//OPINIÃO// Ciência para quê?



Ettore Baldini Neto


Desde o início dos anos 2000 até 2015 o orçamento total da ciência e tecnologia brasileiras cresceu de aproximadamente de R$ 4 bilhões para R$ 13 bilhões. A partir de 2016, com a conjuntura política conturbada, os investimentos tiveram uma taxa de variação negativa vertiginosa e hoje o país voltou ao patamar do início do século XXI. 

Isso significa cortes no dinheiro das agências federais (CNPq e CAPES), hoje à míngua. Significa também a não continuidade de projetos até então bem sucedidos em todas as áreas do conhecimento e, principalmente, a fuga de cérebros formados no país com dinheiro público, em busca de melhores condições de trabalho e de perspectivas para o futuro, algo que já era complicado quando havia mais dinheiro. Além disso tudo, a agenda ideológica adotada pelo governo federal interditou os mais variados debates tão necessários aos avanços da sociedade brasileira.

Sob este ponto de vista, o combate à pandemia de covid-19 não foi exceção e questões estritamente científicas nesses quase dois anos deram lugar a ações absolutamente desastradas, muitas delas deliberadas, que contribuíram fundamentalmente para que o número de mortos esteja beirando as 600 mil.

Concomitantemente vivemos também sob a ameaça constante de um apagão energético, da destruição cada vez mais desenfreada dos biomas necessários à regulação do ciclo das chuvas e do clima brasileiro. 

Não há como não relacionar tais tragédias com a falta de uma política científica clara, com a colocação de pessoas sem qualquer qualificação mínima nos postos  estratégicos do governo federal. Chegamos ao ponto de “ministros da educação” atacarem as universidades públicas, de “ministros do meio ambiente” colocarem-se ao lado dos destruidores do meio ambiente, e mais recentemente, de termos um “ministro da economia” especulador de mercado! 

A falta de cultura científica do brasileiro é assustadora, mas infelizmente não está sozinha no planeta, conforme já alertava Carl Sagan, nos EUA nos anos 90, em seu monumental "O Mundo Assombrado pelos Demônios". 

Especificamente em relação à pandemia, o que se ouve de políticos alinhados com o governo federal - e também infelizmente de muitos “médicos”  e “cientistas” – são falas que deixariam um surrealista boquiaberto. O raciocínio foi obscurecido pela guerra ideológica sem sentido promovida pelo governo federal. Muitos desses senhores não têm o treinamento necessário para entender o método científico que, grosseiramente falando, segue o seguinte roteiro:  1. Observação; 2. Elaboração do problema; 3. Formulação de hipóteses; 4. Elaboração de experimentos; 5. Análise dos resultados obtidos; e 6. Conclusão do estudo.

Quando um trabalho sobre um determinado tema é publicado em revistas especializadas, ele já passou pela revisão, em todos os seus passos, de toda a comunidade especializada, e tem boas chances de representar o estado da arte naquele instante. Não que ele não possa ser refutado: claro que pode! Não há verdades absolutas em ciência. Segundo Karl Popper, uma boa teoria científica deve ser falseável, ou seja, estar sujeita ao escrutínio sempre que novos fatos experimentais, rigorosamente estudados, não sejam explicados por ela.

Tudo isso para dizer que a boa ciência, aquela que usa o método científico, infelizmente não oferece respostas rápidas, mas oferece as melhores respostas num determinado intervalo do tempo. E para dizer também que o método é imune à opinião tanto dos leigos quanto dos próprios cientistas, pois tem a robustez necessária para evitar possíveis fraudes em qualquer uma de suas etapas.

Caso nossos homens públicos tivessem a mínima preocupação em ouvir nossos melhores cientistas e tivessem adotado políticas públicas sóbrias, alinhados com práticas bem aceitas e corroboradas mundialmente, não teríamos tantas mortes em tão pouco tempo. 

Também não teríamos nos tornado cobaias de tratamentos charlatanescos com vermífugos e afins, que em nada contribuíram para salvar vidas a partir do momento em que foram descartados pela comunidade científica internacional. Um erro bastante comum, infelizmente recorrente, do grande público está em querer generalizar situações específicas. Quando isso ocorre, jogam metaforicamente toda os avanços conquistados pela ciência na lata do lixo.

Caso nossos cidadãos fossem educados tendo incrustada em suas formações a importância da ciência para o desenvolvimento da humanidade, desde os aspectos morais até os tecnológicos, teríamos uma população um pouco mais crítica e menos susceptível às notícias mentirosas e posturas desonestas que infelizmente têm dominado a sociedade brasileira, em um contexto mais amplo mundial, é verdade. 

Investir pesadamente em educação, em projetos científicos de médio e longo prazos e também na formação cultural de uma sociedade científica é fundamental para nos tirar da idade das trevas do pensamento mágico e iluminar nosso caminho rumo a uma sociedade mais crítica e justa.



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