//SALETE SILVA// "Gênero é como a pessoa se identifica", diz juiz

O juiz Carlos Eduardo Silos de Araújo na palestra da EE Professora Amélia Massaro


O entusiasmo com as novas gerações é o que leva o juiz da Comarca de Serra Serra Negra Carlos Eduardo Silos de Araújo a destinar parte do seu tempo de trabalho a ações educativas e preventivas direcionadas a crianças e adolescentes para combater a violência e prevenir o uso de drogas.

“Tenho muita esperança nessa meninada. Essa geração é menos preconceituosa, mais tolerante na questão da diversidade de gênero, tenho esperança nessa meninada”, afirmou ao encerrar uma palestra sobre Agosto Lilás na Escola Estadual Professora Amélia Massaro, na quarta-feira, 24 de agosto.

Essa foi a  primeira conversa de uma série que o juiz fará este mês com estudantes da rede de ensino estadual sobre violência contra a mulher e a Lei Maria da Penha, que define como crime as agressões domésticas e prevê punição aos agressores.

Por sua experiência e contato com a juventude, o juiz não se surpreendeu quando um dos alunos perguntou se a Lei Maria da Penha servia também para transgêneros. 

“Assunto bem atual”, reagiu. O juiz considerou uma boa pergunta e explicou que a Lei 11.340 se refere a gênero e que, portanto, cabe a todas as pessoas que se identificam como mulheres. 

O dr. Araújo relatou aos alunos que a Lei Maria da Penha já foi aplicada em Serra Negra em um caso que envolvia um casal de mulheres. “Essa questão de gênero é como a pessoa se identifica. O homem que se identifica como mulher e o contrário também. Essa lei é de gênero protege a pessoa que se identifica como mulher”, explicou.

Em entrevista ao Viva! Serra Negra, o juiz manifestou seu entusiasmo com as novas gerações em relação à diversidade de gênero e ao combate à violência contra a mulher. “É difícil fazer as pessoas mais antigas entenderem essas situações. Antigamente se achava normal tratar a mulher de maneira desrespeitosa e não respeitar a condição sexual das pessoas”, salientou. Falta informação. 

O juiz atribui a desinformação da sociedade em relação ao assunto ao embate ideológico que acaba provocando o cerceamento do direito das crianças e adolescentes à informação.

“Para eles respeitarem precisam conhecer esse assunto que envolve religião, política e tudo mais e estamos em período eleitoral em que vem à tona essa questão”, lembrou. Independentemente de ideologias ou religiões, ele considera impossível se posicionar contrário à discussão da questão de gênero.

“É uma realidade. As pessoas têm de saber, temos mulheres que estão mitigando agora pela guarda das crianças”, afirmou. O juiz lembrou que quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) autorizou a realização de casamentos do mesmo sexo,  só nos primeiros seis meses após a aprovação, foram realizados quatro matrimônios de casais de homens em Serra Negra.

Para o juiz, essa é uma realidade que tem de ser respeitada e que tem regulamentação jurídica. O dr. Araújo considera a questão de gênero um fato da vida que as pessoas precisam entender. “Há homens que gostam de homens, mulheres que gostam de mulheres e ninguém tem nada a ver com isso”, salientou.

O juiz explicou que essas novas relações e casamentos começam a provocar situações jurídicas, como divórcio. “Eu sou uma pessoa conservadora, caipira do interior, mas muito antes de ter essas leis reconheci uma união estável para fins do INSS de dois homens”, relatou.

Ele reconhece que as regulamentações jurídicas facilitaram o acesso aos direitos. O juiz lembrou o caso de uma professora em Serra Negra que nasceu homem, mas que se identificava como mulher e conseguiu alterar seu registro de nascimento com base em uma jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ela não havia se submetido à cirurgia de redesignação sexual para mudar as características sexuais e genitais de nascença, mas queria a mudança do nome nos documentos.

A identidade de gênero é uma questão de dignidade da pessoa humana e de humanidade na avaliação do juiz. “A pessoa tem o direito de ser feliz. Cada uma do seu jeito. Tem gente que gosta de pescar outra de futebol e cada um tem de respeitar as pessoas”, concluiu. 

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Salete Silva é jornalista profissional diplomada (ex-Estadão e Gazeta Mercantil) e editora do Viva! Serra Negra



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