso de um vereador, cujo nome melhor não citar para que não considere perseguição ou má vontade da minha parte. Aliás, os relatos estarão todos no anonimato. 

Neste primeiro caso, ocorrido durante a campanha eleitoral, o vereador pediu a palavra para criticar o candidato a deputado estadual Marco Bueno (Republicanos) que faz oposição ao grupo político que administra a cidade. Bueno, ex-vereador da Casa, teria debochado da atuação da atual legislatura.

Ao manifestar sua indignação com o deboche, o vereador proferiu a seguinte pérola: “Uma coisa é chegar aqui e falar da casa do vereador Eduardo Barbosa. Dizer que a mulher dele lavou sua camisa branca bonitinho e eu falar que a esposa do Barbosa não está lavando bem a camisa dele e que a camisa está encardida. Mas no dia seguinte minha esposa vai lá e lava o vidro da minha casa e eu vejo que a camisa do vereador Barbosa está branquinha. Então, o problema não estava na camisa, estava na vidraça da minha casa.”

A infeliz e confusa comparação do vereador é também machista ao atribuir naturalmente a uma mulher a responsabilidade por lavar a camisa do marido e à outra a obrigação de lavar as vidraças da casa. 

Também há pouco tempo, em uma das sessões da Câmara, uma vereadora recém-casada recebeu um "pito" disfarçado num tom de brincadeira por não ter providenciado no cartório a alteração no seu nome de solteira. Alguém já viu algum homem ser cobrado por ainda não ter mudado seu nome de solteiro?

Outro episódio de cunho machista ocorreu há mais tempo, talvez no ano passado. Um vereador brincou com a idade de uma das vereadoras, dizendo que ela já não seria tão menina como as demais. Tudo em tom de brincadeira.

O machismo também esteve camuflado no elogio à vereadora que substituiu o 1º secretário em uma sessão não tão recente. “Nada mal por ser a primeira vez”, disse o vereador à colega, o que remete à observação do comentarista sobre o tratamento infantil dado por Bolsonaro às candidatas presidenciáveis.

Esses lapsos machistas podem parecer banais se comparados ao que disse um vereador na legislatura anterior. Em plena sessão, ao criticar a falta de manutenção, cuidados e investimentos nos pontos turísticos da cidade, o vereador comparou Serra Negra a uma mulher velha, feia e caída.

A bancada feminina da Câmara de Serra Negra tem apresentado, sem sombra de dúvida, mais resultados do que os de seus pares homens. Embora até agora nenhuma tenha tido a ousadia de mandar de volta ao Executivo os projetos mal elaborados, elas são mais incisivas nos questionamentos e mais dedicadas a estudar os diferentes assuntos debatidos pela Casa. 

As três vereadores criaram a Frente Parlamentar dos Direitos das Mulheres e aprovaram na semana passada o Programa de Cooperação Código Sinal Vermelho, que prevê a prevenção à violência doméstica ou familiar, nos termos da Lei Federal no 11.340/2006.

As mulheres ainda têm um longo caminho a percorrer na política nacional e em especial local. Essa distância é notória quando algum vereador ou político discursa sobre a importância da mulher na sociedade. 

Enquanto houver discursos políticos para enaltecer as habilidades femininas e lembrar a importância do papel da mulher é porque ainda estamos no andar de baixo e não atingimos o patamar masculino. O mesmo serve para o racismo e a homofobia. Enquanto houver discursos de combate ao racismo e à homofobia é porque ainda há preconceitos e seus direitos não são exercidos.

Os avanços são lentos. Apesar de atingir um número recorde de 9.415 candidaturas, as mulheres representam apenas 33% dos candidatos que concorrem às eleições neste domingo, 2 de outubro, e o crescimento da participação feminina nos pleitos eleitorais vem desacelerando.

O número de mulheres candidatas aumentou apenas 2,2% em relação a 2018. Em 2010 a participação feminina chegou a crescer 60,6%, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os especialistas explicam que a queda vem ocorrendo porque as mulheres recebem menos recursos para investir nas campanhas do que os homens, que ainda são priorizados pelos partidos políticos.

Tomara que nas eleições de amanhã pelo menos as mulheres incluam candidatas entre suas escolhas aos Legislativos federal e estadual e que rejeitem nas urnas o governo do presidente Jair Bolsonaro, o pior da história para a luta feminina. Em seus quatro anos de gestão, Bolsonaro reduziu em 94,5% os recursos destinados às medidas de combate à violência contra a mulher.

Entre os anos de 2020 e 2023, incluindo os projetos de Orçamento enviados ao Congresso pela atual gestão, foram indicados R$ 22,96 milhões para políticas específicas de combate à violência contra a mulher. Nos Orçamentos de 2016 a 2019 esses recursos chegaram a R$ 366,58 milhões. Os dados são do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

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Salete Silva é jornalista profissional diplomada (ex-Gazeta Mercantil e Estadão) e editora do Viva! Serra Negra



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