//CRÔNICA// O incêndio na cinemateca e a cultura de Serra Negra



Carlos Motta


O incêndio em um galpão da Cinemateca Brasileira, em São Paulo, dá o que pensar. O local estava há meses sem manutenção, largado, uma prova do descaso do governo federal com o setor cultural. Até as pedras sabem que os milicianos que nos governam odeiam qualquer coisa relacionada à arte e cultura. O negócio deles é grana e mais nada.

Dito isso, vamos falar um pouco de Serra Negra. 

Por aqui, o interesse pelas coisas da cultura também é artigo raro. 

Não estou dizendo que o serrano não aprecie a arte. 

Claro que muitos gostam de ler, de ouvir música, assistir a um filme ou peça teatral... Digo isso de modo geral. Infelizmente, a cidade é muito carente de atrações artísticas, oferece pouquíssimo para a população, e muitas vezes o que oferece é, digamos, de qualidade questionável.

A cidade não tem uma Secretaria da Cultura, mas sim um diretoria, subordinada à Pasta da Educação, com um orçamento ridículo, de cerca de R$ 350 mil anuais. Descontadas as despesas com pessoal, sobra quase nada para investir na área.

Existe também o problema antigo e sempre atual de se fazer as coisas - quando são feitas - para o turista e não para os serranos.

Os festivais de verão e inverno, a Festa da Amizade, o Carnaval, a Paixão de Cristo, por exemplo, quando existiam no período pré-pandemia, eram realizados no Centro.

Os bairros, a periferia, não têm nada.

A cidade possui um teatro espetacular no Centro de Convenções, que passa 90% do tempo vazio, sem artistas ou plateia.

A boa biblioteca pública recebe alguns gatos pingados que sabem de sua existência. 

Algumas peças do museu municipal estão ali no popular Bolo de Noiva, o Palácio Primavera, que daqui a alguns meses será sede da Câmara Municipal, mas quem sabe de sua existência?

A cidade tem raros exemplares arquitetônicos do passado. Volta e meia a gente olha para onde estava uma casa antiga e vê que ela sumiu e no seu lugar está um imóvel comercial, quase sempre vazio, com a placa de "aluga-se" ostensivamente à mostra, como prova de que vivemos tempos difíceis.

Em compensação, sobrevivem na cidade a Banda Lira, um patrimônio de incalculável valor artístico, e a orquestra de violas, há ótimos violeiros escondidos na zona rural, mantêm-se a tradição de algumas festas religiosas em bairros distantes, e cheguei a ver até mesmo um grupo de catira se apresentar num dos saudosos saraus organizados por dona Rose Moutran.

Existe uma juventude ávida por mostrar o que sabe fazer.

Ou seja, Serra Negra não é um deserto cultural. 

O que falta na cidade é vontade de levar todos esses tipos de expressão cultural à população, é dar às pessoas - e não só aos turistas - a oportunidade de usufruir das manifestações artísticas e dos equipamentos culturais. 

É ouvir quem se interessa e acha que arte e cultura são essenciais ao desenvolvimento do ser humano.

É, com base em debates com a população, formular um projeto cultural abrangente, inclusivo, democrático, que permita que os artistas e agentes culturais possam se expressar e que o público tenha acesso ao seu trabalho.

Para terminar, vai a lembrança, para aqueles que acham tudo isso que eu escrevi é uma tremenda bobagem, de que a indústria cultural é uma das mais poderosas e ricas do planeta. 

Não enche apenas o espírito. Enche também os cofres.








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