//SALETE SILVA// Falta muito para Serra Negra se tornar o "Vale do Café"



A ideia de tornar Serra Negra conhecida como Vale do Café esbarra na falta de produtos nas prateleiras das lojas e de incentivos financeiros para os cafeicultores investirem na industrialização, na oferta dos produtos nos pontos de venda e na abertura das porteiras para o turismo rural.

As propriedades ainda não estão preparadas para receber os visitantes nem contam com capacidade de oferta de produtos no comércio central para que o turista leve o café de Serra Negra para casa e se torne um potencial consumidor das marcas locais, com a possibilidade de fazer encomendas por meio do comércio eletrônico. Há um longo caminho a percorrer para a cidade ostentar com competência o título de Vale do Café.

Das 350 propriedades rurais do município cadastradas no Sindicato Rural de Serra Negra, a maioria já produziu exclusivamente café. Boa parte delas passou a se dedicar a outras atividades agrícolas, como a criação de gado, cultivo de milho e de soja. Muitas ainda mantêm algum cafezal para consumo próprio ou apenas por amor e tradição na cafeicultura.

A produção local perdeu competitividade ao longo dos anos com a expansão da cafeicultura em Estados com terrenos planos, como Bahia, Espírito Santo e Minas Gerais, de fácil introdução das máquinas e equipamentos.

O terreno montanhoso de Serra Negra dificulta a mecanização da colheita e boa parte ainda é realizada de forma manual ou parcialmente mecanizada. O produtor depende de mão de obra especializada, cada dia mais difícil devido ao êxodo rural provocado pela falta de atrativos no campo.

A menor oferta de trabalhadores eleva o custo da mão de obra, reduzindo a cada dia a produtividade e competitividade da cafeicultura serrana. A localização da maior parte das propriedades em áreas com altitude de 1.000 metros acima do nível do mar, no entanto, ainda é um diferencial dos cafezais da cidade, que produzem cafés especiais e de alta qualidade.

A renda dos produtores é proveniente da venda do café, cotado a preço internacional, para empresas que negociam o produto no mercado interno e externo. Para dedicar maior tempo a outros nichos de mercado, como o turismo rural e a torrefação, os cafeicultores necessitam de capacitação, mas em especial de linhas de financiamento para os investimentos nas propriedades.

A infraestrutura dessas propriedades rurais está voltada para a produção e a comercialização do café como commodity. Algumas propriedades não contam com serviço de internet rápida para se conectar com o mercado turístico e com seu potencial público e muitas ainda não têm registros essenciais para vender seus produtos.

A cafeicultura local é formada por pequenas propriedades, comandadas por famílias que concentram esforços no segmento que garante a renda e a sobrevivência do negócio.

Festival do Café

Algumas iniciativas já vêm sendo tomadas com o objetivo de tornar o café uma das identidades turísticas do município, como a realização este ano do Festival do Café. A direção do Conselho Municipal de Turismo (Comtur) avaliou como positivo o resultado do evento, realizado em maio. A estimativa é que 15 mil pessoas visitaram os estandes.

“Todos os produtores que participaram ficaram felizes com o resultado. O principal objetivo, que era divulgar o café da região, foi atingido”, disse a vice-presidenta do Comtur, Silvia Fonte, presidente da Associação dos Produtores de Cafés Especiais do Circuito das Águas Paulista (Acecap).

Dos 13 produtores de Serra Negra filiados à Acecap, oito possuem marca própria, mas nem todos participaram do Festival do Café. Segundo o Sindicato Rural de Serra Negra, o município tem apenas duas marcas oficialmente regulamentadas e que comercializam seus produtos no mercado local e de outras regiões, como Campinas e São Paulo.

Entre as propriedades da Rota Turística do Café, uma das rotas rurais com potencial para o turismo, apenas duas, Café Nono Marchi e Museu do Café, são atrações turísticas diretamente ligadas ao café e são as únicas que participam como produtores rurais do projeto Experiências do Brasil Rural, uma iniciativa do Ministério do Turismo em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro, com o objetivo de incentivar o turismo rural em todo o país.

A Rota do Café iniciou a capacitação no programa do governo federal este ano. No final, os participantes devem receber apoio para inserir seus produtos e serviços no mercado turístico, entre os quais bares, restaurantes, rede hoteleira e comércio. 

