//ENTREVISTA// Não haverá intervenção militar e Lula tomará posse, diz cientista político serrano

Vinícius do Valle: porção minoritária da sociedade é que contesta o resultado das eleições

 

A transição de governo está ocorrendo e Lula tomará posse no dia 1º de janeiro a despeito da vontade e das ações de uma porção minoritária da população. Os militares dão sinais ambíguos a respeito de seu posicionamento, mas a ideia de uma intervenção militar não conta com o respaldo institucional, nem da imprensa, da opinião pública e das organizações internacionais.

A opinião é do cientista político serrano Vinícius do Valle, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo, autor do livro "Entre a Religião e o Lulismo", convidado do programa Serra Negra na Roda transmitido em 23 de novembro.

“Existe um Brasil real em que as coisas estão andando em que não se discute se a terra é plana, se a vacina funciona ou não nem quem é o vencedor dessa eleição”, afirmou. Um pouco à margem desse Brasil real, ele ressalva, há uma porção da população barulhenta, mas minoritária, que está contestando e trazendo violência e agressividade política inéditas desde a redemocratização do país.

“É um pessoal que faz muito barulho e que coloca para a gente um desafio fundamental, que é como trazer para o mundo real essas pessoas que estão olhando para o mundo e vivendo a partir de uma realidade paralela”, afirmou.

Apesar dos sinais ambíguos dos militares a respeito de seu posicionamento, o cientista político avalia que os militares estão cumprindo seu papel. “Não estão intervindo na eleição, não há contestação oficial por parte das instituições militares”, disse. Esse comportamento ambíguo reflete na sua avaliação a impunidade da Lei da Anistia, que garantiu impunidade após a redemocratização aos militares que estavam nos comandos de postos chaves durante a ditadura militar.

“Essa falta de punição manda um recado complicado para a política e para a sociedade brasileira, de que a gente pode passar o pano para os absurdos cometidos durante a ditadura militar e atualmente”, concluiu. Valle considera ainda que esse comportamento não deveria causar estranhamento, uma vez que os militares desempenharam papel nefasto para a sociedade e a política brasileira.

Imprensa

O cientista político lembrou ainda que a imprensa tem uma parcela de responsabilidade nessa turbulência. “Uma parcela dos jornalistas não aprendeu a lição do período anterior e continua apresentando um comportamento antipetista infantil”, afirmou. “Fazer oposição e cobrar é o papel da imprensa, mas uma parcela do jornalismo constrói manchetes maliciosas e um discurso como se Lula não tivesse ganhado a eleição com uma plataforma social”, afirmou.

Ele citou o caso de matérias sobre o preço da blusa usada em uma entrevista ma televisão por Rosângela Lula da Silva, a Janja, esposa do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. “Esse jornalismo que olha quanto custa a blusinha da mulher do Lula, olha quanto custa o prato que o Lula comeu... Qual o sentido? O Lula deveria comer arroz com farinha? Como ex-presidente, uma pessoa que está em posição de comando não pode comer bem?”, perguntou.

O outro discurso da imprensa é que o governo Lula não está apresentando responsabilidade fiscal adequada até o momento. “O governo dele nem começou. É transição. Mas também traz ideia do que aconteceu no Brasil, Bolsonaro tirou recursos de áreas centrais do Orçamento para ganhar as eleições e ainda assim não deu certo”, salienta.

Se a imprensa tivesse preocupação com o ajuste fiscal, Valle avalia, deveria olhar para a sequência histórica que está envolvida nos fatos. “O Lula está tendo de fazer manobras políticas, nada fácil, de aprovar sem a caneta na mão uma PEC que dá recursos para manter promessas eleitorais básicas que foram amplamente discutidas antes das eleições”, salientou.

Governo de transição

Sem querer jogar água fria na esperança dos brasileiros, Valle recomendou que a população, em especial a parcela mais progressista da sociedade, baixe as expectativas porque o terceiro governo Lula será de reconstrução do país. “Esse governo está se construindo como um governo de transição. Parece que a gente está falando da transição de Bolsonaro para o próximo governo, mas não se trata disso. É o próprio governo que será de transição para a normalidade”, afirmou.

Além da reconstrução do país, com o retorno de investimentos na educação, nas universidades, na ciência e na pesquisa, sua expectativa é que nos próximos quatro anos, o país tenha construído também uma direita mais democrática.

Assista ao programa na íntegra:



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