//DIA INTERNACIONAL DA MULHER// Dona Isabel, 75 anos, e seu pequeno mundo: o sítio e o café



A agricultora Isabel da Borda de Lima, de 75 anos, lembra que chegou em Serra Negra para trabalhar na cafeicultura em um caminhão de boia-fria no fim dos anos 1980. Ela veio do Paraná com o marido e um bebê de três meses nos braços, junto com um grupo de agricultores.

Dona Isabel nasceu em Cafelândia, município do interior de São Paulo, distante 392 quilômetros de Serra Negra, o que explica sua dedicação à cultura do café desde menina. Cafelândia também tinha a cafeicultura como principal atividade econômica até meados dos anos 1990. A agricultora deixou a cidade ainda moça e viveu em diversos outros lugares do interior de São Paulo e do Paraná.  

Quando chegou em Serra Negra, dona Isabel trabalhou por pouco tempo em uma das propriedades da família Marchi, mas logo em seguida se mudou para o sítio no bairro das Tabaranas, de Antônio Luciano Polidoro, o seu Nico Polidoro, como era conhecido.

Dona Isabel, atualmente aposentada, ainda reside no sítio, mas por problemas de saúde deixa o trabalho na lavoura para o filho que mora com ela.

A seguir, o relato emocionante da cafeicultora, uma das moradoras de Serra Negra que será homenageada pelo Viva! Serra Negra em cerimônia na Casa da Cultura e Cidadania Dalmo Dallari, no dia 11 de março, às 20 horas. 

Junto com ela estarão as seguintes cidadãs e trabalhadoras de Serra Negra: Vera Lúcia Godoi de Paula (comerciária), Iza Bordotti de Carvalho (ativista ambiental), Neusa Aparecida de Paula (enfermeira), Clarice Ramalho Alves (merendeira), Ramona Calouro (agente de saúde), Luciana Silva Ramos (guia de turismo) e Adriana De Biasi Dorigatti (ativista da causa animal).

"Estou arrasada por estar 
sem saúde. Só queria estar 
boa para voltar a trabalhar"

"Trabalho com os Polidoro há uns 38 anos. Vim para cá com o Renato Marchi [cafeicultor]. Ele  buscava gente para colher café com o caminhão de boia-fria do Paraná. Ele trouxe uns conhecidos nossos do Paraná para cá e nós viemos com eles. O meu filho, que ainda mora comigo, tinha apenas três meses.

Para mim, trabalhar na agricultura era muito bom porque eu tinha muita saúde. Criei todos os meus seis filhos na agricultura. Um deles faleceu aqui mesmo no sítio. Sempre trabalhei na roça com café. Nunca trabalhei como empregada doméstica nem nunca fiz nada na vida. Nunca fui à escola... Não sei ler.

Eu que comandava o trabalho aqui no sítio. Meu almoço era feito às 4 horas da manhã. Trabalhava neste e no outro sítio.

Um dia o Nico Polidoro chegou aqui com o caminhão cheio de adubo. Nem tinha celular naquela época. Ele chegou aqui com o caminhão cheio de adubo para ser jogado no sítio.

Meu filho tinha chegado de madrugada e nem adiantava chamar porque ele não iria acordar. O seu Nico coçou a cabeça e perguntou: 'E agora o que eu faço?'

Eu olhei para ele e perguntei: 'Seu Nico, o sr. confia em mim?'

Ele perguntou: 'Por quê? Claro que confio na senhora', disse.

Eu respondi: 'Então o senhor espera que eu vou fazer uma marmita de comida e vou lá jogar o adubo.'

Fui lá e joguei sozinha um caminhão de adubo. O seu Nico não vai confirmar isso agora porque Deus já levou ele. Quatro horas da tarde, depois de terminar o serviço, vim embora de a pé.

Agora, estou arrasada de estar desse jeito sem saúde. Nunca peguei uma carona com ninguém aqui. Andava para lá e para cá e agora não consigo mais. Meu marido faleceu há mais de 25 anos. Hoje só um filho mora comigo. Criei sozinha os meus filhos. Meu marido bebia muito e dava mais trabalho do que os filhos (risadas).

Dois dos meus filhos moram na Nova Serra Negra, duas filhas moram na cidade e trabalham no hotel. E um filho mora comigo. Dia 7 de setembro do ano passado, trabalhei o dia inteirinho, quando cheguei aqui passei mal de noite e desde aquele dia não melhorei mais e não consigo mais trabalhar.

Já fiz cirurgia no coração há oito anos e passo com o Dr. Dante [cardiologista Dante de Oliveira], já fiz vários exames particulares e no posto. Estou com muita fraqueza nas pernas. Quando passo pano na casa, uso uma mão para segurar o rodo e a outra para segurar com medo de cair. Tenho netos e bisnetos que vêm me ver. Mas não consigo mais ver ninguém. Só queria agora ficar boa para voltar a trabalhar."




 

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