//POLÍTICA// Emendas parlamentares reforçam clientelismo e mascaram atuação de deputados

 

Dinheiro das emendas parlamentares vem dos impostos pagos pelos brasileiros 

Cerca de R$ 3 milhões foram repassados pelos governos estadual e federal para Serra Negra ao longo de 2021 por meio de emendas parlamentares.

Os recursos foram usados para aquisição de viatura para o Corpo de Bombeiro, custeio do Hospital Santa Rosa de Lima e do setor de saúde, reformas no Asilo dos Velhinhos São Francisco de Assis, recuperação da estrada vicinal Sebastião Godoy Bueno e até para a aquisição de tiras reagentes para aferição de glicemia capilar.

O volume de recursos repassados por meio de emendas parlamentares foi calculado pelo Viva! Serra Negra com base em informações dos deputados autores das emendas, divulgadas em suas redes sociais, e nas de políticos apoiadores desses parlamentares na cidade, entre os quais o prefeito Elmir Chedid (DEM), irmão do deputado estadual Edmir Chedid (DEM), além da página no Facebook da prefeitura de Serra Negra.

Os dados sobre os valores das emendas parlamentares repassadas ao município não constam no portal da Transparência da Prefeitura.

Os valores liberados pelos governos federal e estadual são enfaticamente anunciados pelos políticos, que as utilizam também como trunfo eleitoral, em especial em anos que antecedem ou que ocorrem eleições para o Legislativo estadual e federal, como este ano.

As verbas repassadas são essenciais para complementar o Orçamento dos municípios. O repasse por meio de emendas parlamentares está previsto na Constituição e os recursos repassados são provenientes de impostos pagos pelos cidadãos brasileiros. Ao trazer os recursos para o município, os deputados federais estão cumprindo uma das atribuições para as quais foram eleitos.

Políticos da oposição ao prefeito calculam que foram repassados ao município por meio das emendas dos parlamentares apoiados pelo seu grupo mais de R$ 2 milhões ao longo de 2021. Só para a recuperação da estrada vicinal Sebastião Godoy Bueno, que liga o município à SP 360, foram repassados R$ 1,148 milhão em emenda parlamentar de autoria do deputado estadual Rafa Zimbaldi (PL).

Outra emenda parlamentar de autoria de Zimbaldi repassou R$ 150 mil para o Hospital Santa Rosa de Lima. Na área da saúde, os oposicionistas calculam que foram repassados cerca de R$ 440 mil por deputados apoiados pelo grupo. Emenda de autoria do deputado federal Ricardo Izar (Progressista), previu o repasse de R$ 145 mil.

Mais R$ 300 mil para custeio da saúde foram repassados por emendas do deputado estadual Marcos Pereira (Republicanos). Emendas do deputado Barros Munhoz (PSB) somaram, segundo o grupo, R$ 400 mil, destinadas a asfaltamento de ruas, reforma do Asilo São Francisco de Assis e a aquisição de um caminhão.

A busca de recursos por meio de emendas parlamentares foi intensificada em 2021, véspera de ano eleitoral, não só para Serra Negra, mas para todo o Circuito das Águas Paulista, região há décadas reduto político do deputado estadual Edmir Chedid, irmão do prefeito de Serra Negra, Elmir Chedid, que também reforçou essa estratégia.

As redes sociais do prefeito e da prefeitura de Serra Negra foram utilizadas para divulgar esses recursos, destacando as emendas de Edmir, destinadas à aquisição de viatura para o Corpo de Bombeiro, de tiras reagentes para aferição de glicemia capilar (R$ 100 mil), além de recapeamentos de ruas (R$ 150 mil) e verba para o custeio da saúde (R$ 150 mil).

Seu irmão também agradeceu Edmir por verbas transferidas do governo do Estado para a reforma da Praça Sesquicentenário (R$ 2,3 milhões) e construção de um fontanário atrás da Prefeitura (R$ 1,3 milhão), mas esses recursos não são oriundos de emendas parlamentares.

As verbas vêm do Departamento de Apoio ao Desenvolvimento dos Municípios Turísticos (Dadetur), que atualmente congrega 70 estâncias turísticas paulistas. 

Os recursos destinados à construção da nova creche no Bairro das Três Barras, de cerca de R$ 5 milhões, também não são repasses de emendas parlamentares. Trata-se de convênios firmados com o governo do Estado de São Paulo.

Barganha política

Embora utilizadas eleitoralmente pelos políticos, as emendas parlamentares são garantidas pela Constituição, explica a doutora em Ciência Política Maria Teresa Miceli Kerbauy, docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais FCL/ Unesp/Campus de Araraquara e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFSCar.

