//SALETE SILVA// A incrível história da adolescente que deu à luz no banheiro da rodoviária

Solange, Lola e Andreia: final feliz para uma situação inusitada e complicada

O choro do bebê recém-nascido trouxe alívio e felicidade à enfermeira Solange Cristina Gimenes Rigolon Arantes, chamada às pressas para socorrer uma menina que dava à luz no banheiro da rodoviária de Serra Negra, no dia 29 de abril, por volta das 12h30. “Quando ouvi o bebê finalmente chorar, percebi que ele sobreviveria a aquilo tudo”, desabafou a enfermeira.

O chamado para um parto em um banheiro público é motivo de tensão e preocupação com a situação clínica de mãe e filho. A atenção, no entanto, precisou ser redobrada quando Solange se deparou com uma menina que se tornava mãe com pouco mais de dez anos de idade.

“Perguntei o nome dela e se sabia há quanto tempo estava grávida”, relatou. Nitidamente assustada, Solange recorda que a jovem mãe ficou sem respostas, o que a levou a pensar em muitas possibilidades em relação ao caso.

“Várias hipóteses passaram pela minha cabeça. Será que era uma tentativa de aborto? Seria um recém-nascido prematuro?”,  perguntou a enfermeira a si mesma. Mas a criança aparentava peso normal para um bebê recém-nascido dentro do prazo de gestação. Na conversa com a paciente a caminho do hospital, Solange disse que constatou que se tratava de uma menina imatura e apavorada.

Talvez mãe e bebê não tivessem tido um final feliz sem a ajuda da gari Lucimar Gonçalves Gomes, a Lola, a primeira pessoa a acudi-las no banheiro público, e a chamar por socorro. “A Lola estava ali na hora exata e com iniciativa e coragem amparou a adolescente e o bebê até a chegada da equipe. “Em seguida, realizei os procedimentos técnicos necessários para a manutenção dos dois”, narrou Solange.

Solange: "Vamos continuar a fazer a 
melhor limonada com o limão que temos"

Foi ela quem atendeu ao chamado telefônico solicitando a ambulância para um trabalho de parto dentro do banheiro da rodoviária. Solange explicou que a ocorrência foi atendida com prontidão graças ao Setor de Transportes de Pacientes/Ambulância Municipal.

Sua equipe é integrada também por Andreia Asterio, a primeira motorista contratada após a reestruturação do serviço de ambulância, e pelo também enfermeiro Hideraldo Spinelli, atual coordenador da enfermagem de base.

Havia uma grande concentração de pessoas na rodoviária naquele momento - era hora do almoço e da saída dos alunos das escolas. “Desci correndo da viatura, enquanto o restante da equipe preparava a ambulância e trazia os materiais de atendimento”, recordou. 

Uma viatura do Corpo de Bombeiros esteve no local para oferecer ajuda. A situação já estava sob controle e mãe e bebê foram encaminhados à maternidade do Hospital Santa Rosa de Lima.

Solange agradece a todos os trabalhadores da ambulância que, segundo ela, enfrentam situações importantes para garantir a vida e a saúde da população todos os dias. Agradeceu também ao Setor de Transporte por disponibilizar vagas para os pacientes em diversos lugares.

“Somos a soma de erros e acertos, mas a população pode ter certeza de que continuaremos fazendo a melhor limonada com o limão que temos”, salientou.

Amor à profissão

A desvalorização profissional e a baixa remuneração desestimulam a atividade na área da saúde, que em Serra Negra ainda não conta com um plano municipal de carreira. Algumas conversas já foram iniciadas sobre o assunto no Legislativo e o Tribunal de Contas do Estado mencionou a necessidade do plano de carreira na área no relatório de 2019 sobre as contas da prefeitura, aprovadas com ressalvas pelo órgão.

“A enfermagem passa por um conflito de autoestima diariamente”, avalia Solange, que aponta a falta de valorização profissional e a baixa remuneração da categoria no país como principais desafios dos profissionais. Ela avalia que cidades pequenas, como Serra Negra, tendem a oferecer melhores condições de trabalho aos profissionais e pacientes.

Funcionária do setor de Transportes de Pacientes/Ambulância Municipal desde 2007, Solange explica que a qualidade do serviço das ambulâncias melhorou depois que a administração municipal contratou enfermeiros para acompanhar o transporte dos pacientes.

“Anteriormente, a ambulância contava apenas com condutores, que eram responsáveis pelo atendimento também dos pacientes graves”. Essa situação precede à instalação de uma unidade do Corpo de Bombeiros na cidade. Ela explica que atualmente o município conta com a Rede de Atenção às Urgências e Emergências para melhor atender esses casos.

Gravidez na adolescência

O parto da adolescente na rodoviária suscitou mais uma vez a discussão na cidade sobre a gestação precoce e a gravidez na adolescência. Os dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sisnasc) do SUS revelam que um em cada sete bebês brasileiros nascidos em 2020 tinha mãe adolescente.

Apesar de uma tendência de queda nos últimos anos, os números no Brasil estão acima da média latino-americana. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), nascem 68,4 bebês de mães adolescentes no Brasil a cada mil meninas de 15 a 19 anos, enquanto que, na América Latina, a média é de 65,5 nascimentos, e, no mundo, 46 mil a cada mil.

Solange atribui a queda dos casos de gravidez na adolescência ao Plano Nacional de Prevenção Primária do Risco Sexual Precoce e gravidez de adolescentes. Ela desconhece os dados no município. A enfermeira salienta a importância do esforço conjunto da família, escola e sociedade para prevenir a gravidez entre os adolescentes.

Para o médico especialista em sexualidade Jairo Bouer, a extensão da polarização política para pautas de comportamento e sexualidade provocou uma interrupção de programas públicos de educação sexual.

“Na ausência dessa discussão nas escolas, os jovens correram para as redes sociais para se 'formar' e informar. Se de um lado há uma democratização no acesso a informações, corre-se o risco de que esse aprendizado aconteça dentro de bolhas que não dialogam com a ciência ou que perpetuam fatos e dados imprecisos. Falta, muitas vezes, tempo e oportunidade para a formação de um senso crítico nos jovens que os ajude a avaliar o que está sendo visto e ouvido nas redes e a tomar as melhores decisões”, escreveu o especialista em sua coluna no UOL publicada no dia 29 de janeiro de 2022, durante a Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência.

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Salete Silva é jornalista profissional (ex-Gazeta Mercantil e Estadão) e editora do Viva! Serra Negra




Comentários

  1. Parabéns à equipe da ambulância pelo socorro neste caso............. foi primordial para mãe e o bebê............

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