//ENTREVISTA// Cidade só atrairá investimentos se houver transparência, diz Pellegrini

Daniel Pellegrini: "A resistência ao novo é algo normal ao ser humano, mas
 quando o poder público não fomenta a cultura de inovação, tecnologia e
empreendedorismo de forma profunda, esse problema se agrava"


Serra Negra é uma das poucas cidades da região que não integra oficialmente o Polo de Inovação do Interior Paulista, uma ONG formatada por Daniel Pellegrini, que tem por objetivo, como diz seu slogan, “transformar a vida de pessoas e cidades através da capacitação, suporte à criação de políticas públicas e fomento ao empreendedorismo inovador e disruptivo”.

"Imagino que não há uma razão lógica específica para Serra Negra não fazer parte do polo", disse Pellegrini na entrevista que deu ao Viva! Serra Negra. "É uma decisão da atual administração, entendo que esta administração não veja relevância nas ações do polo para o município", continuou, para em seguida fazer uma ressalva: "Que fique claro, não estamos deixando Serra Negra de fora, Serra Negra em nosso planejamento está inserida nas ações do polo, mas com zero apoio do poder público local." 

Na entrevista, Pellegrini também revelou por que resolveu acionar o Ministério Público sobre o processo que culminou com a escolha do site comercial Visite Serra Negra como representante oficial da cidade: "Ouvimos que havia sido tomada uma decisão por um pequeno grupo de que haveria um site oficial e único que representaria o município", disse.

Em seguida fez uma pergunta provocativa: "Há um outro ponto neste tema que parece subliminar, mas é de extrema importância para a atração de investimentos para qualquer local: a transparência e a segurança jurídica. Pense você como um investidor que queira investir em qualquer setor da cidade, sem a segurança que em uma reunião de qualquer conselho possa se tomar uma decisão que afete diretamente o seu negócio sem um processo isonômico e transparente. Você investiria?"

A seguir, a íntegra da entrevista com Daniel Pellegrini:

Viva! Serra Negra - Quem é Daniel Pellegrini, por que ele veio a Serra Negra?

Daniel Pellegrini - Estou morando em Serra Negra de forma definitiva há dois anos. Mas minha história com a cidade é em toda minha vida. Meu aniversário de um ano de idade foi na casa de meus avós maternos, que moraram em Serra Negra por mais de 40 anos. Todas as minhas férias de infância eu vivi aqui. Essa relação de nossa família com a cidade e a região - tínhamos uma chácara e meu pai alguns terrenos em Jaguariúna também -  vem desde os anos 1950. Minha mãe, meu pai, meu irmão e inclusive eu, já tivemos negócios em Serra Negra, lojas, marcenaria, meu pai entrou no ramo de construção, também. Inclusive a última morada de meus avós - e meus pais também já solicitaram o mesmo - é aqui, no Cemitério da Saudade. Se alguém me chama de forasteiro é porque não conhece minha história com Serra Negra. E dito isso, a razão de o porquê escolhi Serra Negra fica bem mais fácil. De certa forma, sempre estive aqui. Passei alguns anos morando no exterior, mesmo assim, quando vinha ao Brasil, dava um jeito de vir aqui. E o Polo de Inovação do Interior Paulista, claro que não exatamente como ele foi concebido, sempre esteve em minha cabeça, ainda em conversas com meu avô, do tempo que ele era vivo. Eu sempre disse que um dia eu viria definitivamente para Serra Negra e iria trazer algo para contribuir com o desenvolvimento para a região ligado à minha área de atuação.

Viva! - Como surgiu a ideia do polo? Quem são seus parceiros?