“É um tipo de instrumento que o Congresso Nacional possui para participar da elaboração do Orçamento anual, que é encaminhado pelo Executivo para aprovação no Congresso. A ideia era que os parlamentares pudessem aperfeiçoar a proposta encaminhada pelo Poder Executivo, visando uma melhor alocação dos recursos públicos”, explica.

As emendas são uma oportunidade, diz a professora, para que os parlamentares coloquem programações orçamentárias de forma a atender as demandas das comunidades que representam. Mas tanto no âmbito municipal como federal são utilizadas para projetos que agraciam as bases eleitorais dos congressistas.

“A ideia era que o Orçamento pudesse dar aos congressistas uma forma de atender as demandas das suas localidades, no entanto as emendas colocam vantagens indevidas e permitem que os deputados possam acabar criando um certo clientelismo em relação aos prefeitos e vereadores", explica. 

Segundo a professora, as emendas criam uma via não democrática de transferência desses recursos, e agora com o relator, que é responsável pela distribuição desses recursos, não sendo obrigado a revelar o seu destino, a Câmara dos Deputados não tem como ser transparente”, explica.

Alterações na lei em 2015, a professora lembra, fortaleceram os deputados. Com a introdução da Emenda 86, que prevê um limite porcentual de 1,2% no orçamento da receita, cuja metade do valor tem de ser destinado a serviços públicos e ações de saúde, os parlamentares passaram a ter uma cota mínima de emendas.

“A alteração diminuiu o poder de barganha do governo, mas preservou uma capacidade de ditar um ritmo da liberação de recursos das emendas que dá sempre muito problema, aliás hoje um problema do governo Bolsonaro, com as emendas secretas, com acusações de que a ministra da Casa Civil não está facilitando a liberação dos recursos propostos pelas emendas parlamentares e pelas emendas de bancada”, diz Maria Teresa.

Uma nova alteração em 2019, por meio da Emenda Constitucional 105, que autoriza a inclusão de novas despesas primárias discricionárias a serem indicadas exclusivamente pelo relator geral do Orçamento, causa uma nova polêmica, porque as emendas secretas foram distribuídas pelo relator geral, sem divulgação de quem recebeu esses recursos.

“Essa é a questão que está sendo discutida hoje, porque as emendas secretas foram na realidade distribuídas pelo relator geral e não foi divulgado quem recebeu esses recursos. Isso causou uma polêmica que até hoje se arrasta, porque o relator geral passou a ter uma função importante, de indicar para quais parlamentares, órgãos e entidades federais vão os recursos”, salientou.

Essas emendas do relator permitem que alguns parlamentares sejam favorecidos em detrimento de outros na distribuição dos recursos. “Essa é a discussão que tem sido feita. Há uma ação no STF. Essa distribuição do projeto de lei orçamentária tem sofrido críticas por conta da discussão sobre sua legitimidade e da transparência, sobretudo por configurar um poder financeiro livre e amplo e ao mesmo tempo concentrado nas mãos de um único parlamentar”, afirmou.

Barganha eleitoral

As emendas parlamentares podem ser usadas para influenciar a decisão do eleitor na escolha dos candidatos para o Legislativo. Ao decidir o voto com base apenas nas emendas parlamentares, os eleitores deixam de avaliar a atuação de seus candidatos na Assembleia Legislativa ou no Congresso.

Todos os deputados estaduais que repassaram recursos para Serra Negra  por meio de emendas parlamentares, por exemplo, votaram favoravelmente ao megapacote de ajuste fiscal do governo João Doria no meio da pandemia de covid-19, em 2020.

O ajuste fiscal, com a elevação da alíquota do ICMS de alimentos da cesta básica e de medicamentos, teve impacto no custo de vida, em especial dos mais pobres. Além disso, com a extinção de algumas empresas estatais, foram eliminados quase 6 mil postos de trabalho.

O megapacote contou com o voto favorável dos deputados de partidos da base do governo Bolsonaro, como Rafa Zimbaldi (PL), e também dos da base de apoio ao governo Doria, como Barros Munhoz e Edmir Chedid. Na esfera federal, o deputado Ricardo Izar (PP), que integra partido do Centrão, votou favoravelmente à Reforma Trabalhista.

As atribuições dos parlamentares vão muito além das emendas parlamentares. Cabe a eles propor projetos de lei, fiscalizar o trabalho de governadores e do presidente da República, além de definir os orçamentos estadual e federal, fundamentais para a distribuição de renda em um dos países mais desiguais do mundo. 




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