No Festival de Café deste ano, a falta de produto para ofertar aos turistas no comércio central foi detectada como um dos gargalos do turismo rural. Com exceção das duas marcas oficialmente registradas no Sindicato Rural, que não participaram do evento este ano, a maioria dos demais produtores torra seus próprios cafés em pequenas quantidades e ainda não oferta nos pontos de venda.

O próprio secretário municipal de Turismo e Desenvolvimento Econômico, Carlos Tavares, apontou a ausência dos cafés nas gôndolas das lojas centrais durante o evento. “O Festival recebeu muitas pessoas, alguns estandes chegaram a distribuir 200 folders em apenas um dia, mas os turistas não estão encontrando os cafés produzidos na cidade para comprar no comércio central”, afirmou.

Vale do Café x Vale dos Vinhedos

A direção do Comtur reconhece que esse é um trabalho para os próximos anos e tenta se inspirar em outras regiões em que o turismo rural é um dos principais atrativos turísticos, como a região dos vinhedos no Sul do país.

No Rio Grande do Sul, no entanto, o turismo rural como estratégia de negócios dos municípios foi consequência natural do desenvolvimento da viticultura, que transformou pequenas propriedades em grandes vinícolas, como a Casa Valduga, Grupo Miolo, Vinícola Jolimont e Aurora, entre tantas outras.

As grandes marcas surgiram da organização formal dos produtores em mais de 30 cooperativas no início do século passado. As cooperativas permitiram a organização formal dos produtores, tornando viável a introdução de melhorias, aprimoramento de técnicas de produção e o aumento do valor das uvas e seus produtos. Serra Negra já teve uma cooperativa de produtores, que encerrou suas atividades, assim como uma associação e até um concurso de qualidade de café, no início dos anos 2000.

A produção na região dos vinhedos foi impulsionada também pela chegada de multinacionais, como Almadén, Chandon, Martini e Cinzano nos anos 1970, e em seguida pelas conquistas de várias indicações geográficas conferidas a produtos ou serviços que são característicos do seu local de origem. A Acecap desenvolve um trabalho para conquistar indicações geográficas dos cafés do Circuito das Águas Paulista, que deverão ter os primeiros resultados nos próximos dois anos.

O Viva! Serra Negra conversou com produtores que avaliam que a cidade poderia tomar duas medidas importantes: realizar o Festival do Café em uma data pós-colheita, em agosto por exemplo, para que os produtores possam ofertar maior quantidade de café durante o evento, e criar um concurso de café do município para melhor divulgar o produto serrano entre os cafés especiais. As ações do Comtur para desenvolver a área rural poderiam também ser mais eficientes com a colaboração do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável, recém-criado no município.

Potencial turístico

Na última reunião do Comtur foi apresentada uma pesquisa sem cunho científico sobre o potencial do turismo rural em Serra Negra com foco no café. O levantamento foi desenvolvido durante um curso oferecido pela Associação das Prefeituras das Cidades Estância do Estado de São Paulo, entidade que realiza ações para promover o desenvolvimento turístico das estâncias paulistas.

Foram entrevistadas 406 pessoas que visitaram Serra Negra, 75% das quais disseram que estavam dispostas a pagar mais por um café de qualidade. Boa parte dos entrevistados, cerca de 150 pessoas, têm renda superior a cinco salários mínimos, o que pode indicar que se trata de um turista de maior poder aquisitivo.

“São potenciais consumidores de rotas turísticas e de produtos de melhor qualidade, que podem elevar o tíquete médio do turista da cidade”, afirma o estudo. Ele indica uma série de iniciativas para transformar a cidade no Vale do Café, como promover palestras para os moradores e empresários, instalação de pontos de vendas na Rua Coronel Pedro Penteado e imediações, onde também podem ser divulgadas as rotas turísticas e incentivo ao uso do café na gastronomia e nos drinques oferecidos pelos bares e restaurantes.

Além do café, o Comtur avalia que o município deve agregar a sua identidade a outros nichos de mercado, como negócios e eventos, turismo rural, turismo de saúde, turismo de aventura, turismo de esportes, ecoturismo e turismo cultural. 

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Salete Silva é jornalista profissional (ex-Gazeta Mercantil e Estadão) e editora do Viva! Serra Negra




Comentários

  1. Nunca serão "vale do café" pq todos são egoistas e não fazem nada em comunidade para crescer. Povo lamentável.

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