//CIDADE// Prédio do Vendão tem cerca de 90 anos e foi beneficiadora de café

O prédio do Vendão, na década de 1930: propriedade de Nelson Bruschini

O prédio do Vendão, pertencente à rede de Supermercados Colorado, que será demolido para a construção de uma loja moderna, já existia na década de 1930, ou seja, há cerca de 90 anos.

Isso é o que indicam os registros do serrano Nestor de Souza Leme, historiador e responsável por uma página no Facebook dedicada a publicar fotos antigas sobre Serra Negra.

Leme encontrou em seus arquivos uma publicação de 1935, o "Album de Serra Negra", que relatava o funcionamento no local da “Machina de Beneficiar Café São José”.

“Dotada de todas as instalações próprias, ali funcionando potente 'machina' combinada com capacidade para 400 arrobas e movida por intermédio do vapor Robey, desenvolvendo 10 cavalos v. Há tulhas, escritório etc”, diz o texto.

A publicação revela ainda que a indústria de beneficiamento de café pertencia a Nelson Bruschini, nascido em 23 de outubro de 1905. Informa ainda que Nelson Bruschini era filho de José Bruschini e de dona Prima Bruschini, residentes em Serra Negra.

O texto também informa que Nelson casou em 30 de dezembro de 1933 com Maria Silveira Bruschini, e que o casal teve uma filha chamada Maria Helena.

Segundo a publicação, a família morava na Rua Santos Pinto e Bruschini era proprietário de vários prédios de aluguel nas imediações da Machina São José, além de ter suas irmãs como sócias da Fazenda Santa Cruz, localizada em Serra Negra.

Publicação de 1935 conta a história
 da beneficiadora de café

A publicação de 1935 foi o único documento sobre o prédio encontrado por Leme em seus arquivos. Na página do Facebook do Viva! Serra Negra e nas redes sociais da cidade muitos serranos que lamentaram a demolição relataram suas lembranças como consumidores e frequentadores do local, em especial na infância.

O empresário Marco Duda, um dos sócios da Expresso Duda, relatou ao Viva! Serra Negra suas lembranças não só como frequentador do edifício, como também vizinho. De acordo com ele, sua família tinha relação profissional e de amizade com Nelson Bruschini.

Seu relato remete às décadas de 1950 a 1970 e em especial entre os anos de 1972 e 1974, quando Marco tinha cerca de seis anos. A história do prédio e de seu proprietário se mistura com a da cafeicultura serrana. 

“Era criança, mas ainda tenho muito da história que meus pais e meus avós me contaram ali e que guardei para mim”, afirmou.

Os relatos de seus familiares são de que até 1950 o café produzido em Serra Negra era vendido em coco (seco) e exportado pelo Porto de Santos. “Seu Antônio Jorge, pai de Elias Jorge, transportava o café em lombo de burro para o Porto de Santos”, revela. A mercadoria levava 15 dias para chegar a seu destino.

Posteriormente, o transporte passou a ser feito por trem, e mais tarde, por volta de 1950, por meio de caminhão. Também nessa época, ele relata, o café passou a ser beneficiado porque o produto em coco já não era mais aceito pelo mercado internacional.

Serra Negra na década de 1930, vista do morro do Fonseca:
o prédio do Vendão aparece no centro da foto 

“Os exportadores passaram a comprar o café beneficiado, depois torrado, e depois torrado e moído”, relata. Marco calcula que 90% da produção de café da cidade era beneficiada em Espírito Santo do Pinhal, município distante quase 100 quilômetros de Serra Negra, onde ficava o beneficiamento mais próximo.

“O sr. Nelson Bruschini, que era visionário, pessoa inteligentíssima, era meu vizinho nessa época na Rua Nove de Julho, e tive a oportunidade de o conhecer. Foi ele quem criou esse beneficiamento de café e o gerente da sua beneficiadora era o Attílio Fazolim, falecido há pouco tempo”, lembra.

Bruschini adquiria o café da região, beneficiava nas máquinas instaladas no prédio onde é o Vendão e descartava a palha, que ficava guardada no depósito localizado atrás do barracão da beneficiadora. O café, lembra ainda, era levado a Santos.

“Meu pai carregava um caminhão por dia desse café e entregava no Porto de Santos. Como ele trabalhava direto para a beneficiadora, o Bruschini permitia que meu pai guardasse os caminhões no pátio atrás do Vendão”, recorda Marco.

Seu pai nunca pagou aluguel para guardar seus caminhões. “Ele ficou mais de 20 anos sem pagar um centavo de aluguel para o sr. Nelson. Fora a série de benesses, que não eram poucas”, afirmou.

A lembrança mais viva em sua memória, no entanto, foi o dia da morte de Nelson Bruschini. Marco não sabe ao certo a idade que tinha na época, mas calcula entre cinco e sete anos.

Os netos de Nelson Bruschini, ele lembra, costumavam visitar o avô nos fins de semana, e a cozinheira, dona Conceição, chamava os meninos para tomar café da manhã ou almoçar na casa dele.

Num desses fins de semana, quando as crianças estavam se alimentando na cozinha, lembra Marco, Maurício, o neto caçula, encontrou o avô morto no escritório.

“Ele teve um infarto fulminante e o neto o encontrou sentado na cadeira, como se estivesse lendo jornal, com o pé em cima da mesa. Eu estava lá e me lembro desse dia. Lembro-me da gritaria e do alvoroço”, recorda.

Os filhos de Bruschini não manifestaram interesse em prosseguir nos negócios do pai, segundo Marco. “Eles seguiram outras profissões. Hoje, o Marcelo é médico”, diz.

O imóvel do Vendão atualmente 

A beneficiadora de café começou a ser abandonada e atraiu o interesse do empresário Antônio Renato Gasparini Marson, conhecido como Toninho Marson, que comprou o local para instalar um depósito de ração. “Era Marson & Calais”, que tinha o Calé como sócio do Toninho Marson”, afirma.

Se ainda houver alguma máquina de beneficiamento da época, diz Marco, é possível encontrar alguma data estampada nela. Os equipamentos eram feitos de madeira, alguns importados da Inglaterra, mas todos tinham datas.

Marco manifesta seu carinho e gratidão também ao empresário Toninho Marson. “Quando ele assumiu, pagamos um aluguel simbólico, tínhamos também muitas benesses e eu tinha até a chave do depósito para entrar e saía na hora que queria”.

Marco diz que Toninho Marson foi um benfeitor para sua empresa. “Ele nos ajudou a chegar onde chegamos. Tenho o maior carinho por ele por conta de tudo isso."

Apesar do valor afetivo do imóvel do Vendão, Marco diz que não é contrário à demolição. Para ele, as leis de tombamento ainda não funcionam de forma adequada no país e os prédios acabam abandonados. 

Em Serra Negra não há legislação que defenda o patrimônio histórico e cultural, segundo o presidente da Câmara, César Augusto Borboni, o Ney. Ele informou que o município segue as regras do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat). 



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