Pellegrini - Como disse, não exatamente o polo, mas algo relacionado à minha área de atuação -  inovação, empreendedorismo e tecnologia -  sempre esteve na minha cabeça de fazer na região. O polo, especificamente, há uns três anos, quando decidi que seria a hora de dar esse passo e iniciar o projeto. Analisando os caminhos, e pela minha experiência mundo afora, achei que a melhor maneira de iniciar seria trabalhando efetivamente na base do ecossistema de empreendedorismo e inovação. Com as metodologias mais modernas e de efeito concreto “rápido”, utilizando as melhores práticas dos ambientes de inovação espalhados pelo mundo, buscamos formatar com uma rede de empresas e pessoas desse segmento algo que pudesse transformar a realidade de vida das pessoas e de empresas com alto impacto social. O polo tem um Conselho Consultivo composto pelos setores de tecnologia, academia, desenvolvimento econômico, meio ambiente e sustentabilidade, relações internacionais, turismo, comércio, serviços e indústria. Um dos grandes diferenciais está em sua rede de relacionamentos, o famoso network, que viabiliza ações, que sem essa rede não seria possível. Dentre os principais apoiadores do polo temos duas instituições de ensino, o Grupo Unieduk e o Grupo Unifia/Unisepe. Temos a Embrapa como parceiro no agro, ESG e áreas de pesquisa. Na área de pesquisa temos também a Fapesp. Temos ainda no âmbito privado a Microsoft, o Banco BV, o BTG Pactual/Vtreo, as principais empresas de tecnologia (Amazon, Google, Abrintel, American Tower, Ericsson etc). No poder público, que está conosco desde o início, temos a Invest SP, o governo do Estado de São Paulo e prefeituras. Mais recentemente a Agemcamp também integra as ações na região metropolitana de Campinas. Temos também uma parceria extremamente relevante com os ambientes de inovação de Israel. Contando com o escritório em Tel Aviv como a base de expansão das relações internacionais. A Start Up Nation Center, por exemplo, é uma entidade como o polo, da iniciativa privada que, em parceria com o poder público, fomenta o empreendedorismo e inovação. Neste momento inclusive há discussões nas áreas de agro e ESG em andamento para colaboração. De nossa ação internacional vem também a estruturação de um fundo de investimento para fomentar as ações do polo, suas startups e projetos apoiados. Israel é a nação mais empreendedora e inovadora per capita do mundo.

Viva! - Quais as principais ações desenvolvidas até agora?

Pellegrini - De forma resumida, temos o programa de empreendedorismo feminino Mulher Inova, cujo carro-chefe é Jornada de Vôo Aladas, uma capacitação que se preocupa com o ser humano em primeiro lugar, trabalhando a base com o que chamamos de power skills, para empoderar a mulher no primeiro módulo e só depois falamos de empreender, sempre sem custo para a baixa renda; o Agente de Inovação, capacitação com o objetivo de quebrar paradigmas, romper com o status quo, trazendo novas metodologias, estimulando o pensamento inovador, tirando pré-julgamentos e crenças limitantes; as jornadas de capacitação em tecnologia, que têm como objetivo dar oportunidade a todos que queiram e tenha vontade de participar do mercado de tecnologia, seja trabalhando para uma empresa ou seja empreendendo, sempre sem custos para a baixa renda; os Pitch Days, que são os nossos processos de seleção de projetos e startups, hoje temos três incubados em diferentes segmentos - Associação Ambientalista Copaíba, com um projeto de carbono zero, IPVágil, uma fintech que trabalha com os despachantes como seu canal e Arazul, que tem uma proposta para alternativa de proteína para ração animal; suporte a políticas públicas, no qual destaco um caso relevante neste item, que colocou a região do Circuito das Águas em destaque pela primeira vez na história no âmbito da tecnologia, que foi o trabalho que fizemos em parceria com a Invest SP e Abrintel em relação à aprovação da lei de antenas para a tecnologia 5G; e o Turismo 4.0 - estamos conversando com todo o trade turístico para estruturar um novo conceito de turismo na região de atuação do polo. 

Viva! - Por que Serra Negra não faz parte do polo?

Pellegrini - Imagino que não há uma razão lógica específica. É uma decisão da atual administração. Entendo que esta administração não veja relevância nas ações do polo para o município. É uma decisão estratégica que cabe a cada gestor municipal. Para que não haja vitimismo aqui vou deixar claro como foi o processo. Serra Negra foi o primeiro município com que falamos. Apresentamos como sendo um projeto sem custo para o município. Mas o município queria ser o “dono” do projeto. E nos foi sugerido que vendêssemos o projeto para a prefeitura. Chegamos até discutir o tema, mas isso teria matado o projeto. No fim, o melhor aconteceu. Avançamos em outra direção. Tomamos a decisão de iniciar por outro município.  O polo é independente. Quando se adota uma postura de vitimismo, tentar me descredenciar e macular minha imagem é um caminho natural para justificar a decisão. Agora, importante saber que o polo não sou eu. Que há um conselho consultivo com secretários de Desenvolvimento Econômico da região, de duas instituições de ensino, de empresários, pessoas representando entidades. Mas acho que qualquer dúvida em relação a isso é só perguntar a qualquer município ou mesmo ao Estado se recebemos um centavo de qualquer um deles. Pelo contrário, temos investido com nossos parceiros da iniciativa privada em capacitações e demais ações. Mas que fique claro, não estamos deixando Serra Negra de fora. Serra Negra em nosso planejamento está inserida nas ações do polo, mas com zero apoio do poder público local. A informação que tive era que estavam avaliando a viabilidade do nosso projeto. Pela postura até o momento, ao menos com a administração atual, me parece pouco viável. Estamos sempre abertos, mas desde que preservada nossa independência, autonomia e sem admitir qualquer ingerência dentro da gestão do polo que conta com um conselho consultivo de altíssimo nível. 

Viva! - Você está questionando no Ministério Público a escolha do site visiteserranegra como mídia oficial do Comtur, beneficiando o portal na divulgação oficial de Serra Negra, em especial no QRCode das placas nas ruas com os pontos turísticos. Por que você está fazendo esse questionamento?

Pellegrini - Não questionei a escolha do visiteserranegra.com, mas sim o modelo de atuação e como foi processo. Com o programa Turismo 4.0 começamos a conversar em toda a região, incluindo Serra Negra. Durante essas conversas em Serra Negra, ouvimos que havia sido tomada uma decisão por um pequeno grupo de que haveria um site oficial e único que representaria o município. Imaginava que fosse o site da prefeitura, mas quando questionei me disseram que era um portal que pertencia a uma entidade e que havia sido decidido em uma reunião do Comtur. Ainda, e isso foi o que mais me incomodou, me foi dito que para estar nesse portal, que seria o oficial da cidade, seria preciso pagar. Empresas que fazem parte do trade e inclusive do Comtur estão fora do portal porque não pagam por nenhuma das opções de pacotes de marketing ofertados. Recebi esse material de marketing e me assustei quando vi que os pacotes, além de oferecer para estar presentes no portal, também dariam direito de ter exposição através dos QR codes das placas oficiais dos pontos turísticos do município e de fazer parte de feiras promovidas e patrocinadas pelo Estado e federação. Resolvi questionar a prefeitura. Questionei qual havia sido o critério e se havia tido um chamamento público dentro do princípio da isonomia, impessoalidade etc. A primeira resposta que obtive é de que não havia nada do portal nas comunicações oficiais da cidade. Contestei enviando a foto do site demonstrando que estava na página da prefeitura. Coloquei depois um vídeo ainda demonstrando que o QR code das placas da prefeitura nos pontos turísticos levava ao referido portal. E nesse momento não obtive mais resposta. Entendo que essa foi uma ação do poder executivo e que caberia a ele a resposta. Como não houve nenhum tipo de resposta, e mesmo quando questionado por um vereador não houve uma resposta ao que de fato perguntei, o único caminho que me restou foi usar os meios oficiais de questionamento via Ministério Público, uma vez que ele é responsável pela defesa da ordem jurídica, dos interesses da sociedade e pela fiel observância da Constituição. Há um outro ponto neste tema que parece subliminar, mas é de extrema importância para a atração de investimentos para qualquer local: a transparência e a segurança jurídica. Pense você como um investidor que queira investir em qualquer setor da cidade, sem a segurança que em uma reunião de qualquer conselho possa se tomar uma decisão que afete diretamente o seu negócio sem um processo isonômico e transparente. Você investiria?

Viva! - O Comtur está estudando uma nova identidade turística para Serra Negra, que se tornou conhecida como Cidade da Saúde. Já foram sugeridos o ecoturismo, o turismo de aventura, o turismo rural, a cafeicultura, que tem sido a mais cogitada e até o balonismo.  Qual é a sua opinião sobre o assunto?  O que falta para alavancar o turismo de Serra Negra?

Pellegrini - Temos uma visão diferente desse formato. Acreditamos no turismo social, de inclusão, e o novo turismo de experiência, que surgiu no mundo, principalmente na Europa e Ásia. Não é uma experiência tradicional, é uma experiência verdadeira, com conteúdo, com verdade, com identidade. Não participamos em nenhuma das discussões sobre o tema. Vamos apresentar no mês de agosto nossa proposta para o turismo 4.0. 

Viva! -  Como o polo de inovação pode contribuir para criar empregos na cidade, desenvolver as empresas locais e também o turismo?

Pellegrini - Temos algumas formas que entendemos poder auxiliar nesse processo. Queremos e vamos começar pela base. Já estamos em conversas com o Estado para o trabalho nas escolas estaduais do ensino médio para que possamos desde a base trabalhar o futuro desses jovens. Para esses jovens que hoje estão no ensino médio, 63% das profissões que existem hoje, quando eles chegarem ao mercado de trabalho, já não existirão mais como elas são. Queremos auxiliar cadeias produtivas já existentes na economia local a desenhar um planejamento estratégico com um olhar inovador para fazer evoluir seus negócios adaptando-os a realidade e expectativa atual. Dentro desse processo é aproximar toda cadeia, desenvolvê-la onde houver alguma lacuna. Outro ponto importante, é que o perfil da população economicamente ativa está mudando. Quase metade desta população já é dos chamados millenials, a geração Y, também chamada geração do milênio, geração da internet, inclusive no turismo. Um novo perfil de empreendedor surgirá em nossa região. Aliás, já está surgindo, as empresas que exportarão serviços a outros municípios, Estados e até países. Inclusive dois de nossos incubados já estão nesse caminho. Queremos fomentar o empreendedorismo local através de capacitação, mentorias, acesso a capital de fundo perdido ou baixo custo. Importante salientar, disponibilizar capital e não dar suporte e acompanhamento para sua utilização pode se transformar em uma armadilha. Os nossos Pitch Days são um caminho para isso. Em relação ao turismo, à cultura e arte, apresentaremos o nosso programa completo em agosto. 

Viva! - O 5G tem sido a aposta para o desenvolvimento nos próximos anos. Como essa nova tecnologia deve influenciar a dinâmica econômica dos municípios da região do Circuito das Águas? 

Pellegrini - Eu costumo dizer que o 5G é a nova Revolução Industrial. Tudo mudará com a tecnologia 5G. Na forma que compramos, na medicina, na saúde, na educação, na indústria, na agropecuária, no turismo, no setor público, enfim, em tudo. O 5G influenciará em todos os setores e fará total diferença em competitividade e produtividade seja ela qual for. Neste dia 30 teremos uma apresentação sobre Internet das Coisas e 5G, mostrando inclusive aplicações no setor público em tempo real e com equipamentos no local. Teremos por exemplo: solução de prevenção a enchentes, controle de bueiros, iluminação pública, tráfego, estacionamento etc. Este é um evento em parceria com o setor público e privado. Temos a Agemcamp, a Invest SP e a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo no setor público e empresas como Ericsson e American Tower no setor privado. A Ericsson fará uma apresentação sobre aplicações da tecnologia 5G. Serra Negra deu um passo muito importante aprovando a lei do 5G. Apesar de ter sido o único município da região que foi através do Poder Legislativo e não do Poder Executivo. Não temos diálogo com o Executivo do município. 

Viva! - Você disse que outros municípios da região estão mais avançados do que Serra Negra em especial no que se refere ao turismo. Quais são esses municípios e em quais aspectos a cidade está atrasada?

Pellegrini - Vou citar apenas três destaques da região, pois são mais próximos da realidade de Serra Negra. Temos atuação em diversos outros municípios de regiões distintas. Socorro, por exemplo, sediará a primeira Feira de Inovação da região; Jaguariúna, terá esse evento de Cidades Inteligentes, 5G e Internet das Coisas; Amparo tem a sede do polo, com diversos eventos ocorrendo na cidade, como os Pitch Days, todas as nossas capacitações, e já temos dentro do poder público um Comitê de Inovação, formado com projetos para serem implantados. E boa parte disso vem da falta de abertura para uma nova visão que encontramos. A resistência ao novo é algo normal ao ser humano. Mas quando o poder público não fomenta a cultura de inovação, tecnologia e empreendedorismo de forma profunda, esse problema se agrava. 



Comentários

  1. Enquanto houver qualquer sinal que possa interferir no comando de tudo em Serra Negra e esse comando fugir das rédeas chedidianas, nada e nem ninguém conseguirá qualquer inovação ou investimento em nossa cidade, infelizmente. Por isso que não há diálogo com o atual Executivo.

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