//SALETE SILVA// Pesquisador contesta versão oficial sobre fundação de Serra Negra

Nestor de Souza Leme: "Não há fundamento na crença
de que as Três Barras é o berço da fundação da cidade” 

 

A Câmara Municipal de Serra Negra aprovou na sessão de segunda-feira, 4 de dezembro, projeto de lei que institui cinco rotas turísticas no município: Alto da Serra, Queijo e Vinho, Café, Macacos e Fundação. O projeto é de autoria do Executivo, com o objetivo de unificar as leis anteriores sobre o assunto e facilitar a captação de recursos das esferas estadual e federal.

A nova lei, no entanto, suscitou uma contestação sobre o local e data da fundação da cidade pelo pesquisador da história da cidade Nestor de Souza Leme, responsável por uma página no Facebook dedicada a publicar fotos antigas sobre Serra Negra e um dos colaboradores do “Capelas Rurais de Serra Negra – História e Fé”, livro sobre as capelas do município.

O projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal não cita a história de fundação da cidade. O projeto só destaca duas informações. Uma delas é a de que o bairro das Três Barras é o local onde se iniciou Serra Negra e onde teriam morado Lourenço Franco de Oliveira, considerado fundador oficial da cidade, e o médico nazista Josef Mengele.

A versão oficial da fundação da cidade se baseia no relato de Alcebíades Felix, falecido em 2015, conhecedor de Serra Negra e autor do livro "A História de Serra Negra". Lourenço Franco, na sua versão, teria chegado de Bragança Paulista em 1828 (...) “Lourenço Franco de Oliveira se instala perto da Capitania de Minas Gerais, onde funda a alguns quilômetros da ‘serra negra’, o latifúndio conhecido como Três Barras por haver três riachos (naquele tempo conhecidos como barras), passando por estas terras e conhecido assim até hoje, mas também teve a antiga denominação de sítio do bairro da serra negra” (...) escreve Felix. Ele cita como fonte o Centro de Estudos Históricos de Serra Negra, sobre o qual não há informações disponíveis, sem mencionar documentos históricos.

Centro da cidade

Nestor Leme questiona o local e data de fundação com base nos dados históricos publicados no livro “A História de Serra Negra”, do historiador serrano Jorge Antônio de Camargo, editado por ocasião das comemorações do sesquicentenário da concessão da Capela Curada de Serra Negra, que na sua avaliação é a obra de história da cidade baseada em maior quantidade de documentos históricos.

Os registros consultados por Nestor Leme indicam que a fundação da cidade está associada com a capela que deu origem à Igreja Matriz, localizada no centro da cidade, cuja autorização para a sua construção foi assinada pelo bispo Dom Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade, em 23 de setembro de 1828, não com a da capela das Três Barras, conforme informação oficial.

A data de assinatura da carta que concede a instituição da Capela Curada de Serra Negra teria sido escolhida de forma aleatória para oficializar a fundação da cidade, que, de acordo com as pesquisas de Leme, já existia havia pelo menos uns dois anos.

Documentos históricos revelam que por volta de 1820 José Antônio Pedroso, devoto de Nossa Senhora do Rosário, ao se instalar na região trouxe uma imagem da santa de sua devoção e erigiu uma pequena capela onde hoje é o início da Avenida Laudo Natel.  

A capela atraiu inúmeros devotos, entre os quais o alferes José Joaquim Pires, que convenceu os demais a enviarem uma carta com as assinaturas dos devotos ao bispo Dom Joaquim, solicitando o envio de um padre efetivo. O nome de Pires é o primeiro da carta com as assinaturas, o que indica que ele teria encabeçado esse movimento para obter a autorização do bispo. O livro relata que foram colhidas pelo menos 200 assinaturas de devotos.

“Se a carta tinha 200 assinaturas de homens, a vila em 1828 já deveria contar com mais de 1.000 habitantes, pois aqueles 200 homens com certeza tinham famílias que naquele tempo eram numerosas, além de vários escravos”, afirmou Leme. Diante de suas pesquisas e levantamentos, Leme disse que não sabe informar como Lourenço Franco de Oliveira entrou para a história da cidade como seu fundador. 

“Confesso que não sei, pois sua primeira aparição nos registros históricos é sua assinatura na lista dos homens assinantes da carta ao bispo. “A assinatura do Lourenço é a terceira da carta. 

“Isso só prova que ele era um dos moradores, tanto que só colocou seu nome no documento depois que outros dois já tinham assinado”, observa. No livro de Alcebíades Felix, no entanto, Lourenço Franco é citado como quem encabeçou a representação enviada ao bispo, sem, no entanto, mencionar alguma documentação.

Apesar de Lourenço Franco dar nome a praça, escolas e logradouros, Leme relata que os registros só revelam seus feitos depois da chegada, em novembro de 1828, do padre Camilo José de Lelis, que construiu uma capela maior, em substituição à de Jorge Antônio José.

Capela de São Roque

Lourenço Franco foi um dos três doadores do terreno onde foi construída a capela que deu origem à atual Matriz de Nossa Senhora do Rosário. “Esses dados históricos nos levam à conclusão de que não há fundamento na crença de que as Três Barras é o berço da fundação da cidade”, conclui Leme.

A atual capela de São Roque não existia em 1828 e a região onde está localizada ainda era coberta de matas. O local só começou a se desenvolver por volta de 1870 com a expansão da cafeicultura.

Leme também contesta a afirmação de que Lourenço teria construído a capela de São Roque. Ele explica que o historiador Pinto da Cunha, que se dedicou a pesquisar a história da região, constatou que a moradia de Lourenço se localizava no bairro conhecido como Bico de Pato, pouco além do cruzamento da Rodovia Serra Negra-Lindoia com a entrada do Bairro da Serra, e não na parte baixa do bairro.

Leme lembra ainda que a primeira capela construída nas Três Barras só teve provisão concedida em 1914, ou seja, 86 anos depois da suposta fundação ocorrida em 1828, e foi erigida por Felipe Lepore. Outro dado histórico, apontado por Leme, que contradiz as informações oficiais é que em 1928 Lindoia ainda não existia e que, portanto, não havia necessidade de estradas para chegar até lá.

“A primeira estrada para nos ligar à cidade vizinha não seguia o trajeto da atual estrada e sim foi aberta pelo antigo Bairro do Mosquitos, atual Bairro Belo Horizonte, estrada que é usada para caminhadas e que desemboca atrás da igreja Nossa Senhora das Brotas”, explica. Leme avalia que corrigir dados históricos, não é uma vergonha para o município, mas um dever dos poderes Legislativo e Executivo. 

O projeto de lei foi aprovado pela Câmara Municipal por unanimidade. 

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Salete Silva é jornalista profissional diplomada (ex-Estadão e Gazeta Mercantil) e editora do Viva! Serra Negra



Comentários

  1. Muito importante mesmo buscar a fonte correta pois dados históricos como esse não podem e nem devem ser confundidos, já que existem documentos devemos analisar antes de qualquer coisa! Gostei da matéria

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