//CARLOS MOTTA// A praça é do povo. Para os religiosos há os templos

 


O Brasil é, constitucionalmente, um Estado laico, que não tem preferência por nenhuma religião e assegura a prática de todas. Está lá, no Artigo 5º, Inciso VI: "É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias."

Adiante, no Artigo 19, a Carta Magna da nação torna explícita a separação entre o Estado e a religião: "É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público."

Isso posto, é flagrante a inconstitucionalidade da criação de uma "Praça da Bíblia" em Serra Negra, como pretende o Executivo local, segundo declaração feita pelo prefeito Elmir Chedid em transmissão em sua página do Facebook. 

A ideia é transformar o coreto - ou quiosque, como disse o prefeito - existente no meio da Praça Sesquicentenário, em local para as pessoas "orarem". 

A intenção de construir na cidade uma "Praça da Bíblia" vem do governo passado. O então prefeito, Sidney Ferraresso, colheu aplausos de vários vereadores e críticas da população pela sua proposta. Por fim, talvez em vista da polêmica criada ou por receio de ver a obra embargada pela Justiça, o assunto morreu.

Até ser ressuscitado pelo atual prefeito, que pode estar imbuído das melhores intenções ao prometer criar num dos principais cartões postais da cidade esse espaço religioso. Há quem diga, porém, que a tal praça seria apenas uma forma de, num período eleitoral, prefeito e vereadores que apoiam a ideia, agradarem a população serrana, extremamente religiosa, e principalmente os evangélicos, que aumentam de número na cidade como o milagre bíblico da multiplicação dos pães.

O que não falta em Serra Negra é espaço para oração. Há dezenas de templos religiosos espalhados pela cidade, onde os fieis podem, tranquilamente, com segurança e conforto, orar e dar graças ao seu deus. 

O fato é que, se um centavo do dinheiro público for gasto nessa "Praça da Bíblia", o Ministério Público terá de se manifestar contra, pois já há pelo menos dois casos semelhantes considerados inconstitucionais pela Justiça de São Paulo. No município de Praia Grande, litoral paulista, a prefeitura usou recursos públicos na construção de um monumento com inscrições bíblicas. O Tribunal de Justiça do Estado determinou a retirada de inscrições bíblicas do monumento.

Outra sentença do Tribunal de Justiça proibiu a Prefeitura de Santa Bárbara D'Oeste auxiliar na realização de um evento chamado Marcha Para Jesus, também baseado no Artigo 19, Inciso I da Constituição.

Praças públicas são espaços que pertencem à toda população. É notório que os religiosos compõem a esmagadora maioria dos brasileiros. Mas entre eles há quem não tenha a Bíblia como livro sagrado. E existem também os ateus. 

Ora, uma "Praça da Bíblia", além de agredir a Constituição, que proíbe a subvenção de cultos religiosos e igrejas por parte da União, Estados, Distrito Federal e municípios, também fere o princípio da isonomia - se há uma "Praça da Bíblia", é mais que justo que se tenha igualmente praças dedicadas ao Alcorão, à Torá, ao Maabárata, ao Evangelho do Monstro do Espaguete Voador...

Mais proveitoso ao desenvolvimento cultural de Serra Negra seria a criação, no lugar de uma "Praça da Bíblia", de uma "Praça da Ciência", um local dedicado a cultuar o saber. Nela, quem sabe, as autoridades serranas poderiam dar uma lida mais atenta, na Constituição da República Federativa do Brasil.

Há muita coisa boa lá. 

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Carlos Motta é jornalista profissional (ex-Estadão, Jorna da Tarde e Valor Econômico) e editor do Viva! Serra Negra